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A Convenção Europeia dos Direitos Humanos

2. Tutela Jurídica Internacional

2.2. A Convenção Europeia dos Direitos Humanos

No âmbito do Conselho da Europa, uma das primeiras projeções do direito fundamental à decisão judicial em prazo razoável, inspirado diretamente na Declaração Universal dos Direitos Humanos, foi precisamente na Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH)158, subscrito em Roma, em 4 de Novembro de 1950 e entrado em vigor em 1953159. Neste domínio, o direito à decisão em prazo razoável consta, de modo expresso, do leque de garantias que integram o seu artigo 6.º, n.º 1 da referida convenção, no qual estipula que «qualquer pessoa tem direito que a sua causa seja

examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela»160.

O referido artigo é sem dúvida um dos preceitos mais importantes da CEDH e o mais invocado pelos particulares, em petições contra os Estados-partes da Convenção, uma vez que trata-se do direito cujo respeito mais tem suscitado problemas por parte dos Estados aderentes.

A Comissão Europeia dos Direitos Humanos e, posteriormente, do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) reconhecem a esse preceito um âmbito de aplicação amplo, entendendo que o direito à decisão em prazo razoável se aplica em qualquer processo em que estejam em causa direitos dos particulares, independentemente da jurisdição competente (penal, civil, administrativa, ou mesmo constitucional)161.

Essa consagração reflete uma preocupação do Conselho da Europa não só com a salvaguarda de um interesse fundamental do cidadão face a administração da justiça,

158 Daqui para frente apenas CEDH.

159 BARRETO, Irineu Cabral e CAMPOS, Abel, «Portugal e o Tribunal Europeu dos Direitos do

Homem», O direito e a justiça em ação: A construção de uma justiça internacional, Janus 2004: anuário de relações exteriores, pág. 146. Vide, também, o Documento Oficial com o texto da CEDH no sítio oficial do Conselho da Europa/ Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em <http://www.echr.coe.int/>.

160 No mesmo sentido, MELO, Vítor, ob. cit., págs. 217-218.

161 Informações do sítio oficial do Gabinete de Documentação e Direito Comparado, do Conselho da

Europa. Disponível em <http://www.gddc.pt/direitos-humanos/sist-europeu-dh/cons-europa-tedh.html>. Acesso em 11 de Mar. 2016.

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mas também com o fortalecimento da democracia dos Estados, por via da estabilidade proporcionada pelo bom funcionamento da administração da justiça162.

Portugal aderiu a Convenção no dia 22 de Novembro de 1976. Na sequência da adesão de Portugal ao Conselho da Europa e dos seus cincos primeiros protocolos foram aprovados, para ratificação, pela Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro163.

Na hierarquia das fontes de direito português, a seguir a Constituição, a CEDH contém as normas mais importantes de processo penal164. É um complemento essencial das garantias dos particulares intervenientes num processo judicial. Cabo Verde não é parte integrante dessa Convenção, o que nos leva a ressalvar que seria uma mais-valia, para a salvaguarda e reforço à proteção dos direitos dos cidadãos cabo-verdianos, que Cabo Verde estabelecesse uma ligação de contacto165.

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos166 ou Tribunal de Estrasburgo, criado a 21 de Janeiro de 1959, em Roma, e com sede em Estrasburgo, é o órgão judicial criado para fazer cumprir os direitos consagrados na Convenção e aplicar as sanções aos Estados que incumprirem-nos. No âmbito da sua competência contenciosa, tem formulado construções jurisprudenciais importantes no sentido de dar expressão plena e prática ao estipulado na CEDH, por via dos efeitos das suas decisões e por via da influência indireta dessas decisões nas práticas dos tribunais nacionais e na legislação dos Estados-partes. Entre as decisões mais antigas sobre o âmbito de proteção do direito

162 PINTO, Ana Luísa, ob. cit., pág. 38.

163 Ao vincular-se à Convenção, Portugal comprometeu-se internacionalmente a garantir um conjunto

muito significativo de direitos das pessoas singulares e coletivas. O direito à decisão em prazo razoável, processo equitativo, igualdade de armas, processo penal adversarial – são alguns exemplos dessa exigência inspiradora. Sobre isso, vide, a «Intervenção do Ministro da Justiça Sessão comemorativa do 30.º Aniversário da adesão de Portugal à Convenção Europeia dos Direitos do Homem», Supremo Tribunal de Justiça, 10 de Novembro de 2008, págs. 3-4. Disponível em <www.stj.pt/ficheiros/cerimonias/30anoscedh_discursoministrojustica.pdf>. Acesso em: 22 de Mar. 2016.

164 Ibidem, pág. 37. 165

Neste sentido, as palavras proferidas pelo Dr. JOSÉ DE PINA DELGADO, Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional de Cabo Verde, no âmbito no Congresso realizado na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, no dia 30 de Novembro de 2016, intitulado «A aplicação judicial do Direito Internacional Público na ordem jurídica Cabo-verdiana», in Congresso Luso-Cabo-verdiano de Direito.

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Inicialmente «Tribunal Europeu dos Direitos do Homem», todavia o conceito tem vindo a evoluir, sendo hoje muito defendido que deve ser substituída a expressão de «homem» por «humanos» no sentido de evitar descriminação, de género. O mesmo sucede em relação a Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Assim, hoje é comum encontrar textos em que se refere a Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e não na redação inicial.

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a uma decisão em prazo razoável, conta-se a proferida no caso «Köning c. Alemanha», em 1979167.

A influência da CEDH e da jurisprudência do TEDH no direito nacional dentro do sistema jurídico português são os acordos internacionais e convenções e protocolos. Mesmo que o direito a uma decisão em prazo razoável não estivesse plasmado diretamente na Constituição portuguesa, vigorava plenamente na ordem interna por força dos artigos (7.º, n.º 6, 8.º, n.ºs 1 e 2 e 16.º, n.º 1 da CRP) ou por natureza análoga, para efeitos e de equiparação aos direitos, liberdades e garantias (art. 17.º da CRP) designadamente no que toca à sua aplicação direta e a vinculação das entidades públicas e privadas (art. 18.º da CRP).

O texto da Convenção e a jurisprudência do TEDH servem no plano do direito constitucional como auxiliares na interpretação e determinação do conteúdo e alcance dos direitos fundamentais e os princípios constitucionais da Lei Básica e, vinculam os poderes públicos na sua atuação, acima da própria lei. Aliás é notória, por um lado, cada vez mais as decisões dos tribunais portugueses recorrem às normas da CEDH e a jurisprudência do TEDH para resolver os casos concretos ou, mais frequentemente, para reforçar as soluções que já resultam de fontes de direito internos e, por outro lado, que frequentemente os particulares recorrem ao TEDH perante a violação do direito à decisão em prazo razoável, por força do art. 13.º da CEDH, que consagra o direito ao recurso efetivo perante o TEDH, para remediar a violação do direito recorrido, desde que tenham esgotados todos os meios internos (art. 35.º, n.º 1 da CEDH)168.