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4 AS RELAÇÕES ENTRE A UNIÃO EUROPEIA E O MERCOSUL NO ÂMBITO DOS ACORDOS, EM VIGOR E EM NEGOCIAÇÃO ÂMBITO DOS ACORDOS, EM VIGOR E EM NEGOCIAÇÃO

4.2 As negociações para o estabelecimento do futuro Acordo de Associação

4.2.4 As percepções da diplomacia sobre o Acordo de Associação

No tocante às percepções da diplomacia128 em relação às negociações para o estabelecimento do Acordo entre a UE e o Mercosul, as desigualdades nos processos de integração de ambos os blocos são apontadas como uma questão de grande preocupação. A UE representa um mercado único para os exportadores dos países-membros do Mercosul, contudo, a recíproca não é verdadeira, ou seja, o Mercosul não representa um mercado único para os exportadores europeus, pois no Mercosul prevalece a dupla cobrança da TEC (BID-INTAL, 2005).129 Essa é uma

128 Para compor as percepções da diplomacia foram realizadas entrevistas com membros da Comissão Europeia e com diplomatas dos principais países-membros do Mercosul (ver anexo I), para além da participação desta autora em fóruns de discussão entre empresários e diplomatas sobre o Acordo, bem como por meio de documentos oficiais e bibliografia secundária.

129 O tema da dupla cobrança da TEC no Mercosul começou a fazer parte da agenda deste por demanda da própria UE. Com efeito, a UE considera o pagamento único da tarifa para as mercadorias que circulem dentro do Mercosul, como condição essencial para o estabelecimento do Acordo de Associação com este bloco (BID – INTAL, 2005).

dificuldade apontada, por exemplo, pelo Conselheiro Econômico da Embaixada da República Argentina, Luis Castilho, referindo que o negociador do Mercosul tem a UE como mercado único, mas o negociador da UE não tem o Mercosul como mercado único.130 Igualmente, tal dificuldade é apontada por Fabian Delcros, Conselheiro de Comércio da Delegação da Comissão Europeia no Brasil segundo o qual a UE oferece ao Mercosul um mercado único com mais de 500.000 milhões de consumidores. No caso do Mercosul, a não-existência de um mercado único dificulta as concessões feitas no âmbito do Acordo.131 Aliás, é preciso referir que foi durante as negociações entre a UE e o Mercosul, que a UE colocou a condição de que este deveria garantir a cobrança única de mercadorias que circulassem dentro do Mercosul (BID-INTAL, 2005).

E, aqui, relembra-se um ponto importante, relativo ao interesse da UE no fortalecimento do processo institucional do Mercosul, ou seja, no interesse de que a integração deste bloco não se restrinja apenas a uma integração comercial, mas abarque, igualmente, outros níveis de integração, como fiscal, monetário, político, entre outros aspectos. Isso porque, por exemplo, a falta de harmonização quanto às legislações dos países-membros do Mercosul e, ainda, as exceções no que se refere à sua Tarifa Externa Comum representam, do ponto de vista da diplomacia Européia, um dos principais empecilhos na conclusão do Acordo. Com efeito, o primeiro documento de estratégia para a cooperação entre a UE e o Mercosul, para o período de 2002-2006, refere que a criação do Mercado Comum do Mercosul deve ser considerada uma condição prévia para a conclusão das negociações e a sustentabilidade da associação entre as duas regiões.132

Quanto a importância do Mercosul para a União Européia, de acordo com Karl Falkenberg, a Europa sempre teve interesse no Mercosul e o recente anúncio de uma parceria estratégica entre a UE e o Brasil sinaliza tal interesse. Contudo, relembra-se aqui que esta visão não é coincidente com a visão de alguns atores brasileiros envolvidos nas negociações - referido na Seção anterior.133

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Entrevista realizada pela autora em 2008. 131 Entrevista realizada pela autora em 2008.

132 COMISSÃO EUROPEIA. Mercosul. Documento de Estratégia Regional 2007-2013. 2.8.2007. Disponível em:< http://ec.europa.eu/external_relations/mercosur/rsp/07_13_pt.pdf >. Acesso em: 20.6.2008.

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FALKENBERG, Karl. Ex-diretor adjunto de Comércio da União Europeia e ex-negociador chefe para o Mercosul. Palestra proferida por ocasião do III Fórum Europeu. São Paulo, 1.6.2007.

Do ponto de vista de Fabian Delcros, há um interesse antigo e importante por parte da Europa de consolidar presença na região. Segundo Delcros, a presença chinesa na região também fez com que a UE reforçasse o interesse em manter essa presença e representa mais uma razão para o fechamento do Acordo.134 Entretanto, apesar de a UE declarar seu interesse no Mercosul e de ter anunciado o Brasil como parceiro estratégico, em 2007, essa posição, de parceria estratégica não se mantém no que se refere ao Mercosul como bloco.

É relevante mencionar que há uma parceria estratégica anunciada no âmbito do diálogo biregional entre a América Latina e a UE, especificamente, há uma parceria estratégica anunciada em relação ao Brasil, mas não há ação semelhante em relação ao Mercosul. Segundo alto funcionário da Comissão Européia, o Mercosul se encaixa, do ponto de vista da UE, em sua estratégia global de promover a integração em países democráticos, mas isso não significa que seja estratégico. O Brasil sim é considerado pela UE como estratégico - mas não o Mercosul.

Tal observação ilustra outro problema que contribui, do ponto de vista da diplomacia - e do empresariado -, para a dificuldade nas negociações para o fechamento de um acordo dessa natureza, que é a assimetria, principalmente econômica, entre os dois blocos, e a assimetria - igualmente econômica -, dentro do próprio Mercosul. Essa assimetria pode ser exemplificada pelo peso de ambos os blocos no comércio global - já referido no Capítulo 1. Enquanto o comércio da UE representava 17,1% do comércio global, em 2006, o Mercosul representou, entre os anos de 2002 e 2005, apenas 1,05%.135 No que se refere à assimetria entre os países do Mercosul, esta pode ser exemplificada pela representatividade do PIB destes países no bloco: o Brasil representa 79% do PIB do Mercosul, seguido pela Argentina (18%), pelo Uruguai (2%) e Paraguai (1%).136

Inclusive, não se trata, no que se refere ao Mercosul, de um problema somente de assimetria econômica entre os seus países-membros, mas igualmente de diferentes interesses no que se refere aos objetivos do Acordo. Note-se ainda a

134 Entrevista realizada pela autora em 2008.

135 TRADE ISSUES. Disponível em:< http://ec.europa.eu/trade/issues/bilateral/datapdf.htm >. Acesso em: 6.7.2008.

divergência de posição entre a diplomacia brasileira e a argentina em relação à prioridade dada ao Acordo: para o Brasil, este Acordo é considerado como prioritário, para a Argentina, não. Por exemplo, do ponto de vista de Luis Castilho, o Acordo teve uma prioridade muito baixa para a Argentina, ao contrário da prioridade dada por parte do Brasil, atribuída, por Castilho, à vontade deste país de se estabelecer como um Global Player no cenário internacional, o que pode não ser bem-visto pelos demais países-membros do Mercosul. Castilho explica ainda que, inicialmente o Acordo de Associação foi percebido como forma de fazer frente à ALCA e, inclusive, havia a expectativa, de que um acordo com a UE fosse melhor - e mais fácil de ser estabelecido do que a ALCA -, mas dadas às diferenças significativas entre os dois blocos, as negociações não avançaram como inicialmente esperado, até chegar ao ponto de paralisarem.137

De fato, para a diplomacia brasileira, explica Evandro Didonet, Diretor do Departamento de Negociações Internacionais do Itamaraty, o Acordo com a UE é absolutamente prioritário para a política comercial brasileira138 embora o Brasil estivesse empenhado nas negociações para o fechamento da Rodada Doha.139

Quanto ao impacto da Rodada Doha nas negociações, há um consenso de que o Acordo entre a UE e o Mercosul somente avançará depois da finalização desta rodada, e um dos motivos refere-se à igualdade das agendas, ou seja, temas polêmicos para o acordo UE–Mercosul estão igualmente sendo negociados no âmbito da Rodada Doha, como bens agrícolas e serviços - como referido ao longo do Capítulo. Portanto, conforme as percepções da diplomacia - e dos empresários -, há que esperar o encerramento dessas negociações para saber sobre o futuro do Acordo de Associação, ou seja, sobre em que base negociar. Com efeito, havia a expectativa de que as negociações entre a UE e o Mercosul fossem retomadas, caso a Rodada Doha não fosse concluída até meados de 2008 - o que não ocorreu.

Mesmo com todos os empecilhos para o fechamento do Acordo, segundo João Pacheco, de uma forma geral, este pode ser visto como positivo,

137 Entrevista realizada pela autora em 2008. 138 Entrevista realizada pela autora em 2008. 139

Palestra proferida por ocasião do III FÓRUM EUROPEU, acontecido em São Paulo, em 1 de junho de 2007, do qual participou esta pesquisadora e entrevista realizada pela autora em 2008.

principalmente do ponto de vista da consolidação das relações econômicas na região. Inclusive, afirma Pacheco, os demais pontos do Acordo, notadamente o aspecto político e de cooperação, estão praticamente fechados, faltando “apenas” fechar o aspecto comercial.140

4.3 Parte conclusiva do Capítulo

Apesar das muitas declarações e esforços a favor da liberalização das trocas entre o Mercosul e a UE, tanto do lado dos negociadores políticos (diplomacia), como do lado dos próprios empresários, tal objetivo não é fácil de ser concretizado, como visto ao longo do Capítulo. Prova disso é que, passada uma década, desde 1999, quando foram lançadas as negociações para o estabelecimento do Acordo de Associação entre a UE e o Mercosul, o mesmo ainda não foi concluído; apesar de todas as reuniões, - quer seja do MEBF, quer seja no âmbito dos CNBs, das reuniões de Cúpula entre a UE e AL, do encontros ministeriais entre o Mercosul e a UE, entre outras reuniões -, de todos os documentos de trabalho produzidos, de todas as declarações políticas, do envolvimento da iniciativa privada, entre outras ações para a sua conclusão.

A dificuldade e a morosidade para se chegar à finalização do Acordo são fatores de preocupação entre os negociadores envolvidos e tal ponto foi assinalado por Karl Falkenberg, ao declarar que as negociações para a liberalização do comércio entre os dois blocos já têm quase dez anos e os “adolescentes são perigosos”.141

Isso quer dizer que, do ponto de vista econômico, uma década parece ser tempo demais para a conclusão de um Acordo, dado à dinâmica dos mercados, que ocorre em ritmo (muito) mais acelerado do que a dinâmica das negociações políticas. Por exemplo, na última década, novas variáveis surgiram no cenário internacional, como o crescimento da China, da Índia, e o próprio alargamento da

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Entrevista realizada pela autora em 2008.

UE - entre outras variáveis -, mudando o interesse dos negociadores e dos empresários sobre o Acordo.

Nesse sentido, Rubens Barbosa142 ressalta que o comércio do Mercosul tem crescido independentemente dos acordos estabelecidos. O que significa dizer que as empresas, apesar de estarem envolvidas nas negociações internacionais e, neste caso específico, nas negociações entre a UE e o Mercosul, e apesar de o Acordo possibilitar, segundo Giordano (2003), a institucionalização do crescente interesse das comunidades de negócios Européias na região, as empresas não ficaram à espera do fechamento do Acordo para se mobilizarem e continuarem os seus negócios. Como visto no Capítulo 1, elas procuram mercados com melhores oportunidades, estabelecendo sua própria dinâmica, o que será sinalizado nos Capítulos seguintes.

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5 INVESTIMENTO DIRETO ESTRANGEIRO: UE – MERCOSUL – 1991