• Nenhum resultado encontrado

1 O SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO BRASILEIRO

3.9 Capacidade contributiva e os tributos vinculados

No que tange à análise da aplicação ou não da capacidade contributiva aos tributos vinculados212, entendemos que adequado está o entendimento pelo seu não cabimento. A Constituição Federal de 1988 é clara ao referir-se apenas aos impostos em seu artigo 145, §1º, que dispõe a respeito do princípio da capacidade contributiva, conforme exposto. Referido artigo estabelece “Sempre que possível, os impostos...”. A partir da análise do dispositivo constitucional, já é possível verificarmos a não adequação do princípio da capacidade contributiva a outras espécies tributárias que não apenas aos impostos.

As taxas e a contribuição de melhoria, sendo tributos vinculados, devem respeito ao princípio da retributividade e da proporcionalidade da atuação do Estado em relação ao benefício obtido pelo contribuinte, respectivamente, e não à capacidade contributiva.

A jurista Regina Helena Costa sustenta que o ordenamento constitucional pátrio não autoriza a aplicação da capacidade contributiva às taxas. A esse respeito, destaca com propriedade a autora:

Sustentar a necessidade de observância do princípio da capacidade contributiva nas taxas é não atentar para a natureza dessas imposições tributárias. Significando uma contraprestação pela atuação do Poder Público,

212 Sob o prisma dos tributos, a Constituição Federal de 1988 prevê o campo tributário reservado a cada ente

federativo. Assim, o artigo 145, da CF/88 estabelece que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir impostos, taxas em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição e contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas. Paralelamente, os artigos 153, 155 e 156 da CF/88 estabelecem o campo tributário reservado a cada um dos entes federativos. Pode-se, portanto, verificar que a Constituição Federal de 1988 adota a classificação dos tributos em impostos, taxas e contribuições de melhoria. Noutros dizeres, a Constituição Federal de 1988 adota o critério tricotômico de classificação dos tributos. No que tange à classificação jurídica dos tributos, apesar do quanto expresso no artigo 145, da CF/88, o que se verifica é que os tributos são classificados pela doutrina de diversas formas, em razão dos diferentes critérios utilizados para classificar as espécies tributárias. Para Hugo de Brito Machado, os tributos podem ser classificados quanto à espécie, quando à competência impositiva, quanto à vinculação estatal, quanto à função. (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 28ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 95).

Interessa ao presente estudo a classificação quanto à vinculação do aspecto material da hipótese de incidência a uma atividade estatal ou não. Nesse sentido, o tributo vinculado é aquele cujo aspecto material da hipótese de incidência retrata uma atuação estatal. Assim, basta que o Estado atue para que o contribuinte seja compelido a pagar. Nessa linha, Geraldo Ataliba ressalta que “examinando-se e comparando-se todas as legislações existentes – quanto à hipótese de incidência – verificamos que, em todos os casos, o seu aspecto material, das duas, uma: a) ou consiste numa atividade do poder público (ou numa repercussão desta) ou, pelo contrário, b) consiste num fato ou acontecimento inteiramente indiferente a qualquer atividade estatal. Esta verificação permite classificar todos os tributos, pois – segundo o aspecto material de sua hipótese de incidência consista ou não no desempenho de uma atividade estatal – em tributos vinculados e tributos não vinculados”. (ATALIBA, Geraldo.

diretamente referida ao contribuinte, não se pode erigir nas taxas, como critério informador desses tributos, uma circunstância absolutamente alheia a essa atuação estatal. Vale dizer, se, com a taxa, se pretende remunerar a atuação estatal, essa remuneração deve reportar-se ao custo da mesma, e não à capacidade contributiva do sujeito passivo, irrelevante para a hipótese de incidência ou para a graduação da taxa.

Tanto assim é que o sujeito passivo da taxa, seja rico ou pobre, pagará o tributo na mesma proporção, consoante o serviço público oferecido ou a atividade de polícia desencadeada.213

E ainda complementa a referida jurista seu entendimento com relação aos tributos vinculados:

(...) indiscutível que também as situações ensejadoras da obrigação de pagar tributos vinculados sejam presuntivas de riqueza, até porque inconcebível atuação estatal que não acarrete despesa. Ocorre que, conquanto sejam fatos de natureza econômica, a capacidade contributiva do sujeito destinatário dessa mesma atuação não é levada em consideração na instituição do tributo.214

Entendemos, no que tange à análise da aplicação ou não da capacidade contributiva, aos tributos vinculados, que adequado está o entendimento exposto pela autora pela aplicação tão somente aos impostos. E isso em razão da capacidade contributiva ser inerente ao contribuinte, como ocorre com os impostos e diferentemente do que se verifica nos tributos vinculados a uma atuação estatal, em que a remuneração reporta ao custo do serviço público prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição, e não pela capacidade contributiva do indivíduo.

Significa dizer que as taxas e contribuições não podem ser graduadas segundo a capacidade econômica dos contribuintes, uma vez que apesar de também retirarem recursos econômicos do contribuinte, o destino desses é para remunerar a atuação estatal. Assim, a base de cálculo não mensura um atributo do contribuinte, mas sim a atividade praticada ou posta à disposição pelo sujeito ativo.

Nesse sentido, Elizabeth Nazar Carrazza, ao analisar a aplicação do princípio da capacidade contributiva, aduz que o referido princípio está relacionado tão somente aos impostos. E elucida:

213 COSTA, Regina Helena. Princípio da Capacidade Contributiva.3ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003,

p. 57.

Em matéria de tributos vinculados (taxas e contribuições) o critério é outro, uma vez que os fatos que eles alcançam não são fatos-signos presuntivos de riqueza, mas, sim, fatos relacionados à própria atuação do Estado. As taxas e as contribuições incidem sobre fatos regidos pelo direito público, isto é, sobre atuações estatais (o Estado presta um serviço público, o Estado pratica um ato de polícia, o Estado realiza uma obra pública etc.). Tais atuações estatais estão por óbvio, fora do comércio (extra commercium) e não revelam a riqueza das pessoas por elas alcançadas. Nem por isso, porém, o princípio da igualdade deixa aí de ser atendido, uma vez que, em tais tributos, o Estado visa ressarcir-se das despesas que teve, ao atuar em favor de um dado contribuinte.215

No mesmo sentido da aplicação da capacidade contributiva somente aos impostos, Ricardo Lobo Torres atribui uma classificação qualitativa aos tributos. Para o referido autor:

Tributo contributivo é o que encontra a sua justificativa primordial na capacidade contributiva (= imposto); quando se basear no princípio do custo/benefício ou da equivalência, como acontece com as taxas e as contribuições, classificar-se-á como tributo comutativo ou retributivo.216 Desta forma, para os tributos vinculados a uma atuação estatal, há que se verificar seus respectivos princípios informadores e não a capacidade contributiva do indivíduo. A aplicabilidade do princípio da capacidade contributiva deve ser regra para os impostos (tributos não vinculados a uma atuação estatal).

A Constituição Federal assim definiu que os indivíduos que tenham capacidade econômica, devem contribuir com as despesas do Estado para abastecer os cofres públicos, na medida de sua capacidade contributiva, sem que haja prejuízo das necessidades de subsistência próprias e de sua família. Assim, o fundamento da capacidade contributiva é a aplicação justa da carga tributária, visando a redução das desigualdades sociais e a tão almejada harmonia fiscal.

215 CARRAZZA, Elizabeth Nazar. Progressividade e IPTU. 1ª edição – 3ª tiragem. Curitiba: Juruá Editora, 2000,

p. 63.

4 A PROGRESSIVIDADE NOS IMPOSTOS

Dadas as considerações a respeito dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, passará o presente estudo ao tema da progressividade e a sua aplicabilidade aos impostos.