• Nenhum resultado encontrado

5 INVESTIMENTO DIRETO ESTRANGEIRO: UE – MERCOSUL – 1991

5.3 Evolução e características do IDE da UE para o MERCOSUL

5.3.1 Os investimentos Ibéricos no Mercosul

5.3.1.1 O IDE espanhol no Mercosul – características gerais

Algumas das razões que levaram à expansão das empresas espanholas na América Latina e países do Mercosul são as mesmas identificadas anteriormente como razões para o incremento do IDE no Mercosul, tais como as políticas de liberalização e desregulamentação. No caso dos países do Mercosul, estas políticas foram implementadas na sequência da adoção das medidas do Consenso de Washington. No caso da Espanha, tais políticas foram adotadas em consequência, principalmente, da adesão deste país à Comunidade Européia, em 1986.

A adesão à Comunidade Europeia obrigava à ordem democrática163 e à adoção de reformas liberais, entre as quais, privatização, desregulamentação e liberalização do mercado, que acabaram por fortalecer, principalmente, o sistema financeiro local e sua fusão com o setor produtivo privado ou estatal/privado, consolidando, assim, os grandes grupos espanhóis que viriam, a seguir, iniciar seu expressivo processo de internacionalização, por meio da América Latina, e mais especificamente, Brasil e Argentina, no âmbito do Mercosul (SOUZA, 2007).

Ademais, a entrada em vigor do Mercado Único Europeu, a partir de 1993, foi um fator determinante na reestruturação do setor bancário espanhol, que implicou a eliminação de barreiras à livre-circulação de capitais entre os Estados- membros e a liberdade para estabelecer e prestar serviços financeiros, desencadeando um processo de concentração interno dos bancos espanhóis, representando cerca de metade do sistema financeiro espanhol. Em 1988, iniciaram- se os principais processos de concentração bancária, com a fusão dos bancos Bilbao e Viscaya, dando origem ao banco Bilbao y Viscaya (BBV) e, em 1991, com a fusão dos bancos Central e Hispanoamericano, dando origem ao Banco Central Hispano (BCH) (COSTA, 1999, p.292).

163 Assim como atualmente a mesma ordem democrática e o respeito aos Direitos Humanos é cláusula obrigatória de cumprimento nos acordos assinados entre a Comissão Europeia e os demais países do mundo ou blocos regionais - como visto no Capítulo 4.

De fato, o processo de internacionalização das empresas espanholas para os diversos países da AL se deu a partir do que é conhecido como “núcleo duro” da economia espanhola, constituído notadamente por dois grandes grupos financeiros privados: o BSCH (Banco Santander Central Hispano) e o BBVA (Banco Bilbao Viscaya Argentaria)164 e caixas de poupança de capitais públicos, principalmente La Caixa de Catalunha e a Caixa de Madrid.

Segundo Costa (1999), uma das preocupações centrais do governo espanhol no processo de privatizações foi a formação de núcleos duros, envolvendo os principais grupos bancários privados e as grandes empresas então privatizadas, com o intuito de manter no país o controle dos setores estratégicos da economia – as telecomunicações, a energia (eletricidade, petróleo e gás) e o setor bancário. As privatizações na Espanha originaram a formação de redes de empresas, nas quais os principais grupos bancários espanhóis tiveram um papel fundamental, adquirindo e articulando participações em várias empresas não-financeiras (COSTA, 1999, p.290).

No esgotamento do processo de privatizações da própria Espanha, estes grupos financeiros, já consolidados - com participação em vários setores da economia espanhola, como eletricidade, gás natural, petróleo e telecomunicações -, dão início à estratégia de internacionalização para a América Latina, a partir de 1990, liderando o processo de penetração dos bancos estrangeiros no mercado financeiro da região que, por sua vez, também haviam se liberalizado.

Nesse sentido, os grupos bancários espanhóis seguem uma estratégia de aquisições e parcerias com entidades bancárias locais na AL, com o objetivo de penetrar no maior número de mercados possível. A Tabela 8 demonstra a diversificada participação dos bancos BBVA e BSCH nos países da AL e no Mercosul.165

164 O BSCH é produto da fusão, em 1999, dos bancos Santander e Central Hispano (BCH) e o BBVA é produto da fusão, também em 1999, entre o Banco Bilbao y Viscaya (BBV) e a Corporación Bancária de España (Argentaria).

Tabela 8. A banca espanhola: presença e expansão na América Latina Banco Santander Central Hispano (BSCH)

Banco Santander Banco Central

Hispano

Banco BibbaoViscaya Argentaria (BBVA)

Banco Rio de la Plata (51%, 1997) Banco Tornquist (100%, 1996) BBV Banco Francês (60%, 1996) Argentina - Banco de Galícia y Buenos (10%, 1998)

Corp. Banca Argentina (100%, 1999)

Bolívia - Banco Santa Cruz

(90%, 1998)

-

Banco Santander Brasil (100%, 1997)

- BBV Brasil (100%, 1998) Brasil

Banco Noroeste (76%, 1998) - -

Chile Banco Santander Chile (86%, 1960) Banco Santiago (44%, 1991)

BBV Banco BHIF (55%, 1998)

Colômbia Banco Santander Colômbia (60%, 1997)

- Banco Ganadero (63%, 1996)

México Banco Santander Mexicano (71%, 1996)

Grupo Financeiro Bital (8%, 1996)

BBV México (67%, 1995)

Paraguai - Banco de Asunción (85%,

1996)

- Peru Banco Santander Perú (100%, 1995) Banco Del Sul (90%,

1996)

Banco Continental (39%, 1995)

Uruguai Banco Santander Uruguai (100%, 1990)

- Banco Francês (58%, 1995)

Venezuela Banco de Venezuela (98%, 1997) - Banco Provincial (51%, 1997)

Fonte: Costa, 1999.166

Destaca-se que o investimento espanhol na América Latina pode ser verificado desde no fim da década de 1970. Contudo, é a partir da década de 1990 que a região passa a ser o principal destino do IDE espanhol no exterior, chegando a representar, em 1998, 72% do total desse investimento – compondo para esta expressiva porcentagem os investimentos dos bancos espanhóis, os já referidos bancos BSCH e BBVA, e outras empresas espanholas, tais como: Telefónica, Endesa, Iberdrola e Repsol (COSTA, 1999).

166

Trata-se aqui da exposição do quadro de Costa, 1999. Note-se que a compra do Banespa, em 2000, pelo BSCH, não está referida neste quadro, mas será destacada mais adiante nesta Seção.

Os bancos espanhóis adotaram, igualmente, uma estratégia de diversificação de seus investimentos, com participações nos seguros, bancos de investimento e na gestão de fundos de pensões. Em 1999, o BSCH e o BBVA controlavam em torno de 45% do mercado de fundos de pensões privados na AL e, igualmente, possuíam participações em empresas nos setores de energia e telecomunicações, associando-se a projetos de internacionalização liderados por empresas espanholas (FIGUEIREDO, 2005).

O Gráfico 4 permite observar a evolução do IDE espanhol para os países do Mercosul e, a exemplo de outros gráficos anteriormente expostos, observa-se igualmente um pico de investimentos para Argentina e Brasil nos anos de 1999 e 2000.

Gráfico 4. IDE origem Espanha para o Mercosul e seus países-membros (Em milhões de dólares)

Fonte: Unctad WID (elaboração da autora)

O pico do IDE espanhol, em 1999, para a Argentina representou quase que a totalidade do investimento da UE, no ano. O ano de 1999 foi o único ano que a Argentina recebeu maior fluxo de IDE, proveniente da UE, do que o Brasil.167 Esse pico do IDE espanhol para a Argentina explica-se, em grande medida, por uma única

167 O pontapé inicial dessa nova onda de investimento espanhol na Argentina se deu em 1990 com a privatização da ENTEL (empresa estatal argentina de telefones) sendo esta comprada pela empresa Telefônica da Espanha. Esta mesma empresa igualmente participou do processo de privatizações no Brasil adquirindo a Telesp Celular, em 1998. -5.000 0 5.000 10.000 15.000 20.000 25.000 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Brasil Argentina Paraguai Uruguai Mercosul

operação que foi a aquisição, por parte da empresa espanhola Repsol, da empresa petrolífera argentina, Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPF).

O pico do IDE espanhol, em 2000, para o Brasil, é caracterizado, principalmente pela compra do Banespa - Banco do Estado de São Paulo -, pelo BSCH - por ocasião do processo de privatização daquele banco -, passando a constituir-se, o banco espanhol, no terceiro maior grupo bancário privado no Brasil, em 2000. Ocorreram ainda outras operações de privatização no Brasil envolvendo empresas espanholas, tais como: a aquisição da Companhia Energética de Pernambuco (CELPE), pela Iberdrola, e a aquisição de distribuidoras de gás, em São Paulo, pela Gás Natural, do grupo Repsol.

Contudo, a partir de 2000, há um declínio do IDE espanhol para os países da AL e do Mercosul168 devido a fatores já citados, entre os quais: (i) instabilidade macroeconômica no Mercosul, causada pela desvalorização do Real, em 1999, e pela crise Argentina, em 2001; (ii) redução dos níveis de IDE em nível global, após o pico verificado em 2000; (iii) abrandamento do processo de privatizações nos países da AL; (iv) opção das empresas espanholas de reforçar os laços empresariais com Ásia/Pacífico, principalmente com a China, que passou a ser considerada o destino mais promissor para as empresas espanholas169; (iv) redirecionamento dos investimentos espanhóis, principalmente no que se refere ao setor bancário, para outros países da Zona Euro. Inclusive, no que se refere especificamente aos bancos BBVA e BSCH, o primeiro banco, após a crise de 1999, revela uma nova estratégia de expansão internacional visando, principalmente, o mercado financeiro europeu. O mesmo acontece com o BSCH que, a partir de 1999, reduz as suas posições de risco neste mercado, voltando-se igualmente para o mercado financeiro europeu.

A redução do IDE espanhol para o Mercosul é acompanhada da redução do IDE da UE para este bloco, como não se podia deixar de esperar, dada a representatividade do IDE espanhol na composição do IDE da UE para o Mercosul. No que se refere à Espanha (e a UE), pode-se observar, a partir do fim de

168 Houve, inclusive, um processo de desinvestimento na Argentina, como anteriormente visto (antecedido igualmente por um desinvestimento por parte de Portugal).

169

Em 2000, a Espanha investia na China 35.748.000 euros e em 2004 esse investimento quase que duplicou passando para a cifra de 62.758.600 euros (MATEO, 2006).

2003, uma recuperação do investimento proveniente daquele país para os países do Mercosul, notadamente para o Brasil e a Argentina. Segundo relatório da CEPAL (2006), a partir deste período, a Espanha se mantém como maior investidor mundial na Argentina e conserva a liderança de investidor europeu no Brasil - dado os EUA serem o maior investidor neste país.170

De acordo com Ramón Sánchez Díez, o Brasil é identificado, pelas empresas espanholas, como um mercado prioritário para o desenvolvimento de negócios. Segundo Sánchez Díez, o crescimento da economia brasileira e a existência de um mercado consumidor ainda por explorar, motivam o ingresso de novos investidores no Brasil, além de estimular a expansão das corporações já existentes no país.171

Entretanto, para atrair ainda mais a atenção dos investidores externos, como outrora, o Mercosul deve ultrapassar variados obstáculos. Se num primeiro momento de existência do Mercosul a sinalização de um amplo mercado consumidor foi suficiente para atrair investimentos externos, principalmente da Europa, em momento posterior - com o crescimento da China, entre outros fatores já citados -, o Mercosul parece ter que seduzir os investidores externos com outros atrativos, para além do fato de representar um grande mercado interno e ser abundante em matérias-primas.