• Nenhum resultado encontrado

2. Tutela Jurídica Internacional

2.4. A Carta da Organização Africana

No âmbito da Organização da Unidade Africana, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos178 (também conhecida como Carta de Banjul) aprovada em 1981, reconhece o direito à decisão em prazo razoável179.

Sofrendo influências da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (1950) e da Convenção Americana dos Direitos Humanos (1969)180, ordenou expressamente que

175

SOUSA, Constança Urbano de, «A vigência do direito comunitário na ordem jurídica portuguesa»,

O direito e a justiça em ação: Portugal no ordenamento jurídico internacional, Janus 2004: anuário de

relações exteriores, pág. 129.

176 Sobre isso, vide, o sítio <http://curia.europa.eu/jcms/jcms/j_6/pt/>.

177 Publicado na Coletânea de Jurisprudência, pág. I-8485, que veio confirmar o entendimento do

Parecer 2/94, de 28 de Maio de 1997, Processo C299/95. Coletânea de Jurisprudência, n.º 14, pág. 2629. Tratou-se de um processo que demorou 5 anos e 6 meses, contando a fase judicial, perante o tribunal de 1.ª instância. O Tribunal de Justiça interpretou o caso em traços gerais ao que sucede com o TEDH, tendo reconhecido que tratou-se de um caso de violação do direito à decisão judicial em prazo razoável, e anulou a decisão do tribunal de 1.ª instância, no que respeita a parte que fixava o montante da coima aplicada ao recorrente. Na sequência atribui ao recorrente uma reparação equitativa pela excessiva duração do processo.

178

Doravante só CADHP ou Carta.

179 Passaram quase 33 anos desde a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948,

para que os Estados Africanos decidissem comprometer-se regularmente com a proteção dos direitos humanos, através de um sistema próprio de direitos humanos. Este tratado é o primeiro instrumento africano de direitos humanos que fizeram para alcançar a independência, principalmente durante os anos sessenta, que dificilmente seria possível a afirmação dos direitos humanos na áfrica pré colonial. Até então, os direitos humanos eram exercidos pelas Nações Unidas que teve um papel fugaz no processo de negociação dos Estados para adoção da Carta, devido as fortes pressões. ÁLVAREZ, Yuiria Saavedra,

«El Sistema Africano de Derechos humanos Y de Los Pueblos», Anuario Mexicano de Derecho Internacional, Vol. III, (Instituto de Investigaciones Jurídicas Unam), 2008, págs. 672-673. Sobre isso,

vide, também, ANDRADE, José, «El sistema africano de protección de los derechos humanos y de los pueblos», Serie: Estudios Básicos de Derechos Humanos, Vol. VI, 2002, págs. 449 e segs, HANSUNGULE, Michelo, African courts and the African Commission on Human and Peoples Rights, 2010.

71

todos os cidadãos têm direito a ter um processo justo e equitativo, mormente o direito à tempestividade processual, no âmbito de garantias mínimas relativas ao processo, afirmando no art. 7.º al. d) que toda a pessoa acusada tem «o direito a ser julgada num

prazo razoável por um tribunal imparcial.

Em conformidade com a natureza existencial do sistema europeu e do sistema interamericano, o sistema africano de proteção dos direitos humanos surge, também, como uma plataforma ativa de construção, monitorização, promoção e efetivação de mecanismos de proteção dos direitos dos homens e dos povos no continente africano, essencialmente através da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos181.

Tendo sido a Carta da Africana assinada por Cabo Verde a 31 de Março de 1986 e ratificada a 02 de Junho de 1987, caracteriza-se como a semente da exigência expressa da celeridade processual no ordenamento jurídico cabo-verdiano.

Assim sendo, antes mesmo da inserção expressa desse direito, no texto constitucional, o mesmo já vigorava em Cabo Verde por força de tratados sobre os direitos humanos dos quais Cabo Verde é signatária.

A Constituição cabo-verdiana logo no seu art. 11.º, n.º 5 faz menção expressa do

dever de colaboração do Estado à União Africana na resolução pacífica dos conflitos e para segurar a paz e a justiça internacional, bem como o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais. Nesta medida, o sistema judicial cabo-verdiano

está obrigado a garantir aos seus cidadãos o direito de acesso à justiça, em toda a sua plenitude, inclusive, ao direito a que toda a causa submetida ao tribunal para a sua apreciação respeitar o prazo razoável.

A institucionalização deste direito na CADHP assenta na ideia de que é necessário conciliar todos os direitos inerentes ao processo, donde resulta que o processo não pode ser motivo de descrença nos poderes instituídos e nem constituir-se como garantia de impunidade. Os julgadores têm de cumprir as etapas processuais necessários, em regra, na lei, respeitando o mínimo aceitável de duração, sem ferir nenhum dos princípios «sagrados» que estruturam o Estado de Direito Democrático.

Para garantir o respeito pelo cumprimento dos direitos tutelados na CADHP, foi necessário criar dois órgãos, por um lado a Comissão Africana do Direitos Humanos182

180 ÁLVAREZ, Yuiria Saavedra, ob. cit., pág. 675.

181 Assim, NASCIMENTO, Giliardo, A Comissão Africana dos Direitos humanos e dos Povos como

principal meio de controlo e proteção no Sistema Africano, Lisboa, ISCSP - UL, 2015, pág. 2.

72

e dos Povos (art. 30.º e segs. da CADHP)183 que, não sendo um órgão judicial deveria funcionar apenas como sendo de índole técnico, jurisdicional e político, e por outro, lado o Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos (TADHP ou Tribunal Africano).

O TADHP184 foi criado pelo Protocolo à Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos sobre o Estabelecimento de um Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos, adotada em Burkina Faso, a 10 de Junho de 1998 que, segundo o disposto no número 3 do artigo 34.º do Protocolo que o criou, entraria em vigor depois do décimo- quinto instrumento de comprometimento (ratificação ou adesão), que aconteceria em 24 de Janeiro de 2004. Este tribunal tem a sua sede em Arusha, na Tanzânia, tem competência consultiva e contenciosa, complementando a dimensão de proteção do mandato da Comissão Africana.

Os requisitos de admissibilidade dos casos trazidos ao tribunal são quase idênticos aos outros estabelecidos no direito internacional e estão previstos no art. 56.º da Carta Africana, nos termos dos arts. 6.º e 34.º, n.º 6 do Protocolo.

Acresce que, só será admissíveis as petições de que o Estado contra o qual a denúncia é feita ou o cidadão é originário tenha feito uma declaração nos termos do art. 5.º, n.º 3 do Protocolo do tribunal, expressando a aceitação da competência do tribunal para receber essas reclamações (através da sua ratificação), o que não é o caso de Cabo Verde.

Não obstante, a operacionalidade deste tribunal tem sido um fracasso, o seu primeiro e único acórdão conhecido foi em 2009. A morosidade no processo de ratificação do Protocolo que o criou, e a previsão da existência de um Tribunal de Justiça da União Africana, constituem um entrave na sua existência. Diríamos que no caso do funcionamento em pleno deste tribunal, seria o caso de estudar melhor a possibilidade de Cabo Verde aderir ao Protocolo, pois seria mais uma forma de garantir

183 A Comissão Africana dos Direitos do Homem e dos Povos é o órgão responsável pelo controlo da

aplicação da Carta, composto por 11 peritos independentes com assento a título pessoal. Foi criado pelo artigo 30.º da Carta Africana, com mandato para: «promover os direitos do Homem e dos povos» e «assegurar a respetiva proteção em África». Vide, Cf. NASCIMENTO, Giliardo, ob. cit., págs.7-8. TAVARES, Raquel, O sistema africano de proteção dos direitos humanos, Centro de Comunicação e Direito Comparado. Disponível em <http://direitoshumanos.gddc.pt/2_3/IIPAG2_3_1.htm>. Consultado em: 21 de Dez. 2016.

184 Para mais informações, vide, entre outros, KEETHARUTH, Sheila B. Hechos Destacados Del

Sistema Africano De Derechos Humanos Con Especial Referencia Al Tribunal Africano De Derechos Humanos Y De Los Pueblos. 2008. Também, o sítio: <http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos- internacionais-dh/tidhuniversais/tpi-estatuto-roma.html>.

73

a proteção efetiva dos direitos constitucionais dos cidadãos, mormente o direito a uma decisão em prazo razoável, saindo da supremacia nacional dos tribunais cabo-verdianos. Pelas razões já ditas, a Comissão Africana continua a desempenhar um papel preponderante como um único mecanismo operacional de controlo dos compromissos aceites pelos Estados no domínio da proteção dos direitos humanos no sistema da União Africana e consequentemente com uma instituição com funções «quasi-judicial» 185.

É importante ressalvar que a Carta não faz menção a comunicação ou petição «individual» – como sucede por exemplo com a CEDH – simplesmente faz menção entre aqueles Estados e «outras». A expressão «outras comunicações» a que se refere o art. 55.º da Carta Africana e 102.º a 120.º do Regulamento da Comissão são aquelas apresentados por sujeitos distintos dos Estados, como por exemplo, pessoas – individuais ou coletivas –, organizações não-governamentais, etc.186

Uma vez recebida a comunicação e estudado o caso a Comissão na sua decisão de mérito pode elaborar recomendações aos Estados responsáveis para tomar a medidas necessárias para reparar a violação. Todavia, a Comissão por não ser um órgão jurisdicional não tem as suas recomendações força vinculativa, portanto o cumprimento das suas recomendações dependem em certa medida da boa disposição do Estado em questão187.

Nos primeiros anos a Comissão simplesmente declarava violado os direitos na Carta. Atualmente a Comissão começou a assinalar recomendações, contudo esta prática não é frequente. Ademais só pouquíssimos casos de reparação ordenados foram de carácter económico, pois ultimamente a Comissão tem-se demonstrado a vontade de tomar medidas mais ativas e insistentes188.

No que respeita ao dever de reparação é importante referir que nem a Carta Africana nem o Regulamento da Comissão fazem menção expressamente que a

185 NASCIMENTO, Giliardo, ob. cit., pág. 8.

186 Para que uma comunicação possa ser apreciada, é necessário que os seguintes requisitos se

encontrem preenchidos: a comunicação deve indicar o seu autor; deve ser compatível com a Carta da OUA e com a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos; não pode estar redigida «em linguagem ultrajante ou insultuosa»; não pode «basear-se exclusivamente em notícias difundidas pelos meios de comunicação social»; só pode ser apresentada depois de esgotadas todas as vias internas de recurso, «a menos que seja manifesto para a Comissão que o processo relativo a esses recursos se prolonga de modo anormal»; deve ser apresentada num «prazo razoável, a partir do esgotamento dos recursos internos»; e, finalmente, as comunicações não podem «dizer respeito a casos que tenham sido resolvidos em conformidade com os princípios da Carta das Nações Unidas», da Carta da OUA ou da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (artigo 56.º). ÁLVAREZ, Yuiria Saavedra, ob. cit., págs. 689-690.

187

ÁLVAREZ, Yuiria Saavedra, ob. cit., págs. 693.

74

Comissão pode ordenar este tipo de medida como resultado dos trâmites das comunicações individuais.

Desta assunção, podemos concluir que os cidadãos cabo-verdianos que tenham sido violado o seu direito a uma decisão judicial em prazo razoável, uma vez esgotados todos os meios internos (art. 50.º), podem apresentar uma comunicação perante a Comissão (arts. 55.º e 56.º)189. Os procedimentos da apreciação das queixas pela Comissão seguem nos termos dos arts. 55.º a 63.º da Carta Africana190.

A Comissão na sua recomendação sobre o caso «Alhassan Abubakar/Ghana», n.º 103/93, reconheceu a obrigatoriedade do cumprimento do direito a uma decisão em prazo razoável pelos Estados. A Comissão começou por fundamentar que em se tratando de um caso em que o acusado foi detido durante sete anos sem julgamento consubstanciou claramente na violação do padrão de «tempo razoável» estipulado na Carta191.

Fica claro que, a morosidade processual penal é uma violação a um direito fundamental à luz do art. 7.º, n.º 1, al. d) da CADHP.