• Nenhum resultado encontrado

1. Tutela Jurídica em Portugal e Cabo Verde

1.2. Em Cabo Verde

Sem querer esgotar os lindes desta questão, que já foi referido no ponto anterior, pretendemos averiguar qual é o tratamento legal conferido ao direito a uma decisão em prazo razoável pela legislação e doutrina cabo-verdiana.

Citando JORGE CARLOS FONSECA, o processo penal cabo-verdiano é o direito constitucional aplicado, resultante de um conjunto coerente e vasto de princípios e regras em matéria de direitos fundamentais que indubitavelmente se projetam na concreta conformação do sistema do direito processual criminal e na de seus específicos princípios, seus atos e fases143.

Ao nível constitucional cabo-verdiano a consagração expressa do direito a uma decisão em prazo razoável na ordem interna só veio acontecer com a Constituição de 1992, quarta revisão constitucional, que deu origem a uma nova Constituição tendo sido revogada a Constituição de 1980144. O direito de obter dos tribunais uma decisão em prazo razoável surge entãocomo corolário do direito de acesso à justiça – concebido

142 Sobre isso, vide, TEDH, 29 de Outubro de 2015, Valadas Matos das Neves c Portugal. Disponível

em <http://www.gddc.pt/noticias-

eventos/artigo.asp?id=noticia.39271520151117&seccao=Not%EDcias_Imprensa>. Acesso em: 28 de

Mar. 2016.

143 FONSECA, Jorge Carlos, O Novo Direito Processual Penal de Cabo Verde, ob. cit., págs.72 e segs. 144 Para maiores desenvolvimentos, vide, entre outros, NASCIMENTO, João Octávio da Rocha,

«Nação e Estado na Constituição da República de Cabo Verde», in A Questão Social no Novo Milénio: VIII Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais, Centro de Estudos Sociais, Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, 16, 17 e 18 de Setembro de 2004, pág. 6, DELGADO, José Pina, «Constituição de Cabo Verde de 1992 – Fundação de uma República Liberal de Direito, Democrática e Social», in Estudos em Comemoração do XXº Aniversário da Constituição de Cabo Verde, págs. 111- 155. Disponível em <http://cedis.fd.unl.pt/wp-content/uploads/2016/02/LOPE-cabo-verde-75.pdf>. Acesso em: 02 de Mar. 2017.

61

não só como um direito fundamental em espécie, mas como um verdadeiro princípio sistémico.

O direito de acesso à justiça e a uma decisão judicial em prazo razoável acabam por ser decisivo no que respeita a dignidade da pessoa humana, pois à medida que garante mecanismos de tutela ou de defesa dos direitos fundamentais, permite que estes deixem o simples espaço das declarações jurídicas e possam ser efetivamente materializados por via dos tribunais ou de outros meios145.

A sua expressão jusfundamental mais geral pode ser encontrada no atual artigo 22.º da CRCV (anterior art. 21.º da Constituição de 1992), que não só determine um direito à decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo para tutela de direitos ou interesses legalmente protegidos (n.º 1), assim como estipula que a justiça não pode ser denegada por «(…) indevida dilação da justiça» (n.º 4), e ainda por fim, este mesmo artigo traz uma injunção ao legislador para que crie, para que aquela tutela seja efetiva, «procedimentos judiciais céleres e prioritários» (n.º 6)146.

Por outro lado, cabe registar que, a sua consagração expressa e formalmente como princípio fundamental do Processo Penal, resulta do art. 35.º, n.º 1 da Constituição (antigo art. 34.º), ao que JORGE CARLOS FONSECA considera ser o «centro da nossa Constituição processual penal», que vem expressamente ligado com o princípio da presunção de inocência, sendo, assim, um corolário deste147.

O CPP-CV de 2005 autonomizou formalmente em artigo mais esta exigência de um processo penal centrado na presunção de inocência, mais concretamente, no Título I

– Princípios Fundamentais e Garantias do Processo Penal – Celeridade e garantias de defesa –, inserido no art. 4.º, n.º 1, «todo o arguido tem direito de ser julgado no mais

curto prazo, compatível com as garantias de defesa», estabelecendo ainda no n.º 2, um regime de prioridade sobre todos os outros no «andamento de processos em que haja arguidos privados de liberdade»148. Esta consagração está diretamente ligada com o fim das penas (arts. 33.º e 34.º da CRCV, conjugados com o art. 46.º do CP-CV).

145 Complementarmente o texto constitucional explicita um conjunto de mecanismos que devem

existir para, pese embora em alguns casos sem exclusividade, a proteção dos direitos fundamentais dos cabo-verdianos. São os casos da ação de fiscalização da constitucionalidade das leis (art. 277.º e segs), o recurso de amparo (art. 20.º, n.º 1), o habeas corpus (art. 36.º), o habeas data (art. 46.º), a queixa ao provedor de justiça (art. 21.º, n.º 1), e o direito de petição (art. 59.º). Cf. COMISSÃO NACIONAL PARA OS DIREITOS HUMANOS E A CIDADANIA, Relatório Nacional de Direitos Humanos, Praia, 2010, págs. 52-53.

146 FONSECA, Jorge Carlos, O Novo Direito Processual de Cabo Verde, ob. cit., págs.74 e 133-134. 147 Ibidem, págs. 77-79, 108 e 133.

148

Com o novo Código de Processo Penal, propunha contribuir, de forma significativa, para o reforço da confiança no sistema de processo penal, com uma tramitação mais célere e eficaz no combate à

62

Além do mais, a Lei de acesso à justiça e à assistência judiciária (Lei 35/III/88, de 18 de Junho, com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 195/91, de 31 de Dezembro), no art. 2.º, n.º 1, determina que, «Toda a pessoa tem direito a que a sua

causa seja julgada dentro de um prazo razoável pelo órgão jurisdicional competente».

Esta garantia é reforçada pelo n.º 2 ao prever que «O Estado assegura o funcionamento

eficiente e célere dos órgãos jurisdicionais e garante a independência do julgador».

Os arts. 22.º, n.º 1 e 35.º, n.º 1 da CRCV, conjugados com o art. 4.º do CPP-CV concedem aos particulares lesados pela morosidade da justiça a legitimidade de exigirem responsabilidade civil do Estado (arts. 16.º e 245.º als. e), f) e g) da CRCV).

Também o ordenamento jurídico cabo-verdiano assiste aquele direito por força dos diplomas internacionais pelos quais está vinculado149, mormente, através do art. 7.º, n.º 1. al. d) da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e do art. 14.º, 1.ª parte, al. c) do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de uma forma específica, e do art. 11.º da Declaração Universal do Direitos Humanos, de forma geral.

Portanto, como se lê nas anotações do Preâmbulo do CPP-CV, o processo penal cabo-verdiano faz bem jus a Constituição, a qual é balizada e atravessada por princípio e valor de Estado de Direito Democrática, e perante a ingente necessidade de adoção de medidas normativas com o propósito de alcançar «maior celeridade e eficiência na administração da justiça penal».

Então, o ordenamento jurídico cabo-verdiano também abraça o princípio da duração razoável do processo, que consiste designadamente na garantia a todos do direito a obter uma decisão em prazo razoável a tutela efetiva dos seus direitos junto dos tribunais150. Trata-se de um princípio de carácter autónomo e diretamente aplicável (arts.18.º e 26.º da CRCV), e não apenas um corolário do direito de acesso a tutela jurídica e efetiva ou do princípio da presunção de inocência.

Todavia, se tem defendido que a exigência de um direito a um processo célere não deve ser admitida em termos absolutos e incondicionais, ao ponto de perigar as garantias de defesa do arguido151.

criminalidade, transmitindo, assim, à comunidade o sentimento de segurança indispensável a uma harmoniosa convivência social e ao desenvolvimento económico do país, ao mesmo tempo que asseguraria o pleno respeito institucional dos direitos, garantias e liberdades dos cidadãos postulados na Constituição.

149 Nos termos dos artigos 11.º e 12.º da CRCV. 150

Cf. Anotações do Código de Processo Penal de Cabo Verde, Preâmbulo I, págs. 11-12.

63