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4 AS RELAÇÕES ENTRE A UNIÃO EUROPEIA E O MERCOSUL NO ÂMBITO DOS ACORDOS, EM VIGOR E EM NEGOCIAÇÃO ÂMBITO DOS ACORDOS, EM VIGOR E EM NEGOCIAÇÃO

4.2 As negociações para o estabelecimento do futuro Acordo de Associação

4.2.1 Fatores que dificultaram o fechamento do Acordo de Associação

Desde quando começaram as negociações para o Acordo de Associação, em 2000, estas tiveram uma posição de destaque, tanto na agenda externa do Mercosul quanto na agenda externa da UE. A partir daquele ano, até 2004, as negociações seguiram a ritmo relativamente acelerado e despertaram considerável interesse, não só no âmbito diplomático, mas também no âmbito da iniciativa privada, ou seja, do empresariado - como se verá na Seção seguinte.

Uma das primeiras dificuldades das negociações, pode ser atribuída ao seu contexto inicial, marcado por uma das mais graves crises econômicas e políticas do Mercosul, cujas origens estão relacionadas com outras crises internacionais -

como a crise Asiática, em 1997, e a moratória Russa, em 1998 -, que acabaram por afetar os países-membros do Mercosul.95

Não obstante esse cenário com potencial pouco favorável para negociações de acordos externos, este não foi fator impeditivo para o início das negociações entre a UE e o Mercosul. Ademais, com o fracasso da Rodada Seattle, em 1999, as negociações UE–Mercosul acabaram por tomar um novo impulso, conforme Bonomo (2006, p. 45, apud: CHAIRE MERCOSUR, 2000, p.66).

E aqui se relembra a argumentação de Baldwin (2008), apresentada no Capítulo 2, que, ao analisar os motivos sobre a proliferação dos AIRs, destaca a morosidade na conclusão das negociações multilaterais do comércio como um impulso aos próprios AIRs - tornando-se estes como uma segunda opção em relação a tais rodadas. Por outro lado, como será visto ainda neste Capítulo, a Rodada Doha teve um efeito paralisante nas negociações entre os dois blocos.

Ademais, dado a morosidade no avanço das negociações para a ALCA, o Acordo entre a UE e o Mercosul apresentava-se como a melhor oportunidade para ampliar o comércio da região e ganhar competitividade. Acreditava-se, inclusive, que as negociações com a UE poderiam ser mais fáceis do que as negociações para a ALCA, o que não necessariamente se confirmaria ao longo do tempo. Assim sendo, as negociações tiveram o seu início e, de uma forma geral, durante os 3 anos de trocas de ofertas, foram marcadas por uma insatisfação recíproca.

95 Em decorrência de tal crise, em Janeiro de 1999, o Brasil abandonou o seu regime de câmbio flutuante - como será visto no Capítulo 6 -, e o primeiro país a sofrer as consequências desta ação foi a Argentina, cujo maior parceiro comercial era o Brasil. A desvalorização da moeda brasileira deu início a sucessivas crises com a Argentina, que, temendo o aumento desenfreado da entrada de produtos brasileiros em seu mercado, levantou novamente barreiras comerciais com o Brasil, dando início a vários conflitos entre ambos, principalmente no setor industrial, o que acabaria por se refletir nas negociações entre UE e Mercosul. A crise no Mercosul se agravou ainda mais com a crise Argentina, em 2001, e praticamente congelou o processo de integração do bloco. Ademais, o ano de 2001 foi marcado por intensa falta de confiança na solvência da economia Argentina, principalmente por parte do setor financeiro. Para uma análise da crise argentina cf. BERNAL- MEZA, Raul. La Crises Del Desarollo y de su inserción Internacional, Europa América Latina – Análises

I Informaciones, nº 1, Argentina: Konrad Adenauer Stiftung/PEE-URFJ, maio, 2001.Apud: LOHBAUER,

Do lado do Mercosul, a insatisfação se deu em relação às ofertas agrícolas da UE, sujeitas a cotas tarifárias96 - escalonadas no tempo, por um período de 10 anos -, e pelo fato de os subsídios às exportações de produtos agrícolas da UE - no âmbito da Política Agrícola Comum (PAC) - terem ficado de fora das negociações. Do ponto de vista da UE, a insatisfação se deu com as ofertas do Mercosul, no que se refere aos produtos industriais e a falta de oferta em compras governamentais - relevante destacar que este tema se tornou, no final das negociações, uma das áreas mais problemáticas. Igualmente, a oferta do Mercosul quanto aos serviços continuava a ser considerada como insatisfatória por parte da UE, ficando as discussões focadas nos setores de telecomunicações e serviços financeiros (PORTO e FLÔRES, 2006, p.319). Ressalta-se que a UE propunha a liberalização total neste setor - com exceção dos produtos audiovisuais -, e a remoção de todos os obstáculos ao comércio em áreas como telecomunicações transporte marítimo internacional e serviços financeiros (SAVINI, 2001).

Outra dificuldade das negociações se refere à falta de consenso quanto aos métodos e modalidades para o estabelecimento do Acordo. Por exemplo, a UE pretendia adotar um cronograma de desgravação tarifária único, enquanto que no entendimento do Mercosul, cada bloco realizaria a desgravação tarifária consoante o cronograma da própria oferta de bens. Nesse sentido, o Mercosul pretendia garantir um tratamento especial e diferenciado, com o argumento de que seria necessário ter em consideração as diferenças econômicas entre os dois blocos.

Apesar da permanente insatisfação de ambos os lados e suas respectivas dificuldades, pode-se dizer que 2004 foi o ano mais próspero das negociações, considerado como o ano em que “quase” houve o fechamento do Acordo.

96 De acordo com esse sistema, os produtos agrícolas (considerados como sensíveis) estariam sujeitos a uma cota para exportação, a partir da qual a tarifa aprlicada passa a ser extremamente elevada (Tarifas contingenciais ou TRQs).

Segundo João Pacheco, atual chefe da Delegação da Comissão Europeia no Brasil e participante das negociações,97 em 2004, o Mercosul e a UE estiveram muito próximos do fechamento do Acordo.98 Inclusive, até este ano havia sido feito um trabalho técnico intenso, faltando fechar a negociação em alguns pontos na área política e, principalmente, na área comercial, notadamente no que se refere à qualidade da oferta agrícola por parte da UE, e da oferta industrial e de serviços por parte do Mercosul.

De acordo com um alto funcionário da Comissão Européia, antes da reunião ministerial em Lisboa, quando as ofertas seriam formalmente apresentadas, houve um acordo - de cavalheiros -, entre ambas as partes de que elas fariam uma oferta melhorada. Contudo, o Mercosul recuou na área industrial - mais especificamente a Argentina se opôs à abertura comercial, principalmente o setor automotivo99 e tal recuo representou um “balde de água fria” para a UE.

De fato, havia uma preocupação do setor privado industrial argentino, notadamente do setor automotivo, que temia a instalação das grandes montadoras automobilísticas no Brasil, caso o Acordo fosse fechado. Essa preocupação foi refletida nas negociações por parte do Mercosul, que limitou a abertura do referido setor, por pressão da Argentina, em grau superior às expectativas Européias. Essa análise é igualmente feita por Lúcia Maduro, analisa da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), organização representativa dos interesses industriais, que ressaltou o temor da Argentina em relação a uma possível concentração das grandes montadoras no Brasil, colocando, assim, vários obstáculos para a liberalização das trocas nesse setor.100

Por outro lado, a “decepção” do Mercosul era representada pela insatisfação deste com a oferta agrícola da UE, principalmente no que se refere ao foco desta no estabelecimento de cotas para importação de produtos agrícolas considerados “sensíveis”, os quais, como já referido, representam os produtos de

97 Em 2004, João Pacheco ocupava o cargo de diretor da divisão Negócios Internacionais II, em particular o Alargamento da UE da Direção-Geral de Agricultura (DG AGRI) da Comissão Europeia e no exercício dessa função coordenou uma rodada de negociações agrícolas com o Mercosul.

98 Entrevista realizada pela autora em 2008.

99 No Brasil, o setor automotivo se manifestou a favor do acordo, demonstrando, portanto, a divergência de opiniões dentro do próprio Mercosul.

maior interesse para o Mercosul - tais como: carne, carne de porco, aves, frutas processadas (geléias e compotas), grãos, açúcar, laticínios, etanol, fumo, hortigranjeiros, bananas, entre outros. Ademais, além da questão das cotas para produtos agrícolas, o Mercosul recebeu com insatisfação a nova condicionalidade incluída pela UE nas últimas negociações, conhecido como enfoque dos “dois passos” (two-steps approach), que previa, primeiramente, o fechamento de um acordo “light”, deixando o segundo passo para ser dado após as conclusões da Rodada Doha. Sobre essa nova condicionalidade, a UE entendia que dispunha de um “único bolso” (single pocket) para negociar tanto no âmbito regional como no âmbito multilateral, significando, portanto, que sua proposta agrícola, no âmbito das negociações com o Mercosul, estaria sujeita às conclusões da Rodada Doha (BONOMO, 2006).

Aliás, como já referido, a Rodada Doha teve um efeito paralisante nas negociações. Isso porque as questões consideradas como sensíveis entre os dois blocos, tais como, concessões tarifárias no setor industrial, de serviços e agrícola, são igualmente negociadas, em nível multilateral, ou seja, no âmbito da Rodada Doha. Dado que esta rodada ainda não foi concluída, ambos os blocos ficaram limitados quanto às suas concessões, à espera de sua conclusão e resultados. Assim, tal rodada passou a ter prioridade na agenda comercial dos dois blocos em questão, colocando as negociações entre a UE e o Mercosul em plano secundário.

Após 2004, não houve trocas de ofertas entre a UE e o Mercosul. Entretanto, ainda que as negociações não tenham sido retomadas, a intenção de se fechar o Acordo não foi totalmente abandonada. Por exemplo, em 2006, houve uma tentativa de relançar as negociações, inclusive com uma nova reunião do Fórum Empresarial Mercosul – UE (MEBF), em Buenos Aires, com a proposta de desvincular o fechamento do Acordo da Rodada Doha. Igualmente, em declaração conjunta assinada por Brasil e UE, por ocasião da II Reunião de Cúpula entre o Brasil e a UE, acontecida em dezembro de 2008 - no âmbito da parceria estratégica assinada entre ambos -, foi referida a disposição de se retomar as negociações

entre a UE e o Mercosul.101 Contudo, até o momento de conclusão deste estudo, as mesmas não haviam sido retomadas.