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3 A UNIÃO EUROPEIA E AS RELAÇÕES INTER-REGIONAIS E O MERCOSUL

3.4 Algumas características do Mercosul em relação à UE

Após apresentar a evolução das relações entre a UE e a América Latina, no contexto das quais se enquadram as relações com o Mercosul, será relevante destacar aqui algumas características desse bloco regional, principalmente no que se refere à sua estrutura, grau de institucionalização e contexto histórico de criação - e aqui o referencial será a própria UE -, de forma a melhor se compreender e contextualizar as relações entre ambos.

Entender a estrutura da política externa da UE, bem como perceber que tipo de poder esta pretende, frente aos países terceiros, fez-se necessário, pois foi por iniciativa deste bloco que as relações com o Mercosul acabaram por ser formalizadas, por meio do Acordo-Quadro Inter-Regional de Cooperação. Igualmente, foi neste modelo de integração econômica que o Mercosul se inspirou, desde o seu início, tendo, inclusive, o apoio da própria UE para o seu desenvolvimento - como discutido quanto ao “Poder Transformador” da UE.

Com efeito, segundo Giordano (2003), o Mercosul e a UE compartilham visões similares sobre o processo de integração - embora haja muitas diferenças entre ambos, como se verá logo a seguir. De acordo com o documento BID-Intal (2004/2005), o Acordo de Associação em negociação reflete, igualmente, a convergência entre os blocos sobre uma visão multipolar do mundo e o regionalismo como uma ferramenta para melhor inserção internacional dos seus países-membros (BID-INTAL, 2004/2005).

Do ponto de vista do Mercosul, o então presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou que este bloco pretendeu, à exemplo da UE, desenvolver um modelo de integração diversificado, buscando não apenas consolidar-se internamente como bloco regional, capaz de competir eficazmente em nível global, mas, ao mesmo tempo, ampliar seu relacionamento externo, adquirindo relevância cada vez maior no cenário internacional (CARDOSO E SOARES, 1998).

Contudo, há diferenças expressivas entre os dois blocos que importa referir, para melhor entender e contextualizar as relações entre ambos e, ainda, para melhor perceber as limitações/empecilhos para a conclusão de uma área de livre comércio entre a UE e o Mercosul - discutido nos Capítulos 4 e 6.

Uma das diferenças mais relevantes refere-se aos diferentes estágios em que se encontram ambos os processos de integração, segundo os diferentes níveis dos AIRs apresentados no ponto 2.2.1, do Capítulo 2. De acordo com a divisão apresentada, a UE se encontra no último estágio do processo de integração, ou seja, já cumpriu os estágios de UA e Mercado Interno, possuindo ainda a harmonização de várias políticas e com delegação de poderes a instituições supranacionais no âmbito comunitário - relembra-se aqui que no âmbito da PESC, por exemplo, não há delegação de poderes, sendo as decisões de caráter intergovernamental. No caso do Mercosul, sua estrutura é mais simplificada - não há delegação de poderes a instituições supranacionais -, permanecendo o bloco ainda no estágio de uma união aduaneira – imperfeita - pois, entre outros motivos, seus países-membros continuam apresentando exceções à Tarifa Externa Comum (TEC).

Desde a entrada em vigor da TEC, em 1995, bens de capital, de informática e de telecomunicações foram tratados como grupos de exceção. Além

disso, cada país-membro pode apresentar listas nacionais de exceções para produtos sensíveis. Igualmente, os regimes automotivos domésticos foram preservados e, ainda, vários acordos binacionais de preferência tarifária entre países-membros do Mercosul e outros países da América Latina, negociados no âmbito da ALADI foram mantidos. Além das exceções à TEC, decorrentes de fatores estruturais, surgiram novas perfurações a esta, adotadas, muitas vezes, unilateralmente pelos seus países-membros, principalmente, após a crise enfrentada pelo bloco, a partir de 1999 (BID – INTAL, 2004).

Além disso, o Mercosul realiza a dupla cobrança da TEC67, o que efetivamente representa um empecilho no avanço para as negociações do Acordo de Livre Comércio com a UE, como será melhor explorado no Capítulo 4. Conforme documento apresentado na conferência “Mercosul: em busca de uma nova agenda”, realizada em 2003, no Rio de Janeiro, do ponto de vista político, será difícil alcançar uma completa uniformidade da tarifa externa no Mercosul, em curto prazo, tanto por oposição de alguns setores importantes nos dois maiores países do bloco - como o automotivo, por exemplo -, como pelo papel que desempenhou a disparidade nas tarifas externas nos países menores.68

Destaca-se ainda que, segundo o documento citado, os países- membros do Mercosul têm perspectivas diferentes sobre a forma de como projetar- se no cenário mundial e isso leva a um expressivo problema político no bloco: os países-membros do Mercosul não cumpriram com o que estava inicialmente estabelecido no acordo, porque suas agendas nacionais prevaleceram sobre o projeto regional, o que implicou no baixo desenvolvimento institucional do bloco - o que poderá sinalizar que a UE e o Mercosul talvez não compartilhem visões (tão) similares quanto ao processo de integração, como argumentou Giordano (2003).

Do ponto de vista de Rios (2003), a deterioração da credibilidade interna e externa do Mercosul resulta das posições adotadas por seus países-

67 A dupla cobrança da TEC significa que os bens que não cumprem com a origem Mercosul (ou porque apesar de produzidos neste bloco não satisfazem os requisitos do regime de origem ou porque são importados extrazona) devem pagar novamente a TEC ao cruzar outra fronteira nacional dentro do bloco.

Disponível em: < http://www.iadb.org/intal/publicaciones.asp>. Acesso em: 20.1.2009.

68 CRAWLEY, Andrew. Mercosur: en busca de uma nueva agenda. Revista Integración y Comercio. Intal – Instituto para la Integración de America Latina y el Caribe. Março, 2004. Disponível em:< http://www.iadb.org/intal/publicaciones.asp >. Acesso em: 27.11.2008.

membros, frente às conjunturas internas e internacionais desfavoráveis, desde a crise de 1999. A autora destaca que o excesso de flexibilidade para acomodar as diferenças entre os países-membros do Mercosul, a falta de vontade para o aprofundamento do processo de integração do bloco e a ausência de uma visão comum sobre o papel do Mercosul frente à estratégia de desenvolvimento dos seus países-membros têm contribuído para a distorção do projeto original. Nas raízes dessa evolução estão as divergências nas políticas macroeconômicas do Brasil e da Argentina, a falta de instrumentos para lidar com as diferenças de tamanho das economias dos seus países-membros, bem como para integrar as estruturas produtivas assimétricas destes países.

Ademais, não parece haver vontade política, principalmente por parte do maior país do Mercosul - o Brasil -, em adotar a supranacionalidade no bloco. E neste ponto encontra-se outra diferença relevante, do ponto de vista institucional, entre a UE e o Mercosul, quanto a questão da supranacionalidade e intergovernabilidade. Isso quer dizer que, enquanto a Comunidade Europeia/UE se pauta pela supranacionalidade, peculiar do Direito Comunitário, o Mercosul se pauta pela intergovernabilidade, baseada no Direito Internacional Público. Dito de uma forma simplificada, os Estados-membros da UE delegam poder às suas instituições - no âmbito do Pilar Comunitário -, que passam a representar os próprios EMs, como visto anteriormente.69 No caso do Mercosul, não há o grau de institucionalização que há na UE e os seus países-membros, ao contrário dos EMs da UE, preservam a sua soberania, não delegando esta a nenhuma instituição supranacional - em nenhum aspecto.70

69

Delegam poder em determinados aspectos - ver Seção 3.1 que referencia os três pilares da UE.

Embora sejam muitos os problemas enfrentados pelo Mercosul e, inclusive, pairem dúvidas sobre a sua “sobrevivência” , vale a pena sinalizar que, em termos de política externa brasileira - destaca-se aqui, o Brasil pelo seu papel de peso neste acordo -, o Mercosul continua sendo um tema prioritário na agenda:

O Mercosul constitui, desde o governo Sarney, uma das mais importantes prioridades da diplomacia brasileira, o que foi confirmado seguidamente desde então. Ele era visto pela administração de Fernando Henrique Cardoso como uma base possível para a integração econômica da região com o mundo e conducente ao fortalecimento das relações econômicas na região e fora dela. Para o Presidente Lula da Silva, o Mercosul constitui, manifestamente, a prioridade mais importante da diplomacia brasileira (ALMEIDA, 2004).