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3 A UNIÃO EUROPEIA E AS RELAÇÕES INTER-REGIONAIS E O MERCOSUL

3.3 A aproximação da União Europeia com a América Latina

Como parte de sua estratégia para se tornar um ator global, a UE intensificou as relações com a América Latina, principalmente a partir de 1990, após o fim da Guerra Fria, com o surgimento de novos desafios nos âmbitos político e econômico. A aproximação das relações com a região foram igualmente impulsionadas: pela entrada de Portugal e da Espanha na Comunidade Europeia, em 1986 - países com os quais os países da AL possuem relações históricas e culturais -; pelas políticas de abertura econômica e processos de integração regional na AL - fomentadas pela instauração de regimes democráticos em quase todo o continente sul-americano, nos anos 1990 -; pela própria criação do Mercosul, em 1991; e pelo fortalecimento institucional da Comunidade Europeia com a ratificação do TUE, em 1993. 61

Pode-se dizer que anteriormente à década de 1990, as relações da UE com a América Latina estavam enquadradas numa estratégia de relacionamento com o Terceiro Mundo – notadamente com as ex-colônias Europeias -, baseadas em doações e na adoção de um regime de preferências generalizadas.62 A partir da

61 Como visto anteriormente, o TUE institucionalizou a política de cooperação para o desenvolvimento, no contexto do qual os novos acordos assinados entre a UE e os países da AL, quer sejam de cooperação ou de associação, passam a apresentar uma forte componente econômica - ver também Seção 3.1.1.

62 A União Europeia concede isenções ou reduções tarifárias para produtos originários, quer para países com os quais assinou acordos preferenciais, quer para os países em desenvolvimento, no âmbito do Sistema Geral de Preferências (SGP) - o benefício do SGP consiste na redução parcial ou total da tarifa de importação incidente sobre determinado produto originário e procedente de países em desenvolvimento. Dentre os acordos preferenciais, destaca-se a Convenção de Lomé IV, em vigor desde 1990, por meio da qual a Comunidade Europeia concede, entre outras vantagens, isenção tarifária a produtos agrícolas e industriais exportados pelos países ACP (África, Caribe e Pacífico). Posteriormente, a Convenção de Lomé foi substituída pelo acordo de parceria ACP – UE, denominado Acordo de Cotonou, assinado em 2000, pelo qual se prevê a extinção gradual do regime de preferências comerciais unilaterais concedidas pela UE aos países ACP, e sua

década de 1990, com o intensificado interesse da UE pela região, o posicionamento deste bloco frente à AL é alterado e as relações entre as duas regiões passam a se desenvolver tendo como alicerce principal os diálogos inter-regionais.

Esse diálogo foi inicialmente desenvolvido pela CPE, devido à sua conotação política, como já referido, mas com uma relação cada vez mais estreita com aspectos econômicos de interesse da UE. Nesse sentido, aponta Saraiva que:

Tratar-se-ia de um instrumento flexível que poderia tanto preceder quanto complementar relações econômicas levadas adiante pela Comissão Europeia; seria um meio conveniente de divulgar as posições políticas Europeias e de buscar convergência com parceiros externos; poderia ser útil para estratégias de médio e longo prazo de incentivo à cooperação regional e permitiria à UE afirmar a sua identidade coletiva (SARAIVA, 2004, apud: MONAR, 1987, p. 266-267).

3.3.1 A União Europeia e a América Latina na formação de um diálogo inter-

regional

De acordo com Saraiva (2004), o diálogo inter-regional é a base do inter-regionalismo europeu e uma ferramenta específica para o estreitamento de relações com parceiros externos, quer seja com um país ou com um grupo de países. Inclusive, atribui-se o desenvolvimento dos diálogos inter-regionais à UE, o que pode ser exemplificado pela argumentação de Grabendorff (1999) que pontua o pouco consenso quanto ao recente desenvolvimento das relações internacionais - se há uma evolução das relações bilaterais para multilaterais e, posteriormente, para relações inter-regionais - mas um expressivo consenso quanto as relações inter- regionais serem uma invenção europeia, ou melhor, da União Europeia, caracterizadas pela necessidade de harmonizar diferentes interesses, em cada região, entre seus países e setores.

substituição por acordos regionais ou individuais de livre comércio e a inserção destes no sistema multilateral de comércio. Disponível em: < http://www.abimaq.org.br/comercio_exterior/docs/UniaoEuropeia.pdf >. Acesso em: 28.1.2007.

O estabelecimento do diálogo inter-regional com a América Latina foi precedido por algumas iniciativas de aproximação entre as duas regiões que importa aqui referir, ainda que brevemente. Assim, os primeiros contatos oficiais entre a UE e a AL se desenvolveram na década de 1960, com a abertura em 1967, de um gabinete permanente da Comissão Europeia na América Latina e com diálogo institucional iniciado em 1974, entre os parlamentos europeu e latino-americano. Ainda neste ano, Brasil e Argentina, tendo ficado de fora do SGP adotado pela Europa frente aos países ACP, que concedia às ex-colônias na região facilidade de acesso ao seu mercado, negociaram cartas de intenções de cooperação com a UE, de forma a reduzir a desvantagem em relação a estes países, mas sem grandes resultados. Em 1976, novos esforços foram travados de forma a se estabelecer atividades bilaterais de cooperação financeira e tecnológica entre a Comunidade Europeia, o Brasil e a Argentina, tendo a Comunidade, no final da década de 1970 e durante os anos 1980, apenas assinado acordos bilaterais de cooperação com os países da região, sem a dimensão inter-regional.

As relações políticas entre as duas regiões somente tomariam forma, após o acirramento da guerra na Nicarágua, no início anos 80, quando a Comunidade Europeia decide apoiar o grupo de Contadora - Colômbia, México, Venezuela e Panamá -, consoante a sua estratégia de buscar soluções regionais, em conjunto com os países da região. Segundo Lohbauer (2000), tal estratégia se diferenciava da política externa adotada pelos EUA, durante o governo do Presidente Reagan (1981 – 1988), de contenção ao comunismo na AL, cujo cunho era puramente estratégico. Do ponto de vista da UE, os conflitos internacionais não eram apenas encarados sob uma perspectiva somente estratégica, mas na perspectiva de soluções que envolvessem a participação dos países latino- americanos, de forma a harmonizar os diferentes interesses na região.

O apoio da Comunidade Europeia ao grupo de Contadora, desde 1983, deu origem às reuniões ministeriais na Costa Rica, em São José, a partir de 1984, cujo objetivo, já referido, era o de buscar mecanismos internacionais para a resolução dos problemas de segurança na região. Neste ano, também se constituiu o grupo de apoio à Contadora (formado pela Argentina, Brasil, Peru e Uruguai) que, futuramente comporia o Grupo do Rio. Este grupo representou o embrião das relações inter-regionais entre as duas regiões. Foi, de fato, o primeiro fórum

político63 estabelecido entre a UE e a AL, no âmbito do qual seriam direcionadas as relações e estratégias entre ambos - de forma geral e por tópicos de interesse -, com o objetivo de promover a cooperação e a integração na AL, por meio do reforço à democracia à paz. As relações entre a União Europeia e este grupo foram formalizadas na Declaração de Roma, aprovada em 20.12.1990.

A criação do marco institucional do diálogo com a América Latina - e considerado o ponto alto desse diálogo - se deu por ocasião da Cúpula do Rio, acontecida em 1999, onde tomaram parte os presidentes e chefes de Estado e de governo da União Europeia e da América Latina e Caribe. Foi nessa Cúpula, por meio da declaração do Rio de Janeiro, que as autoridades supremas das duas regiões decidiram criar/estabelecer uma parceria estratégica biregional64 baseada em três princípios: (i) expressivo diálogo político; (ii) relações econômicas e financeiras baseadas na liberalização do comércio e fluxos de capital; (iii) cooperação em setores considerados relevantes, tais como educacional, social e cultural e do desenvolvimento científico e tecnológico.

A partir de então, mais quatro Cúpulas aconteceram (MADRID, 2002; GUADALAJARA, 2004; VIENA, 2006 e LIMA, 2008), participando destas os chefes de Governo dos países da América Latina, do Caribe e da União Europeia e o presidente da Comissão Europeia. Nessas Cúpulas, as características gerais da parceria estratégica - definidas na Declaração do Rio -, foram tomando forma, nos domínios político, econômico e de cooperação - características dos acordos firmados pela UE no âmbito do Novo Regionalismo, como visto no Capítulo 2 -,65 e se materializaram por meio do estabelecimento de acordos específicos.

Dessa forma, a partir de 1990, a estrutura das relações entre a UE e a América Latina pode ser caracterizada: (i) por meio dos diálogos inter-regionais - ou biregionais -, tendo como principais fóruns políticos: o Grupo do Rio66 e as Cúpulas

63 Realizado entre os ministros de Negócios Estrangeiros da UE e da AL e do Caribe.

64 Nessa parceria estratégica participam 58 países: 33 países da América Latina e do Caribe e todos os Estados- membros da UE. “Não existe no mundo nenhum outro projeto comum desta natureza, com tão grande alcance e que abrange praticamente um terço dos membros das Nações Unidas.” (Discurso do senador da República do Chile Carlos Ominami, por ocasião da XVII Conferência Inter-parlamentar União Europeia – América Latina e Caribe, acontecida em Lima, Peru, de 14 a 17 de junho de 2005).

65 Disponível em: < http://ec.europa.eu/comm/external_relations/la/index.htm>. Acesso em: 22 fev. 2007. 66

Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México, Panamá, Paraguai, Peru, Venezuela, Uruguai e um representante da Comunidade do Caribe (CARICOM).

entre a UE e a AL (no âmbito da parceria estratégica com esta região); (ii) ou por meio dos diálogos especializados: UE – Mercosul, UE - América Central, UE - Comunidade Andina (CAN), UE – México, UE - Chile, nos quais os três primeiros são diálogos de âmbito subregional e dois últimos de âmbito bilateral.

O adensamento das relações entre UE e AL, a partir de 1990, se beneficiou do impulso vivido pelo inter-regionalismo europeu, na perspectiva do qual a integração regional passa a estar cada vez mais vinculada ao liberalismo e à globalização econômica. Nesse sentido, embora a AL continuasse a não representar uma área prioritária para a UE, esta passou a instituir novos diálogos na região - e a manter os anteriores -, dentre os quais se destacam as relações com o Mercosul, de forma a manter a sua presença no continente (SARAIVA, 2004).