• Nenhum resultado encontrado

A AVALIAÇÃO EMANCIPATÓRIA SAULINISTA

No documento EDUCAÇÃO BÁSICA E PESQUISA VOLUME 1 (páginas 115-120)

Ana Maria Saul foi é uma das principais referências presentes na literatura sobre a avaliação no Brasil, especialmente quanto à unificação das terminologias avaliação e emancipação, resultando na abordagem conhecida como “avaliação emancipatória”.

A ideia da avaliação emancipatória carrega a essência da resistência a um sistema educacional clássico, opressor, e que impulsiona a divisão de classes. Avaliar nesse formato é buscar meios e alternativas num propósito contra-hegemônico e com caráter oposto ao da inércia de um projeto dominante e alienador.

De acordo com Saul (2010, p. 65), a prática da avaliação emancipatória

“caracteriza-se como um processo de descrição, análise e crítica” da educação. O seu intuito é proporcionar que cada sujeito seja autor da “sua própria história e gere alternativas de avaliação”. Esta abordagem avaliativa contém dois objetivos: o primeiro é dar luz ao campo da consciência crítica e epistemológica para um novo mundo. Saul (2010) afirmava que esta projeção se preocupa com a perspectiva futura, de acordo com a criticidade autoalimentada dos conhecimentos pedagógicos trabalhados. O segundo objetivo da abordagem é auxiliar a construção de um caminho mais sólido na educação, apostando na coletividade dos sujeitos para superar as inúmeras barreiras do cotidiano educacional.

O próximo ponto da base que fundamenta a avaliação emancipatória de Saul é denominado de “crítica institucional e criação coletiva”. Esta parte é um processo mais amplo, contendo como ponto fundamental a aplicabilidade de instrumentos que levem à conscientização dos sujeitos, aproximando-se de uma das reflexões do pensamento freireano. Esta é “a mola de uma pedagogia emancipadora em membros [...] tratados como seres autodeterminados” (SAUL, 2010, p. 58).

Conforme Saul (2008), a fundamentação teórico-metodológica da avaliação emancipatória é baseada em princípios educacionais de Paulo Freire, como:

“disponibilidade para o diálogo, criatividade, criticidade, respeito aos saberes dos educandos, saber escutar, humildade, tolerância e convicção de que a mudança é possível” (SAUL, 2016, p. 58).3

Na pedagogia freireana, de nada vale a ação sem que haja um ser consciente na sua essência.4 A conscientização, de acordo com Saul (2008), é o fator determinante para uma proposta educativa que considere a avaliação emancipatória.

A conscientização se mantém através do diálogo, ao basear-se em ações dialéticas entre os seres humanos. Nessa proposição, existiria a necessidade de estar articulada junto ao contexto histórico da prática educativa, conectando-a também com a criticidade, a estética, a curiosidade, a criatividade, entre outros eixos. Dentro do pensamento freireano, conforme Freitas (2016),

3 Grifos da própria autora (SAUL, 2016).

4 Assim como todo ato avaliativo contém ação, haja vista o sufixo final da palavra avaliação.

115

João Luís Coletto da Silva AVALIAÇÃO EMANCIPATÓRIA...

a conscientização, compreendida como processo de criticização das relações consciência-mundo, é condição para a assunção do comprometimento humano diante do contexto histórico-social.

[...] É através da conscientização que os sujeitos assumem seu compromisso histórico no processo de fazer e refazer o mundo, dentro de possibilidades concretas, fazendo e refazendo a si mesmos.

(FREITAS, 2016, p. 88).

Além dessa busca do conscientizar-se, Freire (2014b, p. 118) reflete que o diálogo é o quesito para um caminho com maior amorosidade na avaliação e para uma verdadeira prática libertadora que enfatize o “falar com”, pois isso proporciona o pensamento crítico. De acordo com Saul (2010, p. 59), o diálogo, na perspectiva de Paulo Freire, é “a condição para uma comunicação, e esta condição para uma verdadeira educação” (emancipadora).

O diálogo entre professoras ou professores e alunos ou alunas não os torna iguais, mas marca a posição democrática entre eles ou elas. Os professores não são iguais aos alunos por n razões, entre elas, porque a diferença entre eles os faz ser como estão sendo. Se fossem iguais, um se converteria no outro. O diálogo tem significação precisamente não apenas com sua identidade, [...]. Diálogo, por isso mesmo, não nivela, não reduz o outro. (FREIRE, 2014a, p. 162).

Delineando a importância de uma relação dialógica e amorosa estar presente e difundida mais vezes, outra parte da etapa “crítica institucional e criação coletiva”, da avaliação emancipatória, se constituiria por três momentos amplos na sua composição.

O primeiro passo é denominado de “expressão e descrição da realidade”. A ideia que envolve sua funcionalidade seria a composição de um material que facilite a compreensão da realidade para os sujeitos que vivenciam as distintas situações daquele ambiente. Seus objetivos dentro da escola visam direcionar uma melhora avaliativa e de ensino através dos movimentos interiores a que as escolas estão expostas quanto às suas impossibilidades, querendo corrigi-las; projeta um olhar da própria instituição, mas, também, para além da mesma, conectando-a com a sociedade e o mundo (SAUL, 2010).

O segundo momento trata-se da “crítica do material expresso (recuo crítico)”.

Nela, aborda-se a reflexão crítica após a ação diagnosticada anteriormente pelos sujeitos da escola. Novamente, a conscientização está à tona e, através dela, se proporcionaria aos sujeitos uma visão mais realista do que podem alcançar e até onde conseguem movimentar-se, institucionalmente, em suas propostas pedagógicas.

Busca, ainda, não se desvincular do seio social, contextualizando aspectos e ações do interior da pedagogia, como métodos, finalidades, objetivos, programações,

organizações, modos de convivências e distintas relações, dentre outros (SAUL, 2010).

A terceira e última etapa desse momento é a “criação coletiva”. Esta objetiva o afunilamento sobre as modificações fundamentais e reprogramadas de modo coletivo pelos sujeitos, visando à avaliação. O documento em que deve estar sua defesa é o Projeto Político Pedagógico, constando a maneira projetada pelos grupos, nos quais cada membro, além de participar solidariamente, deve encarar como obrigatória cada decisão tomada pelo grupo. Segundo Saul, dentro das escolas, essa etapa oportuniza aos sujeitos a autonomia, a criatividade e a sua participação social, como elementos importantes e necessários do processo. Tais indivíduos devem responder, na construção do documento, a três questões: “que tipo de homem (sic) se quer formar e com que meios? Que tipo de sociedade se deseja? O que a escola pode e deve fazer, considerando a realidade em que está inserida?” (SAUL, 2010, p. 61-62).

De modo geral, a “crítica institucional e a criação coletiva” objetivam desenvolver em seus sujeitos princípios de conscientização e dialogicidade, nos quais “seus limites e autênticas e desejadas finalidades” devem “encontrar soluções criadoras para os problemas identificados” (SAUL, 2010, p. 62).

O terceiro e último ponto da base teórico-metodológica da avaliação emancipatória de Saul é a “pesquisa participante”, que, historicamente, se consolidou como método científico predominantemente a favor das classes sociais desfavorecidas. A mesma etapa visa compreender, na realidade, os entraves e as possibilidades que as comunidades vivenciariam.

Segundo Saul (2010), para a emergência de uma avaliação emancipatória devem ocorrer a compreensão e a prática de quatro conceitos estruturantes:

Quadro: Conceitos estruturantes da avaliação emancipatória na obra de Saul (2010):

ETAPA CONCEITOS SIGNIFICADOS E AÇÕES

EMANCIPAÇÃO

Consciência crítica e emersão de alternativas para um processo que se diferencia do movimento clássico do contexto avaliativo.

DECISÃO

DEMOCRÁTICA

Participação responsável de todos os sujeitos sobre o todo do projeto educativo, bem como da avaliação.

TRANSFORMAÇÃO

Conecta-se ao contexto social, político e às decisões elaboradas anteriormente, de maneira crítica, para qualificar-se.

CRÍTICA EDUCATIVA

Visa o replanejamento educacional, com a ideia de alimentar os elementos qualitativos (processos) sobrepostos aos quantitativos (produtos), mas não os recusando. Também objetiva um trabalho mais coerente aos próprios participantes no seu seio educacional.

Fonte: ilustração elaborada por Silva (2017, p. 96), com base em Saul (2010).

117

João Luís Coletto da Silva AVALIAÇÃO EMANCIPATÓRIA...

Os caminhos conceituais e as práticas avaliativas emancipatórias podem ser distintos, dependendo da abordagem pedagógica. A avaliação emancipatória, na perspectiva de Ana Maria Saul, tem um percurso inicialmente projetado no âmbito do Ensino Superior. Contudo, a proposta de avaliação emancipatória tem como intenção romper com os paradigmas clássicos de uma educação/escola dominante, através de objetivações que direcionem a movimentos conceituais e práticos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entre o universo do “chão” escolar e os pressupostos envolvidos nas conjunturas educativas, existiria a necessidade de os sujeitos se envolverem integralmente na luta epistemológica emancipadora, conforme Saul delineia na proposta de avaliar e Freire propõe essa conscientização de ensino conectada com o fundamento avaliativo na escolaridade. Na intenção conceitual e metodológica da avaliação emancipatória, considera-se que as escolas se autoalimentem dos princípios pedagógicos enaltecidos por Paulo Freire e Ana Maria Saul, defendendo uma educação emancipadora. Por meio das contribuições de ambos pensadores, a ideia central da avaliação emancipatória deve buscar forças para ganhar maiores espaços na atual conjuntura da educação pública brasileira. Sendo assim, se fazem necessários outros aprofundamentos e massificações contemporaneamente, dando continuidade à temática dessa abordagem de avaliação (educação) emancipatória.

REFERÊNCIAS

AMBROSINI, T. F. Educação e emancipação humana: uma fundamentação filosófica.

Revista HISTERDBR On-line, Campinas, n. 47, p. 378-391, set. 2012. ISSN: 1676-2584.

ARELARO, Lisete R. G.; Ousar resistir em tempos contraditórios: a disputa de projetos educacionais. In: LOMBARDI, J. C. (org.). Crise capitalista e educação brasileira.

Uberlândia, MG: Navegando Publicações, 2016. p. 47-60.

CIAVATTA, Maria. Emancipação: A historicidade do conceito e a polêmica no processo real da existência humana. Trabalho Necessário, Ano 12. nº 18, 2014. – Disponível em: http://www.uff.br/trabalhonecessario. Acesso em: 20 jul. 2016.

COCCO, E. M.; SUDBRACK, E. M. Avaliação no contexto escolar: regulação e/ou emancipação. IX APEND SUL, Seminário de Pesquisa em educação da região sul, 2012.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido/Paulo Freire; prefácio de Leonardo Boff; notas de Ana Maria de Araújo Freire. 21.ed. São Paulo: Paz e Terra, 2014a.

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 38. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2014b.

FREITAS, Ana Lúcia Souza. Conscientização In: Danilo R. Streck, Euclides Redin, Jaime José Zitkoski (org.). Dicionário Paulo Freire. – 3. ed. – Belo Horizonte:

Autêntica Editora, 2016. p. 88-89.

LIMA, Letícia Conceição de Almeida. Avaliação emancipatória – um projeto político-pedagógico de exercício da cidadania como processo de educação. CADERNOS DE ESTUDOS E PESQUISAS, ano IX, n. 21, p. 59-65, 2004. ISSN 1517-5758.

MEDEIROS, Isabel Letícia Pedroso; LIMA, Maria de Guadalupe de. Avaliação:

instrumento do direito de todos à aprendizagem. In: AZEVEDO, José Clóvis de; REIS, Jonas Tarcísio (org.). O ensino médio e os desafios da experiência: movimentos da prática. 1. ed. São Paulo: Fundação Santillana: Moderna, 2014. p. 93-114.

MOREIRA, Carlos Eduardo. Emancipação In: STRECK, Danilo R.; REDIN, Euclides;

ZITKOSKI, Jaime José (org.). Dicionário Paulo Freire. – 3. ed. – Belo Horizonte:

Autêntica Editora, 2016; p. 145-147.

ROMÃO, José Eustáquio. Educação. In: STRECK, Danilo R.; REDIN, Euclides;

ZITKOSKI, Jaime José (org.). Dicionário Paulo Freire. – 3. ed. – Belo Horizonte:

Autêntica Editora, 2016; p. 133-134.

SAUL, Ana Maria. Avaliação emancipatória: desafio à teoria e a prática de avaliação e reformulação de currículo. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2010.

SAUL, Ana Maria. Avaliação. In: STRECK, Danilo R.; REDIN, Euclides; ZITKOSKI, Jaime José (org.). Dicionário Paulo Freire. – 3. ed. – Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2016; p. 57-58.

SAUL, Ana Maria. Referenciais Freireanos para a prática da avaliação. Revista de Educação PUC-Campinas, Campinas, n. 25, p. 17-24, novembro 2008.

SILVA, João Luís Coletto da. A avaliação emancipatória do Ensino Médio Politécnico:

um estudo de caso sobre abordagens da educação física escolar. Dissertação (Mestrado em Educação). Santa Cruz do Sul, Programa de Pós-Graduação em Educação, UNISC, 2017.

FORMAÇÃO CONTINUADA: (RE)SIGNIFICANDO O PENSAR

No documento EDUCAÇÃO BÁSICA E PESQUISA VOLUME 1 (páginas 115-120)