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1 SER PROFESSOR A PARTIR DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

No documento EDUCAÇÃO BÁSICA E PESQUISA VOLUME 1 (páginas 78-81)

A atividade de docência é pautada pelo contato com o outro ser humano, dessa forma, o exercício de ser professor deve refletir uma relação de respeito na qual o professor se coloca no lugar do aluno para buscar o estabelecimento de uma relação ética. O desenvolvimento desse contato entre professor e aluno deve ser sempre pautado pelo respeito e a ética deve ser o norte da relação. Os alunos precisam se sentir acolhidos pela escola e suas diferenças respeitadas para que seja possível a criação de uma autoestima positiva, que lhes dê amparo para a vida, para que possam se sentir seguros e desenvolver as suas habilidades de forma plena e saudável.

É nesse sentido que a Resolução nº 4, de 13 de julho de 2010, define as diretrizes curriculares nacionais gerais para a educação básica, e em vários momentos do texto refere a importância do respeito à pluralidade, à liberdade, à diversidade, à justiça social, à solidariedade e à valorização das diferenças. No artigo 11, parágrafo único,

1 Marisa Fernanda da Silva Bueno, Mestre e Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UNISC. Bolsista PROSUC/Capes.

2 Andreza Estevam Noronha, Mestre e Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UNISC. Bolsista PROSUC/Capes.

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a Resolução é taxativa ao enunciar a necessidade de acolhimento e aconchego, que garanta o bem- estar de crianças, adolescentes, jovens e adultos. Ora, se a escola é o espaço responsável pela formação e pelo preparo para a vida adulta e para o trabalho, para a formação de pessoas capazes de fazerem suas escolhas sociais e de participarem da vida política da comunidade, deve ser o lugar onde essas pessoas se sintam plenas, respeitadas e onde tenham acesso a uma vivência digna e saudável.

A Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988) estabelece, no seu artigo 1º, os fundamentos da República Federativa e, no inciso III, inclui a dignidade da pessoa humana como um dos pilares do Estado Democrático de Direito (BUENO, 2015, p. 46). Portanto, o norte da dignidade deve conduzir o “agir” humano, o respeito à vida do ser humano, à sua integridade física e mental, à sua liberdade, ao seu direito de autodeterminação e ao seu direito à igualdade perante os demais seres humanos (SILVA, 1996, p. 105).

A dignidade, além da sua conotação intrínseca, tem um caráter intersubjetivo, cujo pressuposto viabiliza um comprometimento de respeito mútuo da dignidade,3 dessa forma, as pessoas só terão a sua dignidade respeitada à medida que participarem de uma comunidade onde as relações primem pela observância da dignidade de cada um (SARLET, 2005, p. 16).

De acordo com esse raciocínio, a dignidade deve ser respeitada pelo Estado, pela comunidade e por todos os sujeitos individualmente, ou seja, tem um caráter político, recíproco e dinâmico.

Onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças. (SARLET, 2005, p. 35).

A Resolução nº 4, de 13 de julho de 2010, ao definir as diretrizes curriculares nacionais gerais para a educação básica elenca os valores importantes para o convívio escolar, como o respeito à pluralidade, à liberdade, à diversidade, à justiça social, à solidariedade e à valorização das diferenças. Ora, se a dignidade é um princípio consagrado na Carta Magna, todos os documentos proclamados no Brasil

3 O conceito de respeito também se encontra expresso nos estudos kantianos, como o reconhecimento recíproco da dignidade, da humanidade em si e nos outros. Respeito significa uma espécie de amor impessoal, “não patológico”, como diz o mesmo Kant. Na ideia de respeito encerra-se uma forma de reconhecimento, de consciência refletida da minha identidade na identidade dos outros (LOPES, 2000, p. 86-87).

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Marisa Fernanda da Silva Bueno, Andreza Estevam Noronha A ÉTICA DA ALTERIDADE E A ESCOLA

e relacionados à educação devem respeitá-la e devem estar de acordo com os seus preceitos. Nesse sentido, para haver efetividade, reconhecimento e respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, é necessário que ocorra cooperação entre os vários participantes da comunidade escolar, tanto para o seu exercício, quanto para a promoção da aprendizagem pedagógica desse princípio tão importante na trajetória da humanidade e na defesa dos direitos humanos e da justiça social.

Para se falar em respeito à dignidade, é preciso caminhar em direção ao agir ético e responsável: só há possibilidade de aplicação do princípio da dignidade da pessoa onde as relações sejam pautadas pela ética e com respeito ao outro. A ética da alteridade é uma filosofia estudada por Emmanuel Lévinas, na qual a ética se torna a filosofia primeira, ou seja, todas as relações devem ser sempre pautadas pela ética.

Lévinas nasceu na Lituânia, era de origem judaica – a sua família imigrou para a Ucrânia e, depois, para a França. Suas inspirações foram Tolstói, Dostoiévski, Heidegger e Husserl. Esses dois últimos influenciaram suas grandes obras com a fenomenologia e a ontologia. Entretanto, Lévinas inaugura um estudo filosófico no qual a ética se torna a filosofia primeira e propõe uma virada ontológica, na qual o outro ocupa o lugar central: a “vida é relação, é abertura ao rosto do outro” (HADDOCK-LOBO, 2006, p. 39).

1.1 Mas o que quer dizer essa abertura para o rosto de outrem?

Ao estudar a ética como filosofia primeira na relação entre os seres humanos (DERRIDA, 2004, p. 26), o filósofo lituano-francês a coloca em primeiro plano, no âmbito do dever de responsabilidade ilimitada do ser humano para com os demais seres. Pelo princípio da responsabilidade ilimitada, o ser humano preocupa-se consigo mesmo e com o outro, numa dinâmica recíproca e coerente. O contato com o rosto ou visage significa olhar e sentir o outro, se abrir para o infinito e não simplesmente passar pelo outro sem se deixar tocar pela sua presença.

Nessa perspectiva, Lévinas menciona o encontro com outrem como algo que viabiliza a ampliação do olhar e da percepção, e essa amplitude é deslocada para o além, de forma a proporcionar um aumento da responsabilidade. Esse encontro implica uma nova percepção da relação pessoal entre ‘eu’ e o ‘outro’, o “encontro do rosto de outrem” (LÉVINAS, 2004b, p. 269). É um movimento que promove o acolhimento do outro; “como ele se abre ao infinito do outro, ao infinito como outro que o precede, de alguma maneira, o acolhimento do outro já será uma resposta:

o sim ao outro já responderá ao acolhimento do outro, ao sim do outro” (DERRIDA, 2004, p. 41). Derrida explica que a intenção de Lévinas foi mostrar a mudança de enfoque na perspectiva filosófica a partir da ontologia, ou seja, o sim é dado pelo outro, e não por mim (DERRIDA, 2004, p. 41).

Nesse contexto, a ética da alteridade de Lévinas é uma nova possibilidade de lógica filosófica entre o ser e o outro, uma relação responsável que se abre ao infinito.

É nesse sentido que Pivatto explica que “A ética torna-se o eixo fundamental porque contém e revela a possibilidade e a realidade do além do ser e da identidade do mesmo como transcender para o outro numa realidade responsável que Lévinas chama de alteridade” (PIVATO, 2001, p. 88). Então, o novo, que vem a partir da ética da alteridade, é sempre uma relação responsável e ética, comprometida com o rosto do outro, os seus sentimentos, o seu olhar.

É, pois, a ética da alteridade uma filosofia que serve muito bem para a experiência empírica do princípio da dignidade da pessoa humana, como exercício para os atores sociais envolvidos com a escola pensarem sobre o acolhimento dos alunos, sobre o respeito das diferenças e a necessidade de abertura da escola para o outro.

2 RELATO DE EXPERIÊNCIA: CURSO DE ÉTICA DA ALTERIDADE NA

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