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A dimensão econômica da política externa da UE: a política comercial comum e a cooperação para o desenvolvimento

3 A UNIÃO EUROPEIA E AS RELAÇÕES INTER-REGIONAIS E O MERCOSUL

3.1 A Estrutura da Política Externa da União Europeia

3.1.1 A dimensão econômica da política externa da UE: a política comercial comum e a cooperação para o desenvolvimento

A primeira política externa da UE (a Política Comercial Comum) nasceu por ocasião da criação da Comunidade Econômica Europeia (CEE) - denominada por Comunidade Europeia (CE) a partir de 1992 -, cujas competências, instrumentos e procedimentos foram definidos no Tratado que a criou, o Tratado de Roma (1957). Com o intuito de estabelecer uma união aduaneira e futuramente um mercado

interno, os seis Estados-membros fundadores da CEE 46 acordaram delegar parte de

sua soberania a esta, que teria competências para negociar assuntos relativos, principalmente, às trocas comerciais.

A transferência de competências à CE sob tal domínio foi instituída no artigo 133 e estava relacionada somente aos assuntos de comércio de mercadorias, sobre os quais a CE teria competência exclusiva para negociar. Contudo, ficavam excluídos outros aspectos econômicos, como os serviços, investimentos e propriedade intelectual. Dado a relevância que estes setores assumiram nas negociações, principalmente no âmbito multilateral, a UE, na revisão dos seus tratados (Amsterdã e Nice), alargou o rol de competências da Comunidade. Dessa forma, o Tratado de Nice confere competências à CE para negociar acordos sobre serviços e direito de propriedade intelectual, na regra de aprovação por maioria qualificada, permanecendo sem competências para negociar acordos que abarquem o tema dos investimentos, comércio de serviços culturais e audiovisuais, de educação, bem como de serviços sociais e de saúde, que continuam sob a competência partilhada entre a CE e os Estados-membros, tendo estes poder de veto sobre acordos que incluam tais temas (D’ARCY, 2002).

Apesar do primeiro instrumento da PCC ter sido a tarifa externa comum, e da existência de outros instrumentos de política comercial que se destinam à defesa comercial, o instrumento principal da política comercial da CE/UE47 passou a ser constituído pelos acordos por ela celebrados, tanto acordos multilaterais, no âmbito da OMC, quanto acordos preferenciais com Estados ou blocos regionais, podendo ser tais acordos divididos em três tipos (SMITH, 2003b): (i) Comércio: normalmente estabelecem um cronograma segundo o qual as barreiras comerciais às importações são gradualmente removidas dentro da CE. Contudo, atualmente esses acordos são considerados limitados e praticamente não são mais concluídos; (ii) Cooperação: incluem medidas para cooperação em assuntos econômicos e comerciais, assim como podem incluir medidas para liberalização do comércio. Proporcionam, igualmente, condições para o diálogo com terceiros países, nos quais ministros, oficiais e parlamentares se encontram regularmente; (iii)

46 França, Alemanha, Itália, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo. 47

Ressalta-se que se utilizará UE ou CE, conforme o melhor enquadramento, lembrando que a estrutura da UE, baseada nos três pilares foi instituída a partir de 1993, com o Tratado da União Europeia (ver Seção 3.1.).

Associação: estabelece uma relação mais próxima e institucionalizada. Em conjunto com medidas de comércio, prevê cooperação em diversos setores, e normalmente inclui protocolos que especificam um pacote de ajuda por parte da CE. Tais acordos podem, igualmente, ampliar a união aduaneira ou o mercado interno - daí os vários acordos de associação estabelecidos com os países da Europa de Leste antes de sua adesão à CE/UE. Aqui, também se proporcionam condições para encontros entre ministros, oficiais e parlamentares. Importante referir que esses tipos de acordos sinalizam uma parceria privilegiada - é neste tipo de acordo que estão inseridos o acordo em vigor e em negociação entre a UE e o Mercosul.

Reforça-se que apenas a Comunidade Europeia possui personalidade jurídica para negociar e concluir acordos, tanto multilaterais, no âmbito da OMC, como preferenciais, concluídos com Estados ou blocos regionais. Tal competência lhe foi delegada pelo artigo 300 do Tratado da CE, que define os procedimentos a serem seguidos na negociação e conclusão desses acordos. É igualmente tal artigo que incumbe a Comissão Europeia de preparar a posição da CE nas negociações, consoante a determinação do Conselho. As negociações são levadas a cabo pela Comissão, mas ela deve prestar contas regularmente a um comitê de altos funcionários dos Estados-membros, denominado Comitê do artigo 133, até a fase de conclusão do acordo pelo Conselho. O envolvimento do Parlamento é indireto, sendo este apenas informado e consultado. Em termos práticos, o mandato negociador delegado à Comissão Europeia lhe proporciona pouca margem de negociação em áreas sensíveis, mesmo sendo áreas em que a Comissão tenha competência exclusiva para negociar em nome da CE - como é o caso do setor agrícola que, como se verá nos Capítulo 4 e 6, constitui-se em um dos setores mais críticos das negociações entre o Mercosul e a UE.

Os acordos celebrados pela CE variam quanto ao seu conteúdo e profundidade, conforme o parceiro em questão. Normalmente, a decisão sobre qual tipo de acordo estabelecer com países terceiros e, igualmente, qual o seu conteúdo e alcance, está baseada em uma decisão política (SMITH, 2003a).48Ademais, tais acordos, quer sejam de cooperação ou de associação, tiveram várias evoluções,

48 Segundo a autora, tal decisão política não necessariamente deriva da Política Externa e de Segurança Comum. Embora esta lide mais com as questões políticas, as próprias ações da CE/UE podem ser politizadas, sem influência direta da PESC.

refletindo os resultados e desenvolvimento da própria política comunitária, sendo denominados de primeira, segunda, terceira ou quarta gerações. Os acordos de primeira geração firmados pela CE, típicos dos anos 1970, versavam somente sobre temas comerciais; os de segunda geração, típicos dos anos 1980, versavam sobre temas comerciais e de cooperação e os de terceira geração, típico do início dos anos 1990, se caracterizam por um amplo leque de atividades conjuntas em matérias de cooperação e desenvolvimento, mas não contemplam nenhuma modalidade de liberalização comercial recíproca entre a UE e os países terceiros (GRISANTI, 2004). 49

Com a dinâmica dos fluxos comerciais e de investimento entre a UE e a América Latina, os acordos de III geração sofrem um upgrade e evoluem para o que é conhecido como Acordos de Associação, de IV geração. Esse novo formato de acordo incrementa o diálogo político, reforça a cooperação para o desenvolvimento e prevê o estabelecimento de áreas de livre comércio. Segundo Grisanti (2004), os acordos de IV geração são a expressão mais recente, em termos de política externa, face aos países em desenvolvimento, estando sua negociação relacionada com as prioridades estratégicas, econômicas e políticas da UE em relação a outros países em desenvolvimento ou regiões.

O Acordo-Quadro Inter-Regional de Cooperação entre a UE e o Mercosul, em vigor, pode ser considerado como o primeiro Acordo de Associação de IV Geração estabelecido entre duas uniões aduaneiras, embora não haja consenso na literatura sobre a classificação de tal acordo, se de terceira ou de quarta geração. Hoffmann (2004), por exemplo, refere o Acordo-Quadro como um acordo tipicamente vazio, de terceira geração, que seria “preenchido” ao longo das negociações para o estabelecimento do Acordo de Associação. Ainda que não haja consenso sobre o tipo de acordo que representa o Acordo-Quadro, se de quarta ou terceira geração, o importante reter é que se trata de um acordo amplo, abarcando três aspectos: político, de cooperação e comercial - a ser discutido no Capítulo 4.

Os acordos estabelecidos pela CE se classificam ainda como acordos exclusivos ou mistos. Os acordos exclusivos são celebrados apenas pela CE, no

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âmbito da supranacionalidade, e os acordos mistos são celebrados pela CE, em conjunto com Estados-membros, no contexto dos quais a CE obedece ao instituído no artigo 300 do Tratado da CE, e os Estados-membros se pautam pelos seus procedimentos internos. Esse tipo de acordo deve ser ratificado por todas as partes, o que pode implicar em um longo tempo até a sua data de entrada em vigor. Destaca-se, mais uma vez, que o Acordo-Quadro assinado entre a UE e o Mercosul, bem como o Acordo de Associação entre ambos é de natureza mista, necessitando do acordo da CE e dos Estados-membros, em base conjunta, para determinados domínios da negociação, entre os quais o do investimento, áreas do comércio de serviços e bens culturais.

Destaca-se ainda que, a partir do início da década de 1990, no contexto do Novo Regionalismo, quando as relações Norte-Sul têm novo foco, a União Europeia expande o seu “rol de relacionamentos” e os países em desenvolvimento ganham nova atenção com a introdução do título “Cooperação para o Desenvolvimento” no Tratado da União Europeia. A política da CE destinada aos países em desenvolvimento é apenas complementar às políticas dos Estados- membros e as ajudas comunitárias a tais países, por parte da CE, usualmente são definidas no âmbito dos acordos de cooperação ou de associação - com países terceiros ou blocos regionais (D’ARCY, 2002).

O Tratado da União Europeia determina igualmente que a política de cooperação deverá “contribuir para o objetivo geral de desenvolvimento e de consolidação da democracia e do Estado de direito, bem como pelo respeito dos Direitos do Homem e das liberdades fundamentais” (D’ARCY, 2002, p. 200). Assim, a partir de 1990, são introduzidas modificações inéditas nos acordos assinados pela Comunidade, como cláusulas que referem o respeito à Democracia e aos Direitos Humanos, ou a luta contra a corrupção, podendo a UE suspender a cooperação caso o respeito a tais cláusulas não seja cumprido. Note-se, por exemplo, no que se refere ao Acordo-Quadro entre a UE e o Mercosul, que o seu primeiro artigo enuncia o respeito aos princípios democráticos e aos direitos humanos, podendo o acordo ser suspenso, caso tais princípios não sejam observados. Na prática, não há um mecanismo rigoroso de observância quanto ao cumprimento de tais direitos, tendo o artigo uma conotação mais política.