• Nenhum resultado encontrado

3 POLÍTICAS DE GÊNERO E SEXUALIDADE NAS ESCOLAS

3.3 Educação Sexual nas escolas

Conforme vimos na História da Sexualidade de Foucault (2011b), a sexualidade já era objeto de interesse e um campo de saber desde o século XIX. No Brasil, de acordo com Maria Rita César (2009), o Círculo Brasileiro de Educação Sexual, fundado em 1933 no Rio de Janeiro, foi um marco da discussão da sexualidade, que tinha claros objetivos higienistas e eugenistas. Desde então, segundo a autora, o discurso da sexualidade nas escolas esteve atrelado ao viés preventivo, buscando a promoção de um sexo seguro.

Na década de 1960, os movimentos feministas, gays, lésbicos, negros e indígenas na América Latina provocaram deslocamentos no discurso sobre o sexo nas escolas brasileiras. Com o golpe militar e sua aliança com a Igreja Católica, porém, houve um retrocesso, pois a discussão sobre o sexo foi banida das instituições escolares (CÉSAR, 2009).

Localmente, Nadia Novena (2005) deparou-se com um vácuo, um silêncio sobre a ES em Pernambuco, o qual problematizou em sua tese de doutorado denominada A Sexualidade na Organização Escolar: narrativas do silêncio, em que buscou resgatar documentos, registros e marcos regulatórios. A autora (2005) também verificou que na década de 1960 havia certa efervescência, mesmo que desarticulada, com ações pontuais e dispersas, sendo executadas por orientadores educacionais em escolas públicas e privadas, mediante palestras voltadas para a prevenção de Doenças

Sexualmente Transmissíveis (DSTs). Todavia, estas iniciativas foram extintas no período da ditadura.

Durante os anos 1980, houve uma retomada em Pernambuco. Foram estipuladas parcerias com a ONG SOS Corpo, com a antropologia da UFPE, com a Secretaria Estadual de Educação e a de Saúde, para pensar a ES, no Estado. A partir deste encontro, surgiram os Fóruns de Educação Sexual no Recife/PE, contando com a participação de docentes e de familiares dos/das estudantes. Houve o engajamento em capacitar professores/as da rede de educação pública estadual, com a realização de seminários temáticos43 ampliados.

Na segunda gestão do governo estadual de Miguel Arraes, em 1995, foram distribuídos materiais didáticos voltados para a ES nas escolas. No entanto, em 1996, ainda segundo a autora, o Programa de Educação Sexual restringia-se a encontros na Universidade Estadual de Pernambuco, voltados para a formação docente.

Do ponto de vista nacional, Helena Altmann (2003) afirma que é somente nos Parâmetros Curriculares Nacionais, em 1996, que pela primeira vez a orientação sexual/educação sexual é inserida oficialmente nos currículos das escolas do país.

Contudo, a inclusão desses temas ocorreu atravessada pela perspectiva epidemiológica, devido ao aumento do número de jovens contraindo HIV/Aids, que teve como consequência o foco na sexualidade como um perigo, um risco e o desenvolvimento de ações de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, aliados à tradicional preocupação com a chamada gravidez precoce (ALTMANN, 2003).

Os trabalhos de Altmann (2003) e de Furlani (2011) verificaram uma tendência nas escolas brasileiras de a ES somente acontecer no período fundamental II, que coincide com as aulas de biologia sobre o funcionamento dos corpos sob um viés biologizante e reprodutivo.

Analisando o PCN, Altmann (2001) percebe que o sexo aparece como algo natural e normal para jovens e adultos. A puberdade surge como um período disparador de desejos, com primazia nos genitais, a ser experienciado somente a dois. O documento reconhece vagamente a influência cultural na construção de uma

43De acordo com Nadia Novena (2005), na realização desses seminários foram envolvidos o Instituto

Materno Infantil de Pernambuco (Imip), a Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), a maternidade da Encruzilhada, o Hospital Agamenon Magalhães e a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj).

sexualidade nesse corpo natural. Apesar de buscar vincular a experiência da sexualidade ao prazer e à vida, concomitantemente se mostra a sexualidade como fruto de perigo de doenças, dor e morte.

Na pesquisa de Quartiero e Nardi (2012), sobre diversidade sexual na escola, verificou-se que os PCN não impactaram no cotidiano escolar por desconhecimento do documento e por não existir uma cultura de trabalho interdisciplinar, havendo ocasionalmente trabalhos individuais e pontuais.

Podemos concluir que mesmo constando como temas transversais nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) e na LDB (2010b), a educação sexual, a discussão de gênero e de diversidade sexual, não ficam muito bem delineadas como seriam trabalhadas nas escolas, por quem, de que maneira. Este hiato é uma abertura para o silêncio conivente, a perpetuação de valores sexistas em que o transversal ganha o sentido de tangencial, ou seja, um assunto que mal é tocado ou o é muito superficialmente.

Mesmo com o consenso dos conflitos que geram a presença de travestis na escola, existe pouca orientação que norteie e legisle a respeito: “A maioria das políticas públicas direcionadas a travestis e transexuais é dirigida para a prevenção de doenças e o combate à exploração sexual, e não para políticas de inclusão na escola e no trabalho” (ANDRADE, 2012, p.226), deixando a critério da gestão e das pessoas envolvidas o encaminhamento dessa acolhida.

Não existem programas de educação continuada, de modo que fica a critério das escolas a realização ou não da discussão dos temas transversais – sexualidade, orientação sexual, gênero (BOHM, 2009). A falta de uma diretriz mais consistente sobre como lidar com a diversidade sexual, portanto, deixa á/ao docente a responsabilidade e o poder de decidir como fazê-lo (REPROLATINA, 2011).

Problematicamente, a pesquisa de Avila et al (2011), com três docentes de escolas públicas na Bahia, reafirma o desconhecimento das diretrizes nacionais sobre a Educação Sexual e descreve a intenção dos/das educadores/as de levar os estudantes para o caminho correto, mostrando os efeitos negativos de suas escolhas deslegitimadas, com forte conteúdo de cunho religioso e moralista.

É preciso ainda considerar que a relação docente-estudante é constantemente atravessada pela pedagogia tradicional, na qual o professor é dono do saber e cabe ao estudante colher os frutos dessa convivência, sustentando uma noção de educação que

impede uma discussão temática de maneira mais profunda, mais reflexiva e aberta (QUARTIERO; NARDI, 2011).

Quartiero e Nardi (2012, p.13) perceberam uma tendência dos/das docentes de transferir a responsabilidade para outros/as profissionais, tidos como mais qualificados. Nesses casos, a psicologia é um saber convocado no uso da ratificação de argumentos patologizantes: “A psicologia é particularmente solicitada neste lugar e buscada pelas/os professoras/professores como uma forma de legitimação segundo um regime de verdades, que traça linhas nítidas entre o normal e o patológico no campo da sexualidade.”

No que concerne aos materiais didáticos destinados à ES infantil em escolas públicas no Brasil, Furlani (2005) revelou a cristalização de estereótipos de gênero e de sexualidade relacionada à norma reprodutiva. Diniz e Lionço (2009) confirmam essa análise, nas mais diferentes faixas etárias escolares.

Na dissertação de Alessandra Bohm (2009), Os “Monstros” e a Escola: identidade e escolaridade de sujeitos travestis, uma travesti sugere a produção de livros infantis que contemplem essa identidade. Xuxa também aponta a importância de se produzir uma cartilha, versando sobre leis, situações de sucesso escolar de travestis e de docentes que são travestis. Além disso, sugere uma matéria que possa discutir e contribuir para incluir a travesti na escola:

Eu acho que as escolas deveriam ter uma matéria, como tem matéria de história, português, eu acho que deveria ter alguma aula... de conscientização, nas escolas, uma temática na escola, sobre a travesti, a inclusão da travesti, na escola. Um debate, um diálogo, com os alunos, que se incluísse naquilo ali pra poder se conscientizar as pessoas do seguinte: que travesti sente dor como qualquer outra pessoa sente, sofre como qualquer outra pessoa sofre, e que não somos diferentes de ninguém, somos iguais a todo mundo.

Ela considera a fase infantil como estratégica de intervenção, por se tratar de um espaço de formação, em que as crianças são mais abertas, sem tantos valores sedimentados e podem ser mais facilmente tocadas por elementos distintos de suas famílias e de suas comunidades.

Nessa mesma direção, Furlani (2011) aponta a escola como um dos primeiros espaços de socialização e defende a ES na infância. Não sob a justificativa de prevenir o quanto antes gravidez precoce e doenças, mas no reconhecimento de que a infância também é lugar de descoberta do corpo, de prazeres e de brincadeiras sexuais. Além do

mais, é possível prevenir situações de abuso sexual, pois a criança teria mais informações e apropriação sobre seu corpo.

Nesse âmbito da ES voltada para o público infantil, a autora (2005) propõe: uma educação que não seja proibitiva; fazer articulação dos saberes científicos aos saberes populares (gírias, expressões usadas pelas famílias) sem atribuir hierarquia entre eles, fazendo correspondências, provocações; questionar a divisão social de gênero; evitar separar brinquedos, jogos, atividades por sexo feminino/masculino. Consideramos que essa proposta poderia ser ampliada para a ES em todas as idades.

Furlani (2005) prefere o uso dos termos pênis e vulva, ao invés do usual pênis e vagina, pelo fato de a vulva ser mais visível e de fácil compreensão para as crianças e se distanciar da noção reprodutiva pênis-vagina. Indaga ainda sobre a fase reprodutiva como uma etapa inerente à vida, devido às diferentes possibilidades de existirmos e propõe a apresentação de variadas configurações familiares possíveis, a importância de desnaturalizar a agressividade e violência como inerente aos meninos.

Outro aspecto relevante é o envolvimento da família na discussão da ES. Problematicamente, Elizabeth Cruz vai notar o silêncio sobre esse tema nas escolas e nas famílias:

Grande parte das escolas também não discute abertamente com alunos (as) e familiares, não pensa propostas educativas com a comunidade escolar. Há uma grande dificuldade para abordar o tema com professores (as) e alunos (as), mas, segundo os relatos, principalmente com a família (CRUZ, 2011, p.76).

Nesse ponto, a Reprolatina (2011) e Maria Eulina Carvalho (2004) sinalizaram a necessidade de serem desenvolvidas ações de integração da escola com a família, de haver pesquisas a respeito do que pensam as famílias sobre a educação sexual nas escolas, de ser aberto um canal de comunicação.

Dentre as legislações, políticas elencadas, analisaremos a intervenção Saúde nas Escolas por ser uma iniciativa interdisciplinar que alcançou capilaridade nas escolas, incluindo a instituição educacional em que uma das pesquisadoras trabalha, onde ela teve acesso ao material produzido e à capacitação com representante da Secretaria de HIV/Aids de Pernambuco para trabalhar Educação Sexual, durante o ano de 2013.