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4 AS RELAÇÕES ENTRE A UNIÃO EUROPEIA E O MERCOSUL NO ÂMBITO DOS ACORDOS, EM VIGOR E EM NEGOCIAÇÃO ÂMBITO DOS ACORDOS, EM VIGOR E EM NEGOCIAÇÃO

4.1 O início das relações formais entre a União Europeia e o Mercosul

4.1.1 Origem e antecedentes

Como discutido no Capítulo 3, as relações entre a UE e o Mercosul se desenvolveram no contexto das relações entre a UE e a América Latina, e, portanto, no contexto dos diálogos inter-regionais.71

Destacam-se duas iniciativas que contribuíram para a aproximação da UE em relação ao Mercosul - e que podem ter funcionado como “efeito dominó”, discutido no Capítulo 2: (i) a entrada em vigor do NAFTA, Acordo de Livre Comércio entre os EUA, o Canadá e o México, em 1994; e (ii) o lançamento da Iniciativa para as Américas, igualmente em 1994, cujo objetivo era o de criar uma área de livre comércio entre os Estados Unidos e a América Latina, a ALCA, cuja previsão inicial para conclusão era até dezembro de 2004.

Ambas as iniciativas sinalizavam maior predominância dos Estados Unidos na região, representando uma possível perda de mercado da UE para os EUA e, portanto, uma aparente ameaça aos interesses econômicos e políticos da UE na região. Por outro lado, do ponto de vista do Mercosul, principalmente do Brasil, o aprofundamento das relações com a UE representava um instrumento de pressão nas negociações com a ALCA (VENTURA, 2003).

71 Cf. seção 3.3.1, Capítulo 3.

Em relação ao receio da UE à predominância dos EUA na região, e consequente perda de mercado da UE na AL, Giordano (2003) argumenta que a criação do NAFTA resultou no desvio de comércio do México em relação à UE - favorecendo os EUA -, fazendo com que esta se mobilizasse rapidamente para a assinatura de um acordo de livre comércio com o México, que entrou em vigor em 2000.72 Nesta mesma linha de análise, recorda-se que a UE assinou, igualmente, um Acordo de Associação com o Chile, que entrou em vigor em 1.3.2005 - cujas negociações tiveram início na I Cúpula União Europeia – América Latina,73 realizada no Rio de Janeiro, em 1999, quando foram também lançadas as negociações entre a UE e o Mercosul.74

Nesse contexto, e temendo igualmente que o mesmo cenário de desvio de comércio - ver Seção 2.4.2, Capítulo 2 -, se repetisse com os países do Mercosul - caso a ALCA se concretizasse -, a UE promoveu maior aproximação com este bloco, materializada por meio na assinatura do Acordo-Quadro Inter-Regional de Cooperação,75 em 1995, oficializando assim o diálogo político entre a UE e o Mercosul. O objetivo último deste acordo, como será ainda melhor discutido, é o de preparar ambos os blocos para o estabelecimento de uma área de livre comércio entre estes, por meio do estabelecimento de um Acordo de Associação.

Aqui, é preciso destacar que, embora seja frequente e comum afirmar que a aproximação da UE com a América Latina e com o Mercosul tenha sido uma reação da UE às negociações para o estabelecimento da ALCA, esse ponto de vista não é confirmado pela própria UE. Segundo afirmação do ex-comissário europeu para o Comércio, Pascal Lamy, “nunca considerei que houvesse uma corrida entre a ALCA e o Acordo UE-Mercosul. Não temos os mesmos objetivos, a ALCA é comercial e ponto [...]” (BID-INTAL, 2005).

72 O acordo de livre comércio com o México foi negociado em apenas 11 meses, mas não possui a complexidade da liberalizacao do comércio dos (sensíveis) produtos agrícolas, tampouco a complexidade de um acordo entre dois AIRs, como é o caso do acordo em negociação entre a UE e o Mercosul.

73

A I Cúpula UE – AL é conhecida nos documentos oficiais da UE, na versão portuguesa, como Cimeira do Rio. Sobre a I Cúpula, ver seção 3.3.1, Capítulo 3.

74 Para um balanço dos cinco anos do Acordo de Associação entre a UE e o Chile ver publicação do CELARE - Centro Latino Americano para as Relações com Europa -, intitulada Análisis de los cinco años del acuerdo de

asociación UE-Chile. CELARE. Disponível em:< www.celare.cl >. Acesso em: 6.2.2009.

Esta posição foi igualmente referida em entrevistas com alguns altos funcionários da Comissão Européia, que discordam que as negociações entre a UE e o Mercosul tenham se intensificado devido à ALCA, pois, segundo os entrevistados, o regionalismo europeu e sua estratégia para fechar acordos antecedem à ALCA e têm uma abordagem mais ampla, para além das questões comerciais.

De qualquer forma, foi após as duas iniciativas anteriormente referidas que a UE e o Mercosul oficializaram o seu diálogo político, com a assinatura de um Acordo-Quadro. Vale destacar ainda que este acordo foi o primeiro assinado pela UE desta natureza, ou seja, com outro AIR, pretendendo a liberalização das trocas comerciais entre duas uniões aduaneiras - UE e Mercosul.

Contudo, previamente à assinatura do Acordo-Quadro, a UE já havia estabelecido relações políticas formais com os países-membros do Mercosul, individualmente, ou seja, por meio de acordos de cooperação bilateral e, igualmente, com o próprio Mercosul, pelo Acordo de Cooperação Inter-Institucional, de 1992, sendo o objetivo principal deste o de prestar assessoramento técnico, formação de pessoal e apoio institucional ao processo de integração do Mercosul. É válido destacar que este acordo representa a primeira atuação independente do Mercosul, enquanto sujeito internacional (MATEO, 2006).

Aliás, o acordo de 1992, apesar do alcance limitado - se comparado com o Acordo-Quadro de 1995 -, foi de fundamental importância para o Mercosul, poisproporcionou boa parte da tecnologia da integração que este bloco necessitou para o desenvolvimento do seu processo de integração, fortemente apoiado pela UE (MATEO, 2006). Ademais, o apoio institucional da UE ao Mercosul foi concedido, igualmente, sob a perspectiva, por parte da UE, de que este processo de integração regional seria capaz de trazer estabilidade política à região. De acordo com o ex- Conselheiro para Assuntos Comerciais da Delegação da Comissão Europeia no Brasil, Jorge Peydro Aznar,76 “a UE pretendia fortalecer o Mercosul enquanto instituição, dado que este poderia trazer estabilidade para a América do Sul”. Conforme ainda o Conselheiro, a UE viu no Mercosul uma instituição similar e entendeu que seu apoio seria importante para fortalecer e desenvolver tal processo

76 Entrevista realizada pela autora em 2006.

de integração, quase que à sua semelhança. Sob este aspecto, destaca-se o poder transformador da UE, discutido no Capítulo 3, por meio do qual este bloco pretende influenciar os demais blocos ou até mesmo replicar o seu modelo de integração para os demais AIRs, como sendo um exemplo de modelo a ser seguido. Foi com esta perspectiva que a UE apoiou, igualmente, desde o início, o processo de integração no Mercosul, ou seja, com a perspectiva de poder replicar o seu modelo para o Mercosul e, quem sabe, caso a experiência fosse bem sucedida, para a América Latina. A intenção da UE de exercer ou influenciar “o mundo”, por meio de seu poder transformador, pode ser também exemplificado por meio dos acordos assinados com os países do Mercosul e com o próprio bloco, como se verá a seguir.