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1 O FENÔMENO DA GLOBALIZAÇÃO: DISCUSSÃO TEÓRICO CONCEITUAL E IMPACTOS NAS RELAÇÕES ECONÔMICAS

1.2 A Globalização Econômica e as Empresas Multinacionais

1.2.1 Globalização econômica – possíveis causas e consequências

1.2.1.1 Possíveis causas

Para Sideri (1996), as causas imediatas da globalização econômica são: (i) reorganização espacial da produção; (ii) comércio internacional e (iii) integração do mercado financeiro.18

Em relação à reorganização espacial da produção e reforçando a opinião daquele autor, Oman (1994) apresenta um contributo importante para a caracterização do fenômeno, apresentando o que ele denomina de “produção flexível”. Para este autor, enquanto a desregulamentação governamental, o advento e difusão das novas tecnologias de informação e a globalização dos mercados financeiros tiveram um papel fundamental no processo de globalização desde os anos 1970, a força impulsionadora da globalização, na década de 1990, refere-se à difusão do que ele denomina “produção flexível”. Segundo o autor, este novo tipo de produção (post-fordist) envolve mudanças em toda a cadeia de valor, desde a concepção do produto, passando pela engenharia, marketing e distribuição, assim como na reorganização interna das firmas e suas relações com os fornecedores. Segundo Oman, essa “nova forma” de produção contribui para o “redesenhar” da cadeia de valor das empresas, no mundo globalizado, na medida em que estas procuram estar próximas dos seus fornecedores.

Igualmente para Sideri (1996) a segmentação do processo de produção em múltiplas e parciais operações, combinada com o desenvolvimento das redes de transporte e comunicações, tem possibilitado o aumento da divisão da produção em separados estágios em diferentes localidades, criando um mercado de trabalho e produção mundiais.

Outras causas são igualmente apresentadas por outros autores. Para Dunning (1997), as causas do fenômeno são fundamentalmente duas. A primeira diz respeito à pressão nas empresas para que estejam continuamente a inovar os seus

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Embora a divisão entre causas e consequências da globalização seja, muitas vezes, apenas didática, uma vez que ela pode ser, simultaneamente, causa e consequência do fenômeno.

produtos e incrementar a qualidade destes e dos seus serviços. Neste aspecto, os expressivos custos na área de Investigação e Desenvolvimento (I&D), juntamente com o reduzido ciclo de vida dos produtos, têm feito com que as empresas tanto reduzam a dimensão das suas atividades de valor agregado como procurem mercados mais alargados. Há igualmente uma crescente tendência para que as empresas combinem suas competências estratégicas com as de outras empresas, o que possibilita a otimização destas competências.

A segunda causa da globalização apresentada por Dunning (1997) tem a ver com o ressurgimento de políticas orientadas pelo mercado, adotadas pelos governos nacionais e autoridades regionais. A privatização das empresas, a liberalização e desregulamentação do mercado, especialmente dos serviços, contribuíram para estimular a integração além fronteira das EMNs.

No que se refere à privatização, pelo fato de se acreditar que as forças privadas do mercado possibilitariam melhor aplicação dos recursos disponíveis, vários setores da economia nos mais diversos países foram total ou parcialmente privatizados. Isso implicou que, com o apoio da desregulamentação dos mercados, grupos estrangeiros adquirissem empresas nacionais, total ou parcialmente.

Em relação à liberalização dos mercados, a redução e mesmo a eliminação das barreiras, tarifárias ou não, ao comércio internacional passou a ser entendida como “a receita-chave de política econômica sobre a qual poderá ser construído um mundo saudável e próspero, de acordo com a teoria liberal de mercado” (GRUPO DE LISBOA, 1994, p. 61). A própria criação, pós-Segunda Guerra Mundial, de um acordo como o GATT demonstra a preocupação da comunidade internacional na liberalização do comércio internacional.

Com efeito, como se terá a oportunidade de constatar nos Capítulos 5 e 6, quando forem analisados os fluxos de IDE e comércio entre a UE e o Mercosul, tais políticas, adotadas, por exemplo, pelos países-membros do Mercosul - e igualmente por alguns países da UE, como a Espanha -, tiveram impacto fundamental nos fluxos de IDE e comércio entre ambos os blocos, e consequentemente, para o incremento das relações econômicas entre estes.

Por fim, destaca-se novamente a importância do aspecto financeiro para a globalização econômica - embora esta pesquisa, como referido anteriormente, não trate dos fluxos financeiros entre a UE e o Mercosul. Segundo Sideri (1996), a globalização dos fluxos de capital representa o “centro nevrálgico” da globalização da economia. A queda do sistema de Bretton Woods 19 (GILPIN, 2000) foi o acontecimento central que levou à aceleração e ao fortalecimento da globalização dos mercados financeiros, contribuindo para a construção do que é denominado “capitalismo global”. Este igualmente impulsionado pelo desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação que permite com que o capital “voe” de uma ponta a outra do globo, em poucos minutos - ou mesmo em “tempo real” -, fazendo da globalização do capital um dos aspectos mais avançados do fenômeno nos dias de hoje.

1.2.1.2 E consequências

Algumas consequências da globalização econômica serão especialmente interessantes para esta pesquisa, notadamente no que diz respeito à relação da globalização e o papel do Estado.

19 Após a Segunda Grande Guerra, vários países uniram esforços, com papel de destaque para os EUA e a Inglaterra, de forma a estabelecer os princípios que deveriam orientar a economia internacional a partir de então. Sendo assim, em 1944 foi realizada a Conferência de Bretton Woods, na qual se estabeleceram as diretrizes que seriam levadas a cabo pelas instituições criadas, notadamente o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird), hoje conhecido como Banco Mundial, que formaram parte do conhecido Sistema de Bretton Woods - fez parte ainda desse sistema o Acordo Geral de Tarifas e Comércio – GATT, hoje Organização Mundial de Comércio – OMC. Entre os princípios fundamentais nos quais se baseavam as regras que deveriam ser impostas ao comércio e outras atividades econômicas se destacavam: (1) compromisso com a liberalização do comércio por meio das negociações multilaterais contemplando o princípio da não-discriminação; (2) acordo no sentido de que as transações em conta corrente deveriam estar isentas de controles, sendo, no entanto, permitidos controles da liberdade de movimentação de capitais; (3) acordo no sentido de que as taxas de câmbio deviam ser fixas ou vinculadas e de que, embora um país pudesse alterar sua taxa de câmbio, deveria consultar o FMI antes de adotar mudanças expressivas. Nesse sentido, foi estabelecida uma paridade fixa entre as diversas moedas internacionais e o dólar americano e, igualmente, estabeleceu-se o compromisso do governo dos EUA em converter este em ouro. Assim, todos os países participantes fixaram o valor de suas moedas em relação ao ouro, criando uma paridade internacional que se pretendia fixa. Tais medidas permitiram uma estabilidade monetária que durou cerca de 25 anos, até o seu colapso, em 1971 (GILPIN, 2000).

Este aspecto é abordado por autores, como Held et al. (1999), Hirst; Thompson (1998), Sideri (1996) e Ohmae (1995), que apontam transformações do poder do Estado diante das novas forças globais. Para Hirst; Thompson (1998), Sideri (1996) e Ohmae (1995), o Estado tem perdido poder frente à globalização; mas para Held et al. (1999), por exemplo, esse poder tem sido transformado.

Para Ohmae (1995), os Estados perderam o controle das transações com o exterior e das suas moedas. Segundo o autor, são as regiões, e não os países, os motores da economia global e as geradoras de riqueza, bem-estar e prosperidade. Este desaparecimento progressivo do poder do Estado em prol das regiões concretiza-se, de alguma forma, na passagem da era industrial para a era da informação. Durante a primeira, que prevaleceu nos últimos dois séculos, os governos dos Estados tiveram a prerrogativa das decisões. O controle das empresas foi organizado e liderado por forças centralizadas. O Estado era soberano, e não os seus cidadãos como será o caso na era da informação.

Em um segundo momento, ainda segundo Ohmae (1995), os interesses econômicos passam a estar intimamente ligados ao capital e à informação, e a sociedade organiza-se em torno de redes de empresas interdependentes, privadas e regionais. Em outras palavras, o poder do Estado é transferido para as regiões, o que vem a alterar o papel dos governos nacionais e a estratégia de grandes empresas. Segundo o ponto de vista do autor, caminha-se para uma nova era, baseada no capital e na informação, e para um mundo sem fronteiras.

Held et al. (1999), contudo, têm uma abordagem diferente em relação ao impacto da globalização sobre o Estado. Os autores não acreditam que o poder do Estado esteja em declínio em consequência da globalização. Ao contrário, a globalização está transformando as condições sob as quais seu poder é exercido. Segundo eles, em outros domínios, como o do meio ambiente, o Estado tem adotado uma postura mais ativa. Ademais, no domínio político, o Estado tem representado um papel fundamental para o expressivo crescimento de uma governança global e regional, na qual novos atores despontam – tais como organizações supranacionais, internacionais, Organizações Não-Governamentais (ONGs), entre outros – para influenciar o processo político.

Held et al. (1999), de fato, apresentam três perspectivas, com diferentes abordagens, sobre as transformações que a globalização tem provocado: os hiperglobalistas (hyperglobalist), os céticos (sceptics) e os transformacionistas (transformationalist).20

Segundo os autores, os hiperglobalistas defendem que as principais economias regionais estão sendo incorporadas em uma única economia global. Nesse caso, é o capital financeiro e corporativo global, mais do que os Estados, que exercem influência sobre a organização, localização e distribuição do poder econômico e da riqueza. Para essa corrente, as forças globais de mercado prevalecem em um mundo sem fronteiras econômicas e as instituições multilaterais de comércio, tais como, OMC, Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional (FMI) que atuam no sentido de criar uma nascente “civilização” do mercado global. Ainda na opinião dos hiperglobalistas, a autonomia e soberania do Estado têm sido obscurecidas pela globalização econômica.

No que se refere à segunda perspectiva, dos céticos, segundo os autores estes têm uma posição mais cautelosa em relação ao caráter revolucionário da globalização. De acordo com esta abordagem, a sociedade não está diante de uma economia global unificada, mas sim de uma organização crescente da atividade econômica mundial, dentro de três regiões, notadamente, da Europa, Ásia-Pacífico e das Américas, conhecida como “triadização” da economia mundial. De acordo com esta perspectiva, este processo é reforçado pela crescente regionalização da atividade econômica, desde os blocos econômicos formais, tais como o North American Free Trade Área (NAFTA), Ásia-Pacific Economic Cooperation (APEC) e UE, até as estratégias de produção regional das EMNs e empresas nacionais. Isto significa, nesta perspectiva, que o mundo não presencia uma economia global, mas uma multiplicidade de áreas econômicas regionais. Na opinião dos céticos, há a continuidade da primazia do poder e da soberania do Estado.

Quanto aos transformacionistas - posição na qual Held et al. (1999) se incluem -, segundo esta perspectiva, a globalização envolve uma reorganização e rearticulação do poder econômico, político, militar e cultural. Isso não quer dizer que o Estado tenha perdido poder, mas que este tem sofrido uma transformação,

20 HELD e McGREW. Op. cit.

influenciada pela atuação de diversos atores, de âmbito nacional, regional ou internacional, tais como as EMNs, os blocos regionais, as instituições multilaterais - como a OMC -, as Organizações Não Governamentais (nacionais ou internacionais), as câmaras de comércio, entre outros. Com efeito, na perspectiva dos transformacionistas, a globalização tem contribuído para a politização da vida social, refletida no crescimento e institucionalização de novos atores, como os anteriormente referidos.

No que se refere à contextualização das relações UE e Mercosul em uma das três correntes acima descritas, estas são enquadradas aqui no âmbito da terceira corrente, pois, além de se tratar de relações entre blocos regionais - o que, segundo os transformacionistas, já ilustra a atuação de novos atores na globalização, para além do Estado -, igualmente despontaram nas negociações entre ambos os blocos outros atores, notadamente o Fórum Empresarial Mercosul União Europeia, de forma a influenciar e participar em tais negociações - como anteriormente referido e será discutido no Capítulo 4. Ademais, no momento presente de crise na economia global, iniciada com a crise financeira nos EUA, em 2008, a relação entre Estado e mercado tem sido discutida/questionada, abrindo portas para uma nova discussão sobre a globalização e suas transformações no papel do Estado - contudo, como referido na introdução desse trabalho, tal debate foge ao escopo do estudo.

Além do impacto da globalização sobre o Estado, outra consequência igualmente relevante, refere-se à “fragilidade” da economia global. Se por um lado, a interdependência da economia global permite ganhos na produtividade e melhoras no padrão de vida dos consumidores, por outro ela faz com que as economias nacionais estejam mais ligadas entre si, aumentando sua vulnerabilidade aos distúrbios financeiros externos e outros tipos de distúrbios (DUNNING, 1997). Ainda segundo este autor, os choques econômicos originados em qualquer das maiores economias são instantaneamente transmitidos por todo o globo, com conseqüências devastadoras sobre outros países ou regiões que possivelmente nada terão a ver com as causas do choque. “A economia mundial está mais intrinsecamente frágil e

vulnerável do que há 30, 40 ou 50 anos atrás […] se os Estados Unidos espirram, o mundo pega um resfriado” (DUNNING,1997, p. 33).21

Apesar da grande conectividade entre as economias dos diversos países, segundo Gilpin (2000, p. 391), a economia mundial, além de muito desigual, restringe-se a setores econômicos específicos e seu impacto (econômico) tem-se limitado à conhecida Tríade - como já referido, formada pelos Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão -, e aos mercados emergentes do Leste Asiático, estando o Mercosul, do ponto de vista de Gilpin (2000), excluído da Tríade.

Como se poderá observar na Seção 1.3, o Mercosul, em 2003, possuía somente 2,2% do mercado mundial, refletindo uma baixa representatividade em termos mundiais - em relação à UE, por exemplo, com 21,3%. De acordo com Viola e Leis (2007), uma economia altamente globalizada tem um elevado coeficiente de comércio exterior, participa fortemente de cadeias produtivas transnacionais e ativamente na circulação de capital financeiro internacional. Sendo assim, do ponto de vista comercial, o Mercosul é, de fato, pouco globalizado. Do ponto de vista da globalização produtiva, este bloco é também pouco globalizado (Ver Gráfico 1). Contudo, do ponto de vista financeiro, os autores destacam que o Brasil, principal membro do Mercosul, é altamente globalizado. Sendo assim, o Mercosul, apesar de estar excluído da Tríade, sofre os impactos da globalização, haja vista os impactos que as crises mundiais tiveram e continuam a ter nos seus países-membros, com importantes repercussões sobre as economias locais - como se verá nos Capítulos 5 e 6.

Outra consideração relevante feita por Gilpin (2000), em relação à globalização, refere-se ao fato de que esta não é irreversível. Segundo o autor, “a globalização escora-se em fundamentos políticos que podem desintegrar-se se as grandes potências não fortalecerem seus vínculos econômicos e políticos” (GILPIN 2000, p. 390). Nesse sentido, as políticas nacionais responsáveis pelo processo de globalização podem ser abolidas de forma a reverter tal processo.

21 O exemplo mais recente dessa citação pode ser dado com a crise de 2008, quando o “espirro” dos EUA (sua crise financeira) causou muito mais do que um “resfriado” na economia global.

Sobre a reversibilidade da globalização, se assim pode-se dizer, Bhagwati (2004) compartilha da opinião de Gilpin (2000) argumentando que ela é possível, dado a capacidade de intervenção do Estado na redução das barreiras aos fluxos de comércio e investimento. Aliás, segundo Bhagwati (2004), esta é uma das principais características do atual estágio da globalização. Conforme o autor, hoje a globalização deve ser escrita com duas tintas: uma “colorida” pelas mudanças tecnológicas, e outra pela ação do Estado. Gilpin afirma ainda, que o Estado tanto pode acelerar quanto reverter à globalização, levantando ou diminuindo as barreiras aos fluxos de comércio e investimento, como referido anteriormente, e esse aspecto, segundo Bhagwati (2004), não deve ser menosprezado.

Exemplo desta situação, no contexto das relações entre a UE e o Mercosul, é a maior ou menor abertura recíproca de seus mercados de bens e serviços, respectivamente, nas negociações multilaterais e bilaterais de comércio - como será melhor discutido no Capítulo 4. Apesar de os referidos blocos buscarem o estabelecimento de uma área de livre comércio entre ambos - que poderia funcionar como um impulso à globalização - ver Seção 2.4.3, Capítulo 2 -, o maior empecilho é precisamente as barreiras estabelecidas, tarifárias ou não, em determinados setores, principalmente no que se refere aos produtos “sensíveis” do comércio entre ambos - discutido no capítulo 4 -, o que representaria, do ponto de vista de Gilpin (2000), uma reversão no movimento da globalização econômica.

Irreversível ou não, a globalização econômica se traduz na necessidade de os países ou blocos econômicos se tornarem mais competitivos de forma a conquistarem um mercado cada vez mais global, assunto a ser tratado a seguir, com o foco, principalmente, sobre a UE e o Mercosul.