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O objetivo central desta abordagem foi a identificação e análise das causas indutores de maior dilação e ineficácia da administração da justiça, e o modo como eles interferiram e condicionaram a evolução do processo.

Como vimos, foram vários e de vária ordem os fatores que contribuíram para a longa duração deste processo.

A primeira verificação geral: a longa duração deste processo é explicável por múltiplos fatores, que podem ser exógenos ou endógenos101 ao sistema judicial e, por sua vez, estes poderão ser necessários ou evitáveis, legais ou ilegais, resultantes da complexidade do processo ou meramente funcionais.

A segunda verificação: alguns dos fatores de dilação relacionam-se com a complexidade, quer das matérias jurídicas discutidas, quer das matérias de facto, ou com o exercício de direitos (caso de alguns recursos e reclamações) sem objetivos dilatórios. São, por isso, legítimos e necessários102. Todavia, apesar da sua necessidade e legitimidade, em muitos casos o quadro legal e a prática judiciária em que são exercidos, excessivamente burocratizados, conferem-lhes um carácter dilatório, desnecessário, transformando-os em fatores legais de bloqueio.

É possível, ainda identificar outros fatores legais de dilação que, além de excessivamente burocratizados, resultam do exercício instrumental do quadro legal e são, por isso, ilegítimos. É o caso da prática de atos processuais fora dos prazos legais por parte dos funcionários e magistrados, as divergências na jurisprudência e o exercício por parte dos arguidos de um conjunto de expedientes legais com intuitos meramente

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Ibidem, pág. 87.

101 Tal fator tem natureza subjetiva e está relacionado com o modo como o poder judicial ou não

judicial, (que integre o poder legislativo ou executivo) atuou ao longo do processo em causa ou de um segmento do mesmo – comportamento inerte ao bom andamento do processo. Todavia, deve-se apurar qual a exata medida em que tal conduta contribui para a demora do processo para além do tempo que seria razoável.

102 Nesta perspetiva a morosidade pode ser explicada pela natureza da organização investigada, o

número de pessoas envolvida, a quantidade e a multiplicidade de atos praticados, o extenso número de volumes e de anexos de documentação, a diversidade e quantidade de divergências efetuadas em vários locais do país, o tipo de crime e o número de arguidos acusados, as audiências de discussão e julgamento que se estenderam por quase dois anos, a avaliação e fixação de extensa matéria de facto, a multiplicidade de questões jurídicas levantadas pelos arguidos e pelo MP, os vários recursos e reclamações, e os vários incidentes que motivaram queixas, levantamento de autos e outros procedimentos, dando origem alguns deles a outros processos.

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dilatórios (uso abusivo de reclamações e recursos)103. Por essa razão, o legislador criou algumas medidas de controlo dos prazos processuais pelos magistrados. Também, algumas soluções para limitar o pendor do abuso dos recursos e evitar não só a manipulação mas o protelamento do processo por parte dos sujeitos processuais. Este problema circunscreve-se no âmbito do excesso de garantismo das leis processuais, apontado como um dos principais bloqueios da justiça.

A terceira verificação: a morosidade dos agentes judiciais é responsável por parte da dilação do processo, com a exceção do TIC, representando a morosidade dos funcionários judiciais 79%, seguida a dos magistrados judiciais com 21%. A morosidade do MP é quase nula, com apenas 0,4%, isso devido a existência de arguidos presos.

Portanto, verifica-se que a morosidade dos magistrados judiciais é restringida104. Situação diferente quanto aos funcionários judiciais105, onde acentua uma maior percentagem de morosidade. São eles que praticaram mais atos e retiveram mais tempo do processo: 4 anos, 7 meses e 30 dias, 57% do tempo, contra 38% dos magistrados judiciais (a que correspondem 3 anos, 1 mês e 22 dias). A morosidade do MP é muito reduzida: 5% (correspondente a 5 meses e 4 dias)106.

É certo que o número de intervenientes no processo, em especial arguidos, obriga a prática de mais atos. Mas na verdade um tempo significativo, sobretudo, dos funcionários judiciais, é ocupado com funções de âmbito administrativo ou de mero expediente, sem qualquer conteúdo judicial, o que acentua, e ainda hoje é assim, a vertente burocrática da função judicial, provocando atrasos diretamente no processo em causa e, indiretamente no sistema judicial107.

A quarta verificação: é nos tribunais de recurso que o processo concentra a sua maior duração (mais de 10 anos), o que significa 85% da morosidade do processo108. Os recursos demoraram mais tempo no STJ e no TC, sendo particularmente significativa a duração do segundo recurso no TC, representando 45% do tempo total dos recursos e 34% da duração total do processo. Portanto, confirma-se o padrão: é nos tribunais de recursos que se concentra a morosidade com consequências mais dilatórias no processo;

103 GOMES., ob. cit., pág. 254.

104 Da totalidade dos atos praticados pelos magistrados judiciais, 97,3% foram-no sem morosidade.

GOMES, Conceição, ob. cit., pág. 114.

105

Dos 5.783 atos praticados por agentes, 1.472 foram praticados com morosidade. Cf. GOMES, Conceição, ob. cit., pág. 113.

106 Ibidem, pág. 111 e 267. 107

Ibidem, pág. 259.

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e é também nestes tribunais que se registam os valores mais elevados da morosidade da responsabilidade dos magistrados judiciais. Segue-se a fase de discussão e julgamento que apresenta a segunda maior duração (1 ano e 11 meses), que se deve às múltiplas sessões de audiências de julgamento (261).

Ao contrário de alguns processos mediáticos mais recentes, a duração da investigação policial pelo TIC, foi deveras significativo, apenas três meses, representando 2% da duração total do processo109. Pode-se dizer, que a ineficácia e lentidão nas fases de investigação são bastantes evidentes, nomeadamente nos crimes económico-financeiros, corrupção e cibercriminalidade, pelo que também se faz necessário repensar a estrutura e a forma como o Ministério Público promove a efetiva assunção da direção do inquérito, assim como, da instrução.

A quinta verificação: diz respeito as desarticulações e disfuncionalidades do

sistema. Ainda no que respeita ao processo de recurso, um dos fatores identificados

como causador da morosidade global da justiça, são os chamados atos inúteis, provocadas por condutas menos diligentes. A inutilidade e ineficácia prática destes atos, na sua maioria praticados por agentes judiciais e/ ou outras entidades, era tecnicamente

previsível. Apesar disso, os processos de recursos seguiram a sua tramitação normal até

à decisão final, o que significa um desperdício equivalente de recursos humanos e materiais usados, nessa medida, indevidamente.

Mas muitas outras negligências foram detetadas, como a não comunicação do processo, em tempo, de determinados atos, a errada fixação do regime de subida dos recursos ou do seu efeito, o deficiente exame preliminar dos recursos, e a existência de erros materiais que obrigaram à ratificação de alguns recursos. Este facto configura, sociologicamente, uma situação de desperdício, com duas causas principais: a lentidão dos recursos e uma grande desarticulação na comunicação entre os tribunais110.

Também, a diferente interpretação das leis processuais e substantivas implicou inevitáveis discordâncias, potencialmente dilatórias na resolução do caso. Por exemplo, quando a «vida» de um processo é «apanhada» por várias reformas legais a motivarem recursos e decisões jurisprudenciais divergentes e mesmo contraditórias, além de muitos outros incidentes, obriga nalguns casos um «vai e vem» dos processos entre tribunais111. Nesta medida, o legislador também tentou solucionar este problema, consagrando um

109 Ibidem, págs. 88 e segs. 110

Ibidem, págs. 119 e segs. e 261 e segs.

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regime jurídico de aplicação da lei processual penal no tempo, regulado no art. 5.º do CPP-P, conjugado com o art. 2.º do CP-P.

A sexta verificação: ainda dentro do contexto das desarticulações e disfuncionalidades do sistema, corresponde ao que chamamos de tempos mortos no

andamento do processo. Acontecem em vários momentos da tramitação do processo e,

em alguns casos, apesar de processualmente movimentados não avançam, de facto, para o passo seguinte. É exemplo, o modo como é articulada a comunicação entre os juízes e os funcionários judiciais, ou, ainda, a deficiente comunicação entre os tribunais e outras instituições colaborantes com o sistema judiciário. São situações que motivam a paragem do processo por largos períodos de tempo, impedindo assim o seu progresso112. A sétima verificação: um dos fatores que, reconhecidamente, mais tem contribuído para os atrasos da justiça são o excesso de garantismo e a excessiva

burocratização dos procedimentos processuais, por vezes demasiados formais e

complicados. Todavia, não se poderá perder de vista que em muitos casos a morosidade deriva, tão-somente, da tramitação e sofisticação da tramitação processual. Razão pela qual, impulsionou as reformas mais importantes do sistema da justiça penal, até hoje, tendo o legislador criado um conjunto de medidas com vista a sua simplificação e desformalização, conferindo, assim, maior celeridade ao processual penal.

Em síntese, tendencialmente, e, de um modo geral, as causas estruturais da morosidade da justiça – causas comuns a todos os processos – inscrevem-se em quatro áreas fundamentais: no domínio da organização e funcionamento do sistema judiciário;

na área dos recursos materiais e técnicos; na área dos recursos humanos; no plano das reformas legislativas113. São diferentes as consequências provocadas no andamento do processo, consoante o facto ocorra nos processos de recursos com efeito devolutivo, ou no processo principal na 1.ª instância. No primeiro, atrasa-se a decisão no processo de recurso (nalguns casos contribuindo, decisivamente, para o não conhecimento do objeto do recurso), enquanto que, no segundo, atrasa-se a decisão final da causa114.

112

Ibidem, pág. 126-129.

113 Sobre isso, vide, o estudo de SANTOS, Boaventura Sousa, et al., «Bloqueios ao andamento dos

processos e propostas de solução», coord. científica Boaventura Sousa Santos, in Observatório

Permanente da Justiça Portuguesa, Centro de Estudos Sociais, Coimbra, 2002.

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III CAPÍTULO. A MOROSIDADE PROCESSUAL PENAL