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1 O SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO BRASILEIRO

3.6 A aplicação do princípio da capacidade contributiva

3.6.4 Proporcionalidade e a progressividade

A proporcionalidade prevê que o montante exigido deve ser proporcional à riqueza evidenciada em cada hipótese de incidência. O que se verifica na proporcionalidade é a aplicação de uma alíquota única sobre a matéria tributável variável, em que o imposto será proporcionalmente maior quanto maior for a matéria tributável, embora a alíquota permaneça sempre a mesma. As alíquotas proporcionais são iguais, ainda que haja alteração da base de cálculo.

Cabe destacar que a alíquota é o critério legal, normalmente expresso em porcentagem que, conjugado à base de cálculo, permite a verificação da quantia que o contribuinte deve pagar (quantum debeatur) ao Fisco ou a quem lhe faça as vezes, a título de tributo.

Nesse sentido, as lições de Geraldo Ataliba:

A alíquota é um termo do mandamento da norma tributária, mandamento esse que incide se e quando se consuma o fato imponível dando nascimento à obrigação tributária concreta. Deve receber a designação de alíquota só

esse termo que se consubstancia na fixação de um critério indicativo de uma parte, fração – sob a forma de percentual, ou outra – da base imponível.168

Verificamos que o tributo proporcional é aquele estabelecido em porcentagem única para todos os sujeitos passivos, sobre o valor da matéria tributável, aumentando o valor do imposto apenas em função da variação da base de cálculo. Nesta hipótese, o que se demonstra é que a diferença no montante a ser pago será detectada tão somente caso haja distinção na base de cálculo.

Concluímos, no entanto, que a proporcionalidade não basta, por si só, para atender a capacidade contributiva dos indivíduos na tributação, em razão de a aplicação de alíquotas meramente proporcionais acarretar no fato de que indivíduos com possibilidades de contribuir de forma diversa, acabarão por contribuir igualmente.

De forma a melhor entender a proporcionalidade, destacamos o seguinte exemplo genérico: o contribuinte “A” possui uma renda de R$ 20.000,00 e o contribuinte “B” uma renda de R$ 10.000,00. Aplicando-se uma alíquota de 5% sobre o ganho de cada um deles, o contribuinte “A” arcará com o pagamento de R$ 1.000,00 e o “B” com o valor de R$ 500,00.

É patente que o contribuinte “B”, no exemplo apresentado, arcará com o pagamento do imposto de forma mais prejudicial em questões econômicas do que o contribuinte “A”. Ora, a diferença do imposto recolhido seria de R$ 500,00, sendo que a diferença da renda é de R$ 10.000,00. Ou seja, os dois contribuintes arcarão com o pagamento igual do imposto, apesar da desigualdade patrimonial existente entre eles.

Limitar a aplicação da capacidade contributiva com base na proporcionalidade apenas atinge uma igualdade formal, em que contribuintes nas mesmas condições econômicas arcarão com o mesmo valor do imposto a ser repassado ao Estado.

Mas conforme verificado anteriormente no presente estudo, buscamos a aplicação da igualdade material como forma de alcançar a justiça fiscal, visto que por igualdade na lei entende-se a aplicação de tratamento isonômico àqueles que se encontram em situações iguais e de forma diferente aos desiguais, na medida de suas desigualdades.

Esta situação conduz, portanto, à aplicação de alíquotas diferenciadas em função da variação da base de cálculo169 do imposto. E isso se dará mediante a aplicação da

168 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª ed. 12ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores,

progressividade, de forma a realizar plenamente a capacidade contributiva. O princípio da capacidade contributiva somente será atendido se aplicada a progressividade; como no exemplo acima exposto, se o contribuinte “A” pagar R$ 3.000,00 e o “B” R$ 500,00, ou seja, na medida da manifestação de renda e patrimônio do contribuinte, fazendo com que este contribuinte apenas contribua com o pagamento do imposto na medida de suas possibilidades.

A progressividade nos impostos consiste no modo de o legislador estruturá-los, elevando as alíquotas à medida que aumenta a base de cálculo. Assim, ocorre a determinação de alíquotas diversas, crescentes, na medida em que aumenta a base de cálculo do imposto. Na progressividade existe a variação da matéria tributável, bem como a variação da alíquota, sendo que esta última será maior quanto maior for o valor da matéria tributável.

Nesse sentido, Luciano Amaro destaca de forma precisa seu entendimento a respeito do devido atendimento à capacidade contributiva:

A capacidade contributiva reclama mais do que isso [proporcionalidade], pois exige que se afira a justiça da incidência em cada situação isoladamente considerada, e não apenas a justiça relativa entre uma e outra das duas situações. O princípio da capacidade contributiva, conjugado com o da igualdade, direciona os impostos para a proporcionalidade, mas não se esgota nesta.170 (grifo do autor)

Procura-se, portanto, afastar a tributação meramente proporcional, uma vez que a tributação, nesta hipótese, será a mesma, independentemente da capacidade contributiva de cada contribuinte. Em termos numéricos, a tributação proporcional pode ser diferente, mas a carga de tributação quando ocorre a mera proporcionalidade, é, patentemente, a mesma.

O que se impõe é a necessidade de aplicação da progressividade de forma a atender a igualdade e, via de consequência, a capacidade contributiva, na medida em que permite a efetivação de uma tributação mais justa, considerando que os indivíduos arcarão com o pagamento dos tributos na medida da manifestação de sua riqueza. Assim, quanto mais 169 Base de cálculo é a expressão econômica da materialidade do tributo, estando relacionada com a hipótese de

incidência. Para Geraldo Ataliba “é uma perspectiva dimensível do aspecto material da h.i. que a lei qualifica, com a finalidade de fixar critério para a determinação, em cada obrigação tributária concreta, do quantum

debetur”. (ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª ed. 12ª tiragem. São Paulo: Malheiros

Editores, 2011, p. 108). Cumpre esclarecer que para Geraldo Ataliba a base imponível (determinação em razão de existirem tributos cuja determinação quantitativa independe de cálculo) integra o aspecto material da hipótese de incidência. De forma diversa, Paulo de Barros Carvalho trata a base de cálculo no critério quantitativo do consequente da regra-matriz de incidência tributária. (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito

Tributário. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 398). Mas ambos juristas concordam qur a tipologia dos tributos

está armada sobre o binômio hipótese de incidência/base de cálculo.

capacidade contributiva for manifestada pelo contribuinte, maior deverá ser progressivamente a tributação, a fim de que aqueles contribuintes em situações diferentes se sacrifiquem igualmente em prol do desenvolvimento social.

É nesse sentido que Héctor Villegas opina: “as modernas tendências, todavia, têm admitido progressividade sob o argumento de que ela contribui para a redistribuição da renda, com sentido igualitário”.171

O jurista Aliomar Baleeiro, comentando a Constituição de 1946, aduziu a esse respeito: “tributos graduados são os progressivos, ou seja, aqueles cuja alíquota cresce à medida que se eleva a quantidade ou o valor da coisa tributada, em contraste com a relação constante dos impostos simplesmente proporcionais”.172

Entendemos que a progressividade é a forma adequada de atingir a igualdade na tributação, sendo este o ideal do ordenamento jurídico positivo.

Contudo, nem todos assim entendem. João Paulo Fanucchi de Almeida Melo destaca: José Maurício Conti (1997, p. 76 e 77) anota que existem bons argumentos contra a utilização da progressividade no exercício do poder tributante, sendo certo de que a igualdade na tributação poderia ser alcançada facilmente por meio do exercício da proporcionalidade.

Como primeiro argumento, os que não coadunam com a progressividade, assinalam que essa técnica penaliza os mais eficientes, ou seja, aqueles que trabalham e produzem mais. Argumentam, ainda, que a progressividade pode desestimular o trabalho, os esforços, a criatividade, a ousadia de quem cria e produz mais.173

Não se pode admitir a mera proporcionalidade mediante a aplicação da mesma alíquota para todos os contribuintes, independentemente da respectiva capacidade econômica para contribuir com o pagamento do imposto. Quem tem mais paga mais, na medida da sua manifestação de riqueza.

Posicionamo-nos, portanto, no sentido de que a aplicação meramente proporcional da tributação não alcança a tão almejada capacidade contributiva dos indivíduos. Eventual tributação excessiva, onerando o contribuinte, será limitada pela não consfiscatoriedade, razão pela qual não há argumentos para se sustentar que a progressividade não deve ser aplicada.

171 VILLEGAS, Héctor B. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Editora RT, 1980, p. 92.

172 BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, 7ª edição rev. E compl. à luz da

Constituição de 1988 até a Emenda Constitucional nº 10/1996. Atualizadora Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro, Forense, 1997, p. 751.

173 MELO, João Paulo Fanucchi de Almeida. Princípio da Capacidade Contributiva: a sua aplicação nos casos

Conforme esclarece a ilustre jurista Elizabeth Nazar Carrazza “a progressividade, longe de ser danosa ao sistema, é a única forma encontrável para que se afastem as injustiças tributárias, vedadas pela Constituição Federal”.174

Por conseguinte, a progressividade de alíquotas é indispensável para que se atenda ao princípio da capacidade contributiva de forma adequada. Dessa forma, o contribuinte arcará com a tributação na medida de sua capacidade contributiva e de forma progressiva.

Assim, por qualquer prisma que se analise, a tributação meramente proporcional não é a mais adequada, tendo em vista que a desigualdade patrimonial existente entre os contribuintes exige a aplicação de alíquotas variáveis de acordo com a base de cálculo do imposto.

Na proporcionalidade cobra-se uma única alíquota de todos os contribuintes, independentemente da respectiva capacidade contributiva. Já na progressividade, ocorre uma majoração das alíquotas na medida em que aumenta a base de cálculo, ou seja, o quantum tributável. Em outros termos, deve prevalecer, sempre que possível, a progressividade nos impostos, em respeito à capacidade contributiva dos indivíduos, para que seja alcançada a almejada justiça fiscal.