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A atuação política, a denúncia, o escândalo: um grito de resistência

4 A ESCOLA E PRODUÇÃO DA DIFERENÇA

4.2 Travesti e o cotidiano escolar

4.3.3 A atuação política, a denúncia, o escândalo: um grito de resistência

A atuação política veio como algo que as “empodera”, um diferencial nas relações interpessoais: “como também fazia parte do grêmio da escola, também não

tinha esse problema, entendeu?” (Jeane). Além disso, contou que uma pessoa que

fundou o grêmio, na escola, era homossexual assumido e que conquistou um lugar de respeito “lá eu nunca sofri preconceito porque todo mundo sabia que ele era

homossexual (referindo-se ao colega, liderança na escola).”

Nesse âmbito, Xuxa relatou a participação em movimento social LGBTT como um marco para saber seus direitos e adquirir um respeito por parte das pessoas em seu município. Pelo que nos consta, ela assumiu um lugar de liderança entre as travestis do Cabo, sendo referendada, inclusive por políticos e ONGs da região.

Entretanto, ficamos meditativas se a alteração no modo de tratá-la seria por respeito, reconhecimento ou medo de represálias, de processos judiciais?

Com isso, lembramos a discussão trazida por Spivak (2010), que indaga se o subalterno pode falar. Sabemos que a autora não se referia à fala no seu significado coloquial, mas à interrogação da possibilidade de o seu discurso ser escutado e legitimado, devido ao seu lugar social de exclusão .

Desse modo, parece que a via política proporciona o fazer-se conhecida, o se colocar enquanto porta-voz de um grupo que a autoriza e que, consequentemente, legitima seu discurso. Dito de outra maneira, o envolvimento político permite que

possam falar, no sentido de adquirirem um lugar reconhecido de enunciação e esse discurso precisar ser escutado, ser validado. Portanto, a ação política produz efeitos de subjetivação.

Levando em conta a situação de vulnerabilidade das travestis e a dificuldade de criarem uma rede de solidariedade, Peres (2009) priorizou o trabalho em grupo, com foco na discussão de direitos (respaldado na perspectiva dos direitos humanos), tendo em vista uma formação cidadã.

Além da apropriação política de movimentos sociais organizados, na seara da reivindicação de direitos, elas se valem também de denúncias, de reivindicações e de escândalos. Estes diferentes modos de se colocar que sugerem uma postura ativa, de luta, de brigar por seu espaço e por respeito diferentemente do que apregoa o discurso colonizador (que tende restringi-las ao lugar de vítimas e alheias a sua situação de vulnerabilidade), distancia-se e muito dessa visão.

Tanto a denúncia quanto o escândalo eram mais um modo de se posicionar amparadas no estabelecimento da lei, com afirmativas do tipo: “Bota na internet que ele

se ferra” (Nara), ou mesmo quando avisa “Eu poderia lhe processar, você sabia?”

Assim, percebemos a dimensão pública, como disputa pelo uso de um vocabulário, e um discurso jurídico, como estratégia de enquadramento do outro.

Nas falas de Bárbara, a revolta e o escândalo são traduzidos através da expressão “armar barraco.” Ela conta que ter de quebrar objetos, de gritar para chamar atenção e de brigar eram um modo de reivindicar, de se fazer ouvir e lutar pelos seus direitos, por reconhecimento. Destacamos a seguinte situação:

Eu entrei bem no mercado... aí o açougueiro ou sei lá que bexiga ele era danou a mangar de mim. Fui até o dono, era até uma mulher evangélica, aí ela olhou pra mim e disse: também meu filho, você tá vestido assim... Eu disse: é o quê? Pois vou sambar em cima da sua prateleira... deixa o camburão chegar. Sambei! Quando o camburão chegou, contei. Quem ficou com a razão? Eu!

Sobre este assunto, Pelúcio (2009) também observou o escândalo como uma estratégia de preservação, proteção e de reivindicação de direitos comuns entre as travestis. No entanto, ao mesmo tempo em que reclama para si atenção, a posição de Bárbara parece ratificar certo estereótipo de travesti, enquanto bagunça e confusão (FERREIRA, 2009).

Somando essa impressão, recordamos a informação de Luana de que quando as travestis se agrupavam na rua, logo alguém chamava a polícia para sondar o que estavam fazendo e as intimidar. Lembramo-nos também do movimento da Prefeitura do Cabo – relatado pelas participantes – de tentar varrer das ruas (do espaço público), as prostitutas e travestis.

Muitas desaprovavam as atitudes de Bárbara e defendiam uma postura mais adequada, mais educada e polida. Essa reação não era consensualmente boa para as integrantes do grupo, conforme vemos abaixo:

Nara: “Se você quer reivindicar um direito, tem que olhar o direito do outro porque não adianta reivindicar um direito com baixaria

Xuxa: “Concordo”

Diante desse posicionamento, de uma conduta mais correta a ser perseguida, identificamos alguns discursos que buscavam certa “normalização” dos comportamentos, no sentido de haver uma valoração e hierarquia. No subtópico seguinte, desenvolvemos essa ideia.

4.3.4 “Gay normal”?

Um aspecto que nos chamou bastante atenção na fala das travestis foram os critérios de normalidade atribuídos aos homossexuais e travestis. Nesse contexto, a diferença encontrada nas travestis é valorada enquanto doença ou anormalidade a ser evitada. Sabemos que o padrão normativo funciona enquanto parâmetro de humanidade, passando a ideia de uma escala em que alguns humanos que são mais humanos do que outros, principalmente no que concerne às normas de gênero (BUTLER, 2010).

Assim, afirma Jeane: “quando a gente era gay normal...” ou “a

homossexualidade de uma pessoa não interfere nela ser uma pessoa normal.” Essa

escala de normalidade assume uma associação implícita e silenciosa entre a normalidade e uma espécie de doença social, de um mal. Nesse universo, o comportamento precisa ser mensurado, os desvios da curva normal passam a ser vistos dentro do mesmo crivo saúde/doença utilizado pelo saber médico e valorado pelo senso comum, enquanto respectivamente bom/ruim.

A homossexualidade e a travestilidade surgiram como doenças contagiosas a ser evitadas, através do isolamento social. Conforme o enunciado proferido por Bárbara, referindo-se ao modo como às vezes lidavam com ela na escola: “aquele menino é

doente,” como um aviso para não se aproximarem, a doença é associada à

anormalidade.

Para essa discussão, faz-se necessário retomar o clássico livro de Georges Canguilhem O normal e o patológico, no qual salienta: “Não existe fato que seja normal ou patológico em si” (CANGUILHEM, 1982, p. 113). Dito de outra forma, a doença e a normalidade são amparadas em leituras culturais. Para compreender o que se entende por doença no discurso médico, o autor afirma que ela prescinde de duas dimensões: uma individual e outra coletiva. Nas suas palavras: “uma pessoa é doente não apenas em relação aos outros, mas em relação a si mesma” (CANGUILHEM, 1982, p.108). A primeira dimensão, subjetiva e individual, se subdivide em dois fatores: a existência de

pathos “sentimento direto e concreto de sofrimento e impotência, sentimento de vida contrariada” (CANGUILHEM, 1982, p. 106) e enquanto elemento da cronologia (passado melhor e nostálgico e continuidade de mal-estar). Nesse sentido, a homossexualidade tal como disfunção/doença é inserida numa visão de organismo humano bastante matemática, milimetricamente padronizada, na qual o perfeito é tão somente uma idealização.

Algumas reações eram norteadas por essa associação entre normalidade e doença. Como Xuxa nos contou que ocorria na escola: “não bebe no copo dele não, que

ele é gay” ou as orientações de uma mãe evangélica a suas filhas: “se afasta do gay, não

fica perto desse gay... nem senta perto desse gay,” Pessoas ainda hoje se recusam a sentar no ônibus ao lado de Bruna e de Bárbara “Não vou mentir. Eu passo por isso. Se

eu entro dentro do ônibus, sento, tem duas cadeiras vazias, ninguém quer sentar perto

de mim, por preconceito” (Bruna).

A lógica que norteia tais comportamentos parece se utilizar de estratégia semelhante aos períodos de quarentena nos casos de desordens orgânicas em que não há uma explicação, uma causalidade, uma cura, para aquilo que desconhecem e temem. O isolamento social também poderia ser visto como um modo de punir o outro indesejado com indiferença e não reconhecimento.

Vale salientar que a normalidade foi um discurso científico que emergiu nos meandros da estatística e da Medicina como critério entre saúde/doença (CANGUILHEM, 1982). Ele destaca que se tomarmos o conceito de norma pelo viés

estatístico, de média, de mediano, a norma seria, portanto, constantemente impossível. A norma, em sua concepção matemática, é calculada pela média da frequência dos acontecimentos, não os entende enquanto uma constância. Assim, o autor demonstra a fragilidade da articulação da normalidade como oposto de doença, pois a doença seria um acontecimento estatisticamente normal (no sentido de frequente), ao longo da vida. Ademais, Canguilhem (1982) percebe que mesmo numa visão mais tradicional, de cunho biologicista, a qualidade da variedade humana é valorada positivamente, pois confere a sua adaptação em diferentes meios. Ele desconstrói a norma em seu valor de verdade.

Sabemos que a concepção de norma Foucaultiana sofre influência das produções de Georges Canguilhem. Foucault também compreende a norma como algo que define e estabelece crivos e valoração, produz comportamentos e condições ideais. Roberto Machado (1988), notório estudioso e comentador de Foucault, aponta a norma como fundamental no pensamento de Foucault.

Em sua concepção de norma, Foucault a relaciona diretamente à noção de disciplina. Efetivamente, as disciplinas são estrangeiras ao discurso jurídico da lei e da regra compreendido como efeito da vontade soberana. A regra disciplinar é, ao contrário, uma regra natural: a norma. Como escreve Foucault (1975-6, p.45) a respeito das disciplinas, entre o final do século XVIII e início do XIX:

definiram um código que será aquele, não da lei, mas da normalização, e elas se referirão necessariamente a um horizonte teórico que não será o edifício do direito, mas o campo das ciências humanas. E sua jurisprudência, para essas disciplinas, será a de um saber clínico.”

Em suma, a norma corresponde à aparição do biopoder. É o que pode se aplicar, tanto a um corpo que se quer disciplinar, como a uma população que se quer regulamentar.

A partir da discussão acima, poderíamos associar a norma como algo corriqueiro e, em oposição à normalidade, atribuir valores positivos ao que é desviante, por seu caráter inventivo, celebrando a variedade de modos de existir – como proposto na teoria

queer (PRECIADO, 2011; LOURO, 2004). Esse posicionamento diante do que é

diferente e inesperado se aproxima da percepção presente na estilística de Foucault (1995), de que o que é regular e repetitivo torna-se enfadonho e encapsulado, enquanto o desviante é visto como uma potência de transformação, de criatividade.

Observando o movimento LGBTT, Furlani (2005b) percebeu com o fortalecimento desse uma maior visibilidade da homossexualidade nas ruas, nas mídias e a construção de uma identidade gay positivada. No Brasil e no mundo, essa identidade exclui as bichas (homossexuais com trejeitos considerados femininos), as sapatonas (lésbicas consideradas masculinizadas), as travestis, os transhomens e tantas outras formas de ser são ocultadas.

A defesa de um comportamento mais discreto, mais normal se repetia de tal forma que as que não se enquadravam eram por vezes culpabilizadas pela sua exclusão, caminhando no sentido de uma higienização comportamental. Adotando um discurso de cunho moralista, Jeane justifica a aceitação de algumas, não de todas as travestis na escola:

É porque também é assim, veja, é porque também tem a diferença, né? Tem travesti que quer estudar, e tem travesti que aproveita a escola pra estar com cachorrada dentro de banheiro, de estar indo atrás de meninos, tem isso também viu? Por isso que não é assim dentro da escola, aí diz que sofre preconceito.

Na concepção de Jeane para fazer parte da escola, é preciso abdicar de participar de jogos de sedução, da paquera, da “pegação” dentro do espaço educacional. Diferentemente das práticas elencadas na etnografia de Andrade (2012), em que as travestis faziam, mesmo que sorrateiramente, da escola (assim como a maioria das/dos estudantes), um lugar de vivência de prazeres e da sexualidade.

Além do mais, observou-se na escola o afastamento social como represália a um comportamento considerado anormal. Dentro do que seria homossexualidade, ser travesti era inaceitável: “amigos que quando a gente era gay normal eles faziam

questão de estar junto...” (Jeane), demonstrando haver uma escala normativa na qual a

travesti encontra-se mais afastada da curva normal.

Outra forma de enquadramento comportamental foi narrada por Xuxa como um aprendizado do movimento LGBTT: a passagem do uso da briga e de fazer confusão (quase como uma conversão) para a reivindicação de direitos, através de argumentos jurídicos e de condutas mais parcimoniosas.

Nesse sentido, Nadia Novena59 refere-se a uma “homonormatização”, processo no qual as/os homossexuais são lapidadas/os, para se portar com modos mais discretos,

59 Em palestra, durante 1ª Seminário sobre identidades travestis e transexuais, ocorrido em 2013 na UFPE.

sem exageros no jeito de falar, de se mexer, de reivindicar que seriam mais condizentes com os valores vigentes de moralidade.

Processo que identificamos como paradoxal, pois as travestis têm de ser “bem- educadas”, para poder frequentar a escola. Nesse sentido, bem-educada aparece quase como sinônimo de submissas, silenciosas e recatadas. A conexão entre passividade e a educação não é para menos. Veiga-Neto (2008) confere à escola moderna a progressiva aplicação de táticas disciplinares e a valoração da violência como algo repugnante, uma degeneração (mesmo que esse aprendizado ocorra através de atos de violência).

Em suma, trata-se de uma inclusão precária, na qual a pessoa não é integrada em sua particularidade, mas é reenquadrada e precisa fazer muitas concessões para se aproximar do padrão normativo. Neste caso, a presença das travestis não causa profundas transformações e relativização do que seria certo e errado: o repensar das normas de gênero. Pelo contrário, há apenas uma readequação da escola aos imperativos de atender a todas e todos, sem refletir ao menos sobre quem seriam essas pessoas que pretende incluir parcialmente.

(IN) CONCLUSÕES

Com este trabalho, esperamos ter contribuído em alguma medida para o campo da ES, dos estudos de gênero e de sexualidade, ao trazermos algumas reflexões e tessituras, e compartilharmos algumas das inquietações e impressões que nos atravessaram ao longo dessa pesquisa.

Acreditamos ter, minimamente, alcançado os objetivos de investigar e compreender os processos de evasão escolar das travestis, as questões que poderiam contribuir e dificultar a continuidade dos estudos, como também a proposta de analisarmos políticas públicas de gênero e sexualidade.

De modo geral, consideramos que a combinação da análise documental de políticas e das oficinas com as travestis oportunizou um olhar, tanto macropolítico, quanto local. Analisar as políticas de gênero e de sexualidade favoreceu o aparecimento de incongruências, de lacunas e de fragilidades, mesmo em uma ação voltada especialmente para a educação sexual de jovens brasileiros e brasileiras.

Esse cenário nos fez pensar a respeito das distâncias existentes entre os estudos de gênero, numa perspectiva queer e/ou pós-estruturalista e o desenvolvimento das políticas no âmbito educacional. Por conseguinte, este trabalho serviu como uma tentativa de aproximação, entre esses universos, e um convite, um chamado para que outros caminhos sejam tomados nesta direção.

Ademais, o deslocamento proporcionado pela saída das noites da prostituição de travestis e entrada no contexto do grupo favoreceu a discussão das políticas públicas, e parece ter produzido novos discursos. Em outras palavras, a circulação de discursos silenciados e invisibilizados apresenta a potencialidade de ser desarticuladora de uma aparente homogeneidade discursiva sobre as travestis.

Destacamos ainda a alteração nos locais das oficinas, a partir da demanda do campo e iniciativa das participantes, como importante elemento que favoreceu a visibilidade das travestis nos diferentes espaços (ONG Mulheres do Cabo, da Assembleia Legislativa e Secretaria de Educação do município) provocando desdobramentos interessantes com essas aproximações.

Nessa perspectiva, nosso interesse ultrapassava, em muito, os aspectos que costumam capturar as/os guardiãs/guardiães da sexualidade, quais sejam, a fabricação dos seus corpos e de suas práticas sexuais que comporiam uma construção nosográfica

ou identitária. Assim, nos encantava e emocionava escutar/acolher, por exemplo, as repercussões do preconceito em suas vidas, abrindo espaço para emergência de discursos de pessoas que sentem, sofrem, têm necessidades, têm capacidade de pensar suas vidas, de se articularem politicamente, de criarem laços de solidariedade e estratégias de sobrevivência.

Entendemos, portanto, que seria interessante uma ampliação dos investimentos em pesquisas/intervenções que abordem a questão da travestilidade sob outros aspectos, diferentes da vida na prostituição, das suas técnicas de transformação corporal, a fim de nos ajudar a compreender os efeitos da exclusão social, contribuindo para a produção de novas configurações, táticas e técnicas de si.

Este trabalho, outrossim, ofereceu acesso ao discurso jurídico como uma possível ferramenta de aquisição de direitos, de esclarecimentos, de modificações em seus posicionamentos – o que nos leva a pensar na pesquisa como um ato eminentemente político e, como tal, demanda algum retorno mais palpável para a comunidade pesquisada (não no sentido da disposição de soluções imediatistas, mas de uma troca de saberes que as favoreça).

Nesse plano, sentimos a necessidade de mais pesquisas na área da Psicologia que tratem dos aspectos teórico-metodológicos de cunho interventivo, que indiquem caminhos e sugiram novas maneiras de trabalhar.

Por outro lado, consideramos ainda a mudança de perspectiva ao pensar o aparelho escolar a partir daqueles que estão do lado de fora. Olhar a escola a partir dos sujeitos que não estão ou estão precariamente inseridos nela é fazer uma crítica a ela em seu anunciado projeto de educar a todos.

Sobre o cotidiano das escolas, encontramos relatos de violência física, institucional, psicológica, mas também narrativas de acolhimento e de inserção, ainda que contando iniciativas de ordem individual. Apesar de as participantes terem notado uma recente melhora nas condições de permanência em algumas escolas, o uso do banheiro e do nome social continuam sendo zonas conflituosas, denotando a importância do aprofundamento das discussões de gênero relacionadas à presença das travestis.

Saltou aos nossos olhos a condição de insegurança e de liberdade restringida das travestis no Cabo. Medo ao andarem nas ruas, de circularem nos espaços públicos ao longo do dia, dos atos de violência (homicídios) sofridos por colegas homossexuais e travestis no município. Com isso, uma questão, que é anterior ao direito de estudar, se

fez presente: o respeito à liberdade de ir e vir, de terem suas vidas asseguradas. Assim, tornou-se indispensável voltarmo-nos para as políticas públicas que poderiam dar sustentação à sua livre circulação e, mais especificamente, à frequência nas escolas.

Desta feita, sublinhamos o cuidado para não readequar os sujeitos considerados marginais à escola, transformando-os em seres educados, obedientes. Nem ao menos pensamos que todas/todos precisam ser, necessariamente, mestres, doutores, advogados, pensando nos diferentes projetos que se pode adotar (garantindo a instrução educacional formal, se assim quiserem). A partir do contato com essa realidade, julgamos que a presença de travestis na escola pode produzir conflitos. Diante desses problemas, proporíamos incentivar um projeto mais amplo de uma educação transformadora, que exigisse o repensar de verdades.

Ademais, uma educação que busque a criticidade somente pode acontecer em um ambiente que estimule o exercício da liberdade para pensar e para ser. Condição essa em que a laicidade torna-se imprescindível para uma escola de todos e todas.

Do ponto de vista macropolítico, consideramos essencial um maior investimento, sobretudo nos recursos humanos e materiais didáticos. Iniciativas que promovam uma maior divulgação de legislação pertinente; a capacitação ampliada de profissionais da educação sobre diversidade sexual, direitos humanos, sexualidade, gênero; a elaboração de materiais informativos e de sensibilização (cartilhas, cartazes, documentátios, curta-metragens, etc). Para tais objetivos, sinalizamos a indispensabilidade da aproximação com ONGs, serviços governamentais, academia e movimentos sociais, contribuindo também para a construção de políticas, estabelecendo redes de apoio e disparando discussões producentes.

Não obstante, ressaltamos que tanto os conteúdos quanto a forma como essas temáticas estão sendo, de algum modo, trabalhadas na escola, precisam ser revisitados, sob pena ou sob o risco de a ES se tornar (ou permanecer) apenas mais uma disciplina a ser ministrada, com assuntos a serem memorizados em provas e atividades avaliativas obrigatórias. Nesse caso, a ampliação da ES criaria (e cria muitas vezes) mais regras e manuais de conduta, a afirmação de novos e de velhos aprisionamentos, ao invés de problematizar as regras e normas existentes, sem com isso oferecer respostas prontas, prescritivas, mas com o intuito de estimular a reflexão.

Em âmbito local, seria primordial para cada instituição educacional debater com a sua comunidade escolar (docentes, funcionários/funcionárias, gestoras/gestores, estudantes, família) os temas de sexualidade e de gênero, incluídos no cotidiano

institucional. Essa inserção permitiria prevenir, através do diálogo constante, situações de violência de gênero e de orientação sexual e oferecer recursos para a mediação de