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4 A ESCOLA E PRODUÇÃO DA DIFERENÇA

4.1 Escola, poder e modos de subjetivação

Notadamente, a educação formal entrou no país via instrumento de colonialização. A partir dos estudos de Otaíza Romanelli (2001), na obra História da

educação no Brasil, aprendemos que a sua chegada esteve atrelada à Igreja Católica na

pele dos jesuítas.

A importação de conhecimentos europeus era transmitida em uma relação unilateral, na qual se desenharam dois tipos de educação. Uma educação elementar, com a missão de salvar almas, realizada pelos europeus brancos, voltada para índios, negros, mestiços e filhos não primogênitos dos senhores de engenho (exceto as mulheres), com a finalidade de docilizar seus corpos. Outra endereçada aos primogênitos, futuros patrões, na qual era administrada uma educação especial, para a erudição e gosto literário, completamente desconectada à realidade brasileira, que era complementada pela formação em universidades europeias, com a função de atribuir status social.

No período imperial, a educação formal limitou-se às elites, ligada aos seminários clericais. No entanto, a escolarização passou a ser procurada pelas classes econômicas intermediárias, como veículo de ascensão social, segundo Romanelli.

Logo, visualizamos que inicialmente criada para acomodar alguns, não a todos, a escola foi demandada por novos grupos e para isso teve que assimilar transformações (LOURO, 1997). Ou seja, desde a sua criação, a instituição escolar produziu exclusões e foi tensionada para acomodar mais sujeitos, mais possibilidades.

É interessante ressaltar que, conforme Carlos Noguera-Ramirez (2011), a educação é um termo relativamente recente no contexto pedagógico. Surgiu ao final do século XVII e se organizou entre os séculos XVIII e XIX, sob o paradigma do sujeito liberal ativo, agente de suas vontades e de sua liberdade. Com o surgimento da modernidade, houve um rearranjo e fortalecimento da pedagogia, aliada ao poder disciplinar.

De maneira geral, as instituições educacionais modernas assumiram um papel social pautado no paradigma do liberalismo, diretamente relacionado ao aspecto econômico e de inserção social. Traduzindo-se na promessa de formar cidadãos (sujeitos ou “eus” moralmente autônomos) e de prepará-los para o mercado de trabalho, através da escolarização compulsória (MARSHALL, 2011; VEIGA-NETO, 2000).

No Brasil, com o capitalismo industrial marcado pela nova República e a Revolução de 30 (cem anos após os países desenvolvidos),46 houve a necessidade de maior qualificação de mão de obra,

verificando-se, a partir daí, o fato de a expansão escolar, inevitável, ter-se processado de forma atropelada, improvisada, agindo o Estado mais com vistas ao atendimento das pressões do momento do que propriamente a uma política nacional de educação (ROMANELLI, 2001, p.61).

Os maiores esforços para ampliação do número de escolas na rede pública foram feitos principalmente nos centros urbanos, porém de maneira desarticulada e desorganizada. Essa expansão não ocorreu homogeneamente ou sem o estabelecimento de zonas de estrangulamento, que permanecem até os dias atuais, sobretudo no acesso ao ensino universitário e na valorização da educação tecnicista em detrimento aos conhecimentos das humanidades, ainda segundo Romanelli (2001).

Relacionando esse espaço de formação escolar aos estudos pós-coloniais (PRAKASH, 1994), na universalização da educação, enxergamos a apreensão de conteúdos científicos importados, a pasteurização de sujeitos, a adestração de corpos para o trabalho e para o exercício da cidadania – ideal da Modernidade, pautada na noção democrática de Estado de direitos (DANNER, OLIVEIRA,s.d.).

46 As denominações de países desenvolvidos e países em desenvolvimento passam a mensagem de que se trata apenas de um atraso temporal, encobrindo as relações de exploração subjacentes (ROMANELLI, 2001).

O cidadão produtivo (demanda do modo de produção capitalista) tornou-se o produto final almejado pelas escolas, mas essa missão não resultou na erradicação da desigualdade social, tomando, longe disso, muitas vezes um papel seletivo e excludente: A universalização da escola básica, onde ela aconteceu, significou democratização (limitada) da cultura formal, mas também uniformização cultural; democratização no nível inferior da escolaridade e seleção (baseada em gênero, raça e classe), no nível superior; meritocracia como justificativa para a seleção, e mobilidade social ascendente limitada a códigos culturais específicos. Depois de um século de escola para todos, mesmo nos países ricos, o sucesso escolar não acontece para todos e a escolarização bem- sucedida não eliminou a desigualdade social (CARVALHO, 2004, p.51). A atividade seletiva atuava distinguindo sujeitos mais e menos aptos para exercer tal profissão, solidificando e justificando as desigualdades econômicas. Neste quesito, Foucault, apesar de não ter se detido muito sobre a escola enquanto objeto de análise, teceu importantes contribuições em variados momentos (CASTRO, 2009). Vale destacar as suas análises sobre a função da escola enquanto reguladora da apropriação, de reprodução e da hierarquização de discursos:

A educação se esforça por ser, de direito, o instrumento graças ao qual, em uma sociedade como a nossa, qualquer indivíduo pode ter acesso a qualquer tipo de discurso; sabe-se que ela em sua distribuição contínua no que ela permite e no que ela impede, as linhas que estão marcadas pelas distâncias, as posições e as lutas sociais. Todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo (FOUCAULT, 2012, p.41).

O autor tornou íntima a relação de saber, poder e regimes de verdade, ao longo de sua obra. De fato, a verdade é retroalimentada por sistemas de poder que a produzem, criando regimes de verdade, ao mesmo tempo em que esses regimes atuam, fortalecendo os sistemas de poder (FOUCAULT, 2005b). Podemos citar vários exemplos em que essa articulação é realizada. Um deles refere-se ao poder disciplinar, que foi responsável por criar discursos sobre os indivíduos sobre os quais se debruçava para assim os controlar melhor (FOUCAULT, 2011b). No tocante ao poder soberano, o discurso jurídico é recheado de referência a especialistas que lhe atribuem legitimidade (FOUCAULT, 2010). Já em relação ao biopoder, ele se ampara no discurso biológico para ampliar e melhorar a qualidade de vida dos indivíduos (FOUCAULT, 2008c).

No contexto da articulação entre saber, poder e verdade, coloca-se a instituição escolar em questão, evidenciando sua tarefa primordial de estabelecer crivos,

diferenças, discernir entre o que é ou não importante e legítimo (FOUCAULT, 2012, p.42). Indaga, portanto, a escola tanto em seu papel de selecionar saberes, bem como de exercer poderes sobre os corpos:

O que é afinal um sistema de ensino senão uma ritualização da palavra, senão uma qualificação e uma fixação dos papéis para os sujeitos que falam; senão a constituição de um grupo doutrinário ao menos difuso; senão uma distribuição e uma apropriação do discurso com seus poderes e saberes? A respeito da formação desses corpos produtivos, no tocante aos exercícios de poder, o livro Vigiar e punir descreve toda uma micropolítica e a aplicação de técnicas disciplinares em diferentes instituições, dentre elas a escola (FOUCAULT, 2004). Nesse âmbito, a escola moderna posiciona-se claramente como uma das principais instituições responsáveis por exercer o poder disciplinar sobre os corpos, separando-os, descrevendo-os, examinando-os, docilizando-os, prescrevendo (FOUCAULT, 2004; VEIGA-NETO, 2008).

Semelhantemente ao exército e à fábrica, a escola na modernidade vem moldando comportamentos, através da regulação do tempo, do dispêndio de compensação/punição, do exame contínuo e minucioso dos corpos, dentro de uma lógica de valoração e hierarquização, pautada em uma moralidade:

Na oficina, na escola, no exército funciona como repressora toda uma micropenalidade do tempo (atrasos, ausências, interrupções das tarefas), da atividade (desatenção, negligência, falta de zelo) da maneira de ser (grosseria, desobediência) dos discursos (tagarelice, sonolência) do corpo (atitudes “incorretas”, gestos não conformes, sujeira), da sexualidade (imodéstia, indecência) (FOUCAULT, 2004, p.149).

Todas essas instituições prestam serviço ao que Foucault chamou de sociedade disciplinar, poder característico da modernidade. Nessa mesma direção, Vera Portocarrero (2004) associa os mecanismos de poder disciplinar, de vigilância, à organização da escola, a de um pequeno tribunal a aplicar sanções, corrigir, examinar.

O poder disciplinar em sua ânsia de observar, classificar e tipificar tem como consequência última o estabelecimento de normas e de desvios (FOUCAULT, 2004). No entanto, para além de se ater às diferenças entre normal e anormal, Foucault (2008c) reconheceu na norma um aspecto fundamental, o de critério para o estabelecimento do que é normal e anormal. A norma seria, ao mesmo tempo, um efeito de discursos e do poder disciplinar. Ela é bastante atuante e prescritiva ao delimitar o que é ou não ideal,

desejável ou não. A importância que a norma adquire em sua obra é tamanha que Foucault (2005, p.46) chega a falar em uma “sociedade de normalização” enquanto Butler reconhece o caráter constitutivo de subjetividades na norma (BUTLER, 2010).

Com efeito, a norma marca a transformação de um poder jurídico para uma forma de poder organizada por restrições e mecanismos de regulação (poder disciplinar, característico da modernidade). Vera Portocarrero (2004, p.179) comenta: “A proposta de uma norma é um modo possível de unificação de um diverso, de reabsorção e de regulação de uma diferença.” Processo no qual “as disciplinas vão trazer um discurso que será o da regra: não o da regra jurídica derivada da soberania, mas o da regra natural, isto é, da norma” (FOUCAULT, 2005, p.45). Em suma, a norma surge da intersecção entre a mecânica disciplinar e o discurso da soberania, advém da delimitação do que é correto, melhor e eficiente, e da legislação sobre o comportamento normal que estipula o desvio como crime, perversão, doença (FOUCAULT, 2010).

Em Os anormais, Foucault (2010) descreve como os seres fora da margem considerada normal foram sendo delineados, definidos como categorias alegóricas que demarcam a existência da própria norma, gerando um paradoxo. Para a reafirmação da norma, ressalta-se o desvio como a evocação de um fantasma aterrorizante que edifica a realidade.

Curiosamente, a educação e a norma se vinculam de tal maneira, que as instituições formadoras foram denominadas por um bom tempo de “escolas normais”47 (PORTOCARRERO, 2004), em sua atividade incessante de comparar e estabelecer parâmetros comportamentais:

a escola torna-se uma espécie de aparelho de exame ininterrupto que acompanha em todo o seu comprimento a operação do ensino. Tratar-se-á cada vez menos daquelas justas em que os alunos defrontavam forças e cada vez mais de uma comparação perpétua de cada um com todos (FOUCAULT, 2004, p. 155).

Somando essa visão de escola normalizadora, verificamos no campo educacional, em intersecção com a sexualidade, que havia desde o século XIX a formação de uma equipe de especialistas (pedagogos, médicos, psicólogos, psicanalistas, professores) responsáveis por vigiar e prevenir comportamentos sexuais indesejados (FOUCAULT, 2011b).

47 No Brasil, a primeira escola normal surgiu em 1830, na cidade de Niterói/RJ. Em 1950, havia em torno de 540 escolas normais espalhadas por todo o território nacional (ROMANELLI, 2001).

Segundo esse autor ainda, todos esses profissionais estavam, nessa época, envolvidos na obsessão coletiva de evitar a masturbação infanto-juvenil (chamada de onanismo, tal qual uma doença a ser combatida) e a instituição educacional em sua arquitetura, seu regime de horários, seu cotidiano foi um campo central dessa peculiar batalha.

Aliás, no tocante à disposição arquitetônica, Foucault (2005b; 2011b) descreveu a preocupação em separar os corpos por um critério de sexo biológico e dispor do espaço físico, de modo a facilitar a visibilidade e vigilância, com vistas a evitar condutas reprováveis.

Nesse sentido, o trabalho de Stigger e Wenetz (2006) é bastante ilustrativo, pois ao analisar o recreio em escolas públicas de Porto Alegre-RS observou, recentemente, um esquadrinhamento do pátio, onde o maior espaço livre e os setores esportivos são designados para meninos, repetindo uma lógica de distribuição da esfera pública, como domínio masculino.

Por estar justamente na intersecção entre o saber e o poder, a educação escolar foi considerada uma organização exitosa por Veiga-Neto (2000, p.182) em instaurar a ordem e sedimentar uma representação de ocidente:

O declarado projeto iluminista de escolarização única, universal e obrigatória, está se revelando uma impossibilidade histórica na medida em que ele se insere na lógica da própria Modernidade, uma lógica ambígua que está implicada, de per si, tanto com a domesticação da diferença, quanto com o diferencialismo e a desigualdade e, por consequência, com a exclusão. Nessa linha, o autor põe em questão a escola e seu projeto moderno e iluminista de padronização que leva, necessariamente, à exclusão. As instituições modernas, porém, vêm sofrendo transformações que passam pelo enfraquecimento delas, bem como dos Estados-Nação que geram, por conseguinte, novas estratégias de poder, para além do regime disciplinar (VEIGA-NETO, 2008).

Esse movimento se concatena com a passagem para o modelo do neoliberalismo, caracterizado pelo poder investido no governo dos sujeitos, pela exacerbação das individualidades, produzindo sujeitos-clientes, consumidores estimulados à sensação de ampla liberdade e escolhas (VEIGA-NETO, 2000).

Desde que o mercado passou a regular e esquadrinhar os sujeitos (função similar a do panóptico),48 inauguraram-se novas formas de governo. Uma mais frouxa, voltada para os consumidores, e outra mais rígida, dirigida aos não consumidores. Articuladas a essa modificação de cenário político-econômico, podemos tipificar duas escolas voltadas respectivamente para esses dois segmentos.

A escola privada, gozando de práticas mais sutis de controle dos corpos e potencialização da sensação de liberdade (liberdade-consumo), e a escola pública, com práticas coercitivas mais tradicionais, típicas do poder disciplinar, porém com tendências de abrandamento.

Afinal, no colonialismo contemporâneo, a educação serve não apenas para qualificar trabalhadores, mas para criar novos hábitos de consumo (ROMANELLI, 2001). Pode-se afirmar, portanto, que a escola vem moldando os corpos em direção a uma autodisciplina, aliando-se a uma nova configuração de poder, chamada de biopoder49 ou de governamentalidade (GORE, 1994, MENEZES, 2008, VEIGA-NETO, 2000).

Tal forma de poder (governamentalidade) se exerce através do governo e o controle de si e dos outros, no qual se articulam estratégias micropolíticas de modulação de comportamento dos indivíduos, com vistas a interesses macropolíticos e de ampliação da expectativa de vida, aliando-se ao biopoder (FOUCAULT, 2005b; 2011c). A governamentalidade encontra-se diretamente atrelada às tecnologias do eu50 (GORE, 1994). As tecnologias do eu, por sua vez, são técnicas de si para si, que se empregam nos corpos e os conformam, como o próprio nome indica, trazendo à tona uma ideia de um “eu” ou uma “experiência de si” (FOUCAULT, 2011; 2011c).

Essas tecnologias são recorrentes no âmbito educacional (GORE, 1994; MARSHAL, 2011), no qual as pedagogias produzem, por meio de regimes corporais, manifestações de interno/externo, formas pelas quais as pessoas identificam e são identificadas (GORE, 1994).

Resumidamente, Sílvio Gallo (2008) sintetiza as reflexões em Foucault sobre a escola nas dimensões de saber-ser, ser-poder e ser-consigo. A primeira abarca a

48 O panóptico era uma estrutura arquitetônica, criada por Bentham, que ligava através de canos as diversas celas penitenciárias a uma sala numa torre, para ampliar a sensação de controle e vigilância (FOUCAULT, 2005b).

49 Conjunto de mecanismos que articulam o ser humano a características biológicas e estratégias políticas, com vistas a maximizar e otimizar sua vida (FOUCAULT, 2008c).

50A obra História da sexualidade foi onde Foucault primeiramente ensaiou a respeito de técnicas aplicadas em nós mesmos, denominadas de tecnologias do eu ou de dominação, na busca da descoberta/construção de um “eu” verdadeiro (FOUCAULT, 2011b).

produção de saber, na edificação da ciência enquanto lugar de verdade. A segunda refere-se ao exercício do poder nos corpos, introjetando a dominação, moldando populações e indivíduos com vistas a um “fazer viver” (articulando poder soberano e disciplinar ao biopoder). E a última noção apresenta a produção da relação consigo e a possibilidade de resistências, a partir de práticas de cuidado de si. Todas essas três categorizações se entrecruzam e vão gerando modos de subjetivação.

Desta feita, lembramos a instituição educacional como uma espécie de “máquina de fazer gente,” tomando emprestada a cena ilustrativa do clipe musical da banda inglesa Pink e Floyd “The Wall” (1979), na qual aparecem crianças enfileiradas em uma esteira de linha de produção industrial, entrando numa máquina (simbolicamente a escola) e saindo com os seus rostos deformados, todos iguais.

Dito de outra maneira, a escola é um lugar, dentre outras instituições e dispositivos,51 onde se exerce poder e são produzidas formas de subjetividades (LOURO, 2011). Podemos compreendê-la como um dispositivo devido à sua tarefa no governo, disciplinarização e normalização dos corpos, transformando-os em indivíduos e populações (FOUCAULT, 2005b; 2011b; SILVA, 2011; VEIGA-NETO, 2000).

É um dispositivo, na medida em que funciona como uma “máquina de fazer ver” e falar, o qual possui regras, leis, um modo de funcionar particular de Deleuze (1990). No entanto, a máquina a que especificamente imaginamos trabalha não somente no sentido de homogeneizar, universalizar, mas criando diferenças e hierarquizando-as:

Diferenças, distinções, desigualdades... a escola entende disso. Na verdade, a escola produz isso. Desde seus inícios, a instituição escolar exerceu uma função distintiva. Ela se incubiu de separar os sujeitos – tornando aqueles que nela entravam distintos dos outros, os que a ela não tinham acesso. Ela dividiu também, internamente, os que estavam, através de múltiplos mecanismos de ordenamento, hierarquização (LOURO, 2011, p.61).

A escola serve como mecanismo de separação entre aqueles que têm e não têm acesso a ela e não se encerra nesse crivo, multiplicam-se os marcadores (por faixa etária, por gênero, por raça) e o número de diferenciações dos corpos. Chama-nos a atenção a crítica promovida por Berenice Bento (2011, p.555) à normatização de gênero e da sexualidade na escola, especificadamente no tocante à dificuldade em lidar com as diferenças:

51 Para Tânia Swain (2000), o dispositivo é considerado uma importante ferramenta teórica na compreensão das conformações dos corpos e gêneros.

A escola, que se apresenta como uma instituição incapaz de lidar com a diferença e a pluralidade, funciona como uma das principais instituições

guardiães das normas de gênero e produtora da heterossexualidade. Visto que a escola é por excelência produtora/fábrica de diferenças, quais são aquelas com que ela é capaz de lidar? Apesar de ainda vivermos sob a influência dos

parâmetros modernos, a condição de sujeitos consumidores “livres” favorece a eclosão de novos grupos identitários (VEIGA-NETO, 2000). Todavia, parece que algumas diferenças são mais desejadas do que outras e a escola exerce a separação do que é diferente e do que é normal, do que é desejável/indesejável. A norma pressupõe a separação entre a igualdade e as diferenças, por meio do estabelecimento de seus desvios-padrão.

Sabemos que as diferenças produzidas no espaço escolar são efeitos de variadas técnicas e estratégicas, que através dos discursos que são produzidos, reproduzidos, deslocados na instituição escolar vão demarcando lugares. Nas palavras de Louro (2005, p.88):

Currículos, normas, procedimentos de ensino, teorias, linguagem, materiais didáticos e processos de avaliação constituem espaços de construção das “diferenças” de gênero, de sexualidade, de etnia, de classe. Por meio de mecanismos frequentemente imperceptíveis e “naturalizados”, a linguagem institui e demarca lugares.

É importante esclarecer que compreendemos o currículo como algo muito mais abrangente do que as grades curriculares dos conteúdos programáticos. Ele abarca as ações e reações e fala “[...] da construção de nós mesmos como sujeitos” (SILVA, 2012, p.196), da demarcação de diferenças e hierarquização delas.

O currículo é, ainda, concebido por Furlani (2005) e Silva (2011) como um “campo de luta,” pois não apenas reproduz um saber hegemônico, como também há resistências de saberes inferiorizados na escala social. Nesta perspectiva da escola como potência de transformação, Louro (2001) propõe um currículo e uma pedagogia queer, que se desdobram em um educar que busca desalojar, desestabilizar, ao invés de segmentar e (con)formar cidadãos.

A partir de um olhar pós-estruturalista, a escola para Jirmena Furlani (2005, p.18) encontra-se situada “[...] num contexto social, maior, de rede de saber-poder.” Com esse mesmo viés, Louro (2011) a define enquanto um local no qual se atravessam valores normatizantes e se produz/fabrica identidades de gênero e sexualidade, através

do currículo, da organização do espaço, dos materiais didáticos, dos jogos e das omissões que incidem nos corpos escolarizados.

Na contramão de muitos dos estudos educacionais brasileiros, Veiga-Neto (2008) admite o fato de que em variadas culturas, as crenças, os códigos de conduta e representações são repassados, através de diferentes técnicas e, portanto, relativiza o papel dominador da escola.

Entendemos que a denúncia da escola, aliada à produção e legitimação de desigualdades sociais, pode produzir deslocamentos. Não pretendemos, porém, representar a escola simplesmente como vilã, fonte de todos os males e responsável maior pela opressão dos povos, mas de visibilizar e refletir sobre os seus usos e importância na construção de sujeitos, com a intenção de pensarmos novas práticas educacionais.

Ademais, a cena do clipe “The Wall” na qual o professor/educador exerce seu poder isoladamente e as crianças encontram-se alinhadas em fileiras, simplesmente docilizadas, não corresponde à realidade atual das escolas brasileiras, quando a sensação de liberdade individual precisa ser amplificada, como Lucilla Araújo averiguou: “são vinte, trinta assentos escolares ocupados por vontades individuais que querem se fazer ouvir e impor” (ARAÚJO, 2011, p.107).

Percebemos a escola inserida em um jogo no qual são produzidas, desconstruídas, disputadas concepções de mundo e de modos de viver. Em um convite a