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1 O SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO BRASILEIRO

3.6 A aplicação do princípio da capacidade contributiva

3.6.2 Vedação ao efeito de confisco

A vedação constitucional da tributação com efeito de confisco é derivada da ideia de capacidade contributiva e de igualdade, estando este limite expressamente disposto no artigo 150, inciso IV da CF/88:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

IV – utilizar tributo com efeito de confisco;

Trata-se de um princípio constitucional tributário que, sem dúvida, pode ser analisado isoladamente, mas que está inserido ao da capacidade contributiva, como um pressuposto para a sua adequada aplicação. Como destaca Estevão Horvath ao tratar da capacidade contributiva e da não-confiscatoriedade, “os dois princípios em epígrafe possuem estreita relação entre si.

Em nosso sentir, é como se um não existisse sem o outro e vice-versa, podendo até mesmo ser considerados como superpostos”.146

O termo confiscar, conforme esclarece Estevão Horvath, “advém do latim confiscare que, segundo o Dicionário Aurélio, significa apreender em proveito do fisco; arrestar”.147

A Constituição Federal utiliza a expressão “tributo com efeito de confisco” e não simplesmente o confisco. Significa dizer que o princípio da não-confiscatoriedade limita a expropriação de bens privados pelas pessoas políticas, ou seja, limita o poder de tributar do Estado. Pode-se considerar como confiscatório o tributo que onere de forma demasiada o contribuinte, de tal maneira que venha a violar seu direito de propriedade sem a correspondente indenização, de forma a absorver parte considerável do respectivo patrimônio.

Não podemos esquecer que a ação de tributar excepciona o principio constitucional que protege a propriedade privada (art. 5º, XXII148 e 170, II149, ambos da CF/88). A esse respeito, destacamos que a Constituição Federal de 1988 garante o direito de propriedade, sendo evidente que a tributação não pode torná-la inexistente, esta a razão de ser do princípio do não confisco.

O confisco, puramente, é medida sancionatória e, nos termos do artigo 3º150 do Código Tributário Nacional, o tributo não constitui sanção de ato ilícito. Já a vedação de tributação com efeito de confisco está na própria natureza jurídica do tributo. Os tributos, por sua natureza compulsória, devem obedecer aos limites autorizados pela Constituição Federal, de forma que a transferência de recurso do indivíduo ao Estado seja legítima e não confiscatória, ou seja, que não onere demasiadamente o contribuinte.

146 HORVATH, Estevão. O princípio do não-confisco no Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2002, p. 67. 147 Ibid, p. 46 (grifo do autor).

148 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXII - é garantido o direito de propriedade;

149 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim

assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: II - propriedade privada;

150 Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que

não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

Para tanto, referido princípio não visa impedir a tributação, o que ensejaria a vedação ao poder de tributar, mas sim que tal tributação não anule ou mesmo subtraia mais do que uma parte razoável da riqueza privada do contribuinte151.

Destacamos que a vedação ao efeito de confisco não se aplica tão somente aos contribuintes pessoas físicas. Para as pessoas jurídicas, a tributação com efeito de confisco se verifica na dificuldade de exploração ou mesmo impossibilidade de desempenhar suas atividades econômicas, em função de uma tributação tão gravosa.

Concordamos, pois, com Roque Antonio Carrazza, que, ao tratar do tema, aduziu: A ab-abrupta e excessiva majoração de sua base de cálculo, a ponto de dar ao contribuinte a impressão de que está sendo sancionado, agride o princípio da não-confiscatoriedade, porque trará sérias repercussões em seu orçamento familiar (caso da pessoa física) ou em suas atividades e patrimônio (caso da pessoa jurídica), que levarão considerável tempo para serem neutralizadas152. (grifo do autor)

E para que haja esta tributação atendendo à capacidade contributiva dos indivíduos, os impostos devem ser graduados de modo a não incidir sobre as fontes produtoras de riqueza dos contribuintes, conforme ensina Mary Elbe Queiroz:

(...) o não-confisco funciona como uma limitação para o legislador, com a intenção de impedir que ele possa atribuir uma carga tributária aos contribuintes, que retire desses um valor tal que resulte em extorquir parte do respectivo patrimônio, ou em exaurir, mesmo que paulatinamente, a própria fonte produtora dos rendimentos.153

O tributo com efeito confiscatório é aquele que esgota (ou tem a potencialidade de esgotar) a riqueza tributável das pessoas, ou seja, que não leva em conta, de maneira adequada, a capacidade contributiva dos indivíduos.

Vê-se que o princípio da vedação de utilização do tributo com efeito de confisco está intrinsecamente relacionado ao da capacidade contributiva, visando preservar a capacidade

151 Nesse sentido destaca Roque Antonio Carrazza que “a norma constitucional que impede que os tributos sejam

utilizados ‘como efeito de confisco’, além de criar um limite explícito às discriminações arbitrárias de contribuintes, reforça o direito de propriedade.” (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional

Tributário. 29ª edição, revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo:

Malheiros Editores, 2013, p. 116)

152 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª edição, revista, ampliada e

atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 117-118.

153 QUEIROZ, Mary Elbe. Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, Barueri-SP: Manole,

econômica do contribuinte, não podendo compeli-lo a colaborar com gastos públicos que ultrapassem as suas possibilidades.

Podemos então considerar que o princípio constitucional que veda a tributação com efeito de confisco deriva da ideia de capacidade contributiva, pois ao assumir caráter confiscatório, o imposto estará atingindo valor que excede a capacidade contributiva.

Nesse sentido, as lições de Estevão Horvath:

O confisco seria a violação, por excesso, da capacidade contributiva. A vedação de tributação com efeito de confisco reforça a idéia de um sistema tributário justo, mas não somente isso. Impede o excesso de tributo ou que se alcance alguém que não praticou o fato ou não demonstrou capacidade contributiva. Ocorre confisco quando se supõe existente uma riqueza que, na realidade, não existe.154

Há, portanto, que se respeitar a limitação da tributação com efeito confiscatório, evitando-se a absorção total ou parcial do bem ou da renda do contribuinte de maneira demasiada. Conforme esclarece Elizabeth Nazar Carrazza, “inaceitável a utilização de tributo que venha a provocar a extinção da própria atividade geradora de recursos”.155

E essa limitação dar-se-á mediante a aplicação da razoabilidade na tributação, de modo a não ultrapassar o limite de atuação do contribuinte a ponto de impossibilitar suas atividades produtivas lícitas. Para Estevão Horvath, “a garantia da razoabilidade também é identificada, por ser dela sinônima, com a chamada proibição de arbitrariedades”.156

Entendemos tratar a tributação com efeito confiscatório, a exigência tributária que ultrapassa a possibilidade de o contribuinte colaborar com a arrecadação dos cofres públicos, excedendo a capacidade contributiva do indivíduo.

É nesse sentido que Osvaldo Santos de Carvalho conclui:

Podemos aduzir que a garantia constitucional assegurada ao contribuinte por meio da vedação de “utilização” de tributo com “efeito confiscatório” busca proteger não somente os direitos de propriedade e a capacidade contributiva,

154 HORVATH, Estevão. O princípio do não-confisco no Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2002, p. 67. 155 Elizabeth Nazar Carrazza. Progressividade e IPTU. 1ª edição – 3ª tiragem. Curitiba: Juruá Editora, 2000, p.

70.

156 HORVATH, Estevão. O princípio do não-confisco no Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2002, p. 55

como também oferecer anteparo a qualquer situação que possa violar sua liberdade de atividade econômica.157

Para Roque Antonio Carrazza, “o princípio da não-confiscatoriedade exige do legislador, conduta marcada pelo equilíbrio, pela moderação e pela medida, na quantificação dos tributos, tudo tendo em vista um direito tributário justo”158.

O que se denota é a dificuldade de identificar o que seria ou não um tributo com efeito confiscatório. A esse respeito, Roque Antonio Carrazza, a título exemplificativo, destaca:

É certo que, a priori, é impossível precisar a partir de que ponto o IR assume viés confiscatório. A análise, porém, de cada caso concreto, tendo em conta os princípios da igualdade, da capacidade contributiva, da função social da propriedade e da dignidade de pessoa humana, tem força bastante para revelar se atingiu as raias do confisco.159

Entendemos que a questão se coloca em cada caso concreto, no limite para atuação do Fisco, de forma a não tornar a exigência fiscal confiscatória, dosando pela razoabilidade em cada uma das situações. Resta, de fato, difícil estabelecer os limites, sempre existindo uma zona nebulosa, na qual as soluções remeterão para o subjetivismo.

Essas as palavras de Hugo de Brito Machado:

(...) não obstante seja problemático o entendimento do que seja um tributo com efeito de confisco, certo é que o dispositivo constitucional pode ser invocado sempre que o contribuinte entender que o tributo, no caso, lhe está confiscando os bens.160

Compreendemos que, embora este conceito não seja preciso, pode-se considerar como confiscatório o imposto que atinja o contribuinte de maneira a violar o direito de propriedade, ou seja, absorvendo parte considerável do valor da propriedade, aniquilando a empresa ou mesmo impedindo o exercício de atividade lícita e moral pelo contribuinte.

A observância do atingimento da tributação confiscatória, quer dizer, o limite supracitado, pode-se dizer de plano, deve essencialmente estar condicionado ao princípio da

157CARVALHO, Osvaldo Santos de. Não cumulatividade do ICMS e princípio da neutralidade tributária. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 94.

158 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª edição, revista, ampliada e

atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 116.

159 CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a Renda (perfil constitucional e temas específicos). 3ª edição

revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 125.

160 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 28ª edição revista, atualizada e ampliada. São

razoabilidade161 em relação ao caso concreto, e deve ser observado pelo legislador ordinário no momento da edição de normas tributárias, ainda aplicando-se os princípios da igualdade, da capacidade contributiva, da função social da propriedade e da dignidade da pessoa humana.

Roque Antonio Carrazza, ao destacar este ponto, esclarece que se assim for verificado, “o Poder Judiciário, quando devidamente provocado, declarará inconstitucional a lei que o criou”.162 Dessa maneira, nos casos em que esta problemática se verificar, caberá ao Poder Judiciário dizer se aquele tributo é ou não confiscatório, diante da provocação dos interessados.

Concluimos, nesse sentido, que a tributação é garantida pelo sistema jurídico, mas não pode ser utilizada como penalidade, razão pela qual se refuta o tributo com efeito confiscatório.