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3 A UNIÃO EUROPEIA E AS RELAÇÕES INTER-REGIONAIS E O MERCOSUL

3.1 A Estrutura da Política Externa da União Europeia

3.1.2 A política externa no âmbito do segundo pilar – PESC

Ressalta-se aqui que, ainda que não faça parte desse estudo realizar uma análise exaustiva da PESC, será relevante abordar este aspecto da política externa da UE, pois o mesmo demonstra o desejo do bloco no aprofundamento da própria integração política. Ademais, desenvolver um pouco melhor tal dimensão, contribui para o melhor entendimento da complexa estrutura da UE, bem como o tipo de poder que este bloco pretende exercer no cenário internacional (tema da Seção 3.2) o que, por sua vez, tem impacto nas suas relações com a América Latina e com o Mercosul.

Apesar do aspecto econômico da integração europeia ter se desenvolvido a passos mais largos do que a integração política, a cooperação neste domínio entre os Estados-membros foi uma preocupação constante, o que pode ser observado pela existência, a partir de 1970, de uma Cooperação Política Europeia (CPE). Como visto, a Política Comercial Comum e a “Cooperação para o Desenvolvimento” abarcam, principalmente, aspectos econômicos, ficando excluídos importantes aspectos das relações externas, como uma política comum de defesa ou de segurança. De acordo com White (2001, apud: BAINBRIDGE, 1998, p. 244- 245), pode-se referir a CPE como um conjunto de “procedimentos utilizados, a partir de 1970, para permitir aos Estados-membros da CE discutir e coordenar suas posições em assuntos internacionais e, quando apropriado, agir em conjunto”. Esses procedimentos se limitavam, principalmente, à troca de informações e consultas e a trabalhos que tinham como objetivo a harmonização e coordenação das diferentes opiniões e posições entre os Estados-membros (WHITE, 2001). Foi o começo de

uma tentativa para dar à UE uma voz única no cenário internacional. Contudo, a CPE ficou fora do sistema comunitário, durante muitos anos e somente

foi “institucionalizada”, por ocasião de sua introdução no Tratado da União Europeia sob o nome de Política Externa e de Segurança Comum.

De fato, o TUE marca uma preocupação crescente dos Estados- membros em desenvolverem a integração política do bloco em conjunto com a integração econômica, de forma a propiciar à União Europeia uma única voz no âmbito internacional. Pretendia-se, assim, a ampliação da participação externa da

UE, repensando o seu papel no mundo, por meio de uma Política Externa e de Segurança Comum (SARAIVA, 2004). Para tal, a PESC envolve duas vertentes: (i) da política externa comum, que permite à UE estabelecer posições e ações comuns sobre conflitos armados, sobre as questões de direitos humanos e democracia, ou outras questões relevantes (ver Figura 5); (ii) da política de segurança, cuja dimensão militar somente foi introduzida com a Política Europeia de Segurança e Defesa (PESD).

A introdução da PESC no TUE está fortemente relacionada ao momento histórico de sua criação. Lembra-se que o TUE foi ratificado em 1993 e que, poucos anos antes, em 1989 o mundo via cair o muro de Berlim simbolizando o fim da Guerra Fria, e, portanto, uma quebra de paradigmas, igualmente, em relação às questões de segurança e defesa. Até então, os Estados-membros da UE dependiam da segurança e defesa proporcionadas, principalmente, pelos Estados Unidos, no âmbito da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) - em função do temor da ameaça comunista. Com o fim da Guerra Fria, uma nova ordem internacional se estabelece e a preocupação com os próprios meios de segurança e defesa toma a agenda do dia dos Estados-membros da UE. Ademais, a UE sentiu- se responsável por levar a paz e a estabilidade aos países da Europa de Leste (SMITH, 2003a), entendendo que estes não mais representavam uma ameaça, mas potenciais aliados para a ampliação de suas relações - como de fato aconteceu com o alargamento à 10 Estados ex-comunistas, em 200450, e mais dois em 200751.

A UE, no âmbito da PESC, não conseguiu dar uma resposta à altura do que pode ser considerado o seu primeiro desafio, a guerra na ex-Iugoslávia, desencadeada no início da década de 1990. Entendendo que este era um conflito europeu, a UE não aceitou, inicialmente, a intervenção da OTAN. Entretanto, diante da falta de uma força militar própria e incapaz de negociar uma solução política para tal guerra, acabou por intervir no conflito por meio do quadro das forças da ONU e da OTAN. Este episódio, somado a outros - como, por exemplo, a guerra da Bósnia, em 1995, ou do Kosovo, em 1999 -, para os quais a UE foi igualmente incapaz de impor uma cessação dos conflitos, para além de provocar o seu constrangimento diante da comunidade internacional - cuja expectativa em relação ao tipo de atitude

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Chipre, República Checa, Estônia, Hungria, Letônia, Lituânia, Malta, Polônia, Eslováquia e Eslovênia. 51 Bulgária e Romênia.

que seria tomado, por parte da UE, era elevada, pois era como um “teste” sobre suas capacidades militares -, levou a que fosse incorporada à PESC uma nova política: Política Europeia de Segurança e Defesa.

Deve-se ressaltar que a PESD somente foi possível quando França e Inglaterra - principais potências militares da UE -, decidiram incorporar uma dimensão militar à PESC, assinando, em 1998, a declaração de Saint Malo (ver Seção 3.2).52 Contudo, trata-se mais de uma política de gestão de crises do que propriamente de defesa. Esta nova política permite enviar forças militares ou de polícia para áreas em crise a fim de levar a cabo as missões humanitárias e de evacuação, de manutenção da paz, de gestão de crises e até mesmo de restabelecimento da paz - estas missões são conhecidas como “missões de Petersberg”. Tais ações militares são conduzidas por uma força de reação rápida da UE, distinta da OTAN, mas a coordenação com esta continuou sendo necessária, pois as ações militares no âmbito da PESD ainda são dependentes dos meios logísticos da OTAN.53

Contudo, como será visto na Seção 3.2, a PESC (apesar de sua evolução) permanece insuficiente para responder às demandas de segurança e militar da UE, tampouco para caracterizá-la com uma potência militar.

52 Os princípios orientadores da PESD foram definidos na reunião do Conselho Europeu, em Colónia, 1999, tendo como base a declaração de Saint Malo. E ainda, em 1999, o Conselho Europeu, reunido em Helsínquia, decidiu sobre a constituição de meios militares e de polícia comum no âmbito da PESD, definindo o que ficou conhecido como “Helsink Headline Goal” (HHG), que previa que, até 2003, a UE seria capaz de se posicionar rapidamente, perante os conflitos internacionais, enviando e mantendo forças capazes de desempenhar todas as “missões de Petesberb”, em operações que envolvessem até 50.000 a 60.000 pessoas. COSTA, João Ricardo de Sousa Barbosa Dias da. Política Europeia de Segurança e Defesa – Pós

Constituição Européia. 12.12.2005. Disponível em:

< http://www.revistamilitar.pt/modules/articles/article.php?id=11 >. Acesso em: 15.1.2009. 53

COMISSÃO EUROPEIA. A Europa em movimento. Direção-Geral da Imprensa e da Comunicação. Julho de 2004. Disponível em:< http://ec.europa.eu/publications/booklets/move/47/pt.doc >. Acesso em: 10.1.2007.