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A suspeita da existência de uma organização terrorista que a princípio seria liderada por várias pessoas desencadeou uma vasta investigação policial operada pela PJ de Lisboa. Por considerar que dos autos resultavam indícios suficientes da existência da organização terrorista, bem como da identificação de alguns dos seus membros, culminou na prisão preventiva de 56 pessoas e vários mandatos de busca e apreensões e colocação de escutas de vários telefones.

O Ministério Público acusou 77 arguidos pela prática do crime de organização terrorista e houve a pronúncia de 73 pessoas82. Além destes, verificou outros processos – os chamados processos colaterais – onde a grande maioria dos arguidos foram acusados pela prática de vários outros crimes83.

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Como já foi referido, tratou-se de um estudo sobre a morosidade da justiça levado a cabo por CONCEIÇÃO GOMES na sua obra «O tempo dos tribunais: um estudo sobre a morosidade da justiça». Na verdade, trata-se de um estudo com alguns anos de existência, pelo que desde a sua tramitação até os dias de hoje a justiça evolui de forma significativa. A importância deste estudo prende-se, sobretudo, com o facto de permitir-nos, a partida, ter um ponto de referência para fazer um balanço sobre o estado do sistema de justiça penal, no período antes e pós reforma do CPP-P de 1987, ou seja, possibilita-nos saber quais foram as razões que justificaram tal reforma, quais são as soluções processuais que têm sido criadas face ao problema da morosidade, e se tivemos melhoras significativas.

82 A tramitação do processo obedeceu às regras do CPP-P de 1929, Código na altura em vigor. Ao

contrário do Código Processual Penal atual, onde se identifica uma estrutura de tipo acusatório, aquele, então em vigor tinha uma estrutura de tipo inquisitório. A instrução, presidida por um juiz de instrução, era a fase normal da investigação e preparação da decisão de acusação e pronúncia. Atualmente, a instrução tem sempre carácter facultativo, sendo o inquérito, realizado sob a direção do MP, a fase normal de investigação. Assim, esclarece a autora em, GOMES, Conceição, ob. cit., pág. 40.

83 O MP e o juiz de instrução optaram por acusar e pronunciar apenas pela prática do crime de

organização terrorista, deixando de fora as outras acusações. Esta posição levou ao surgimento, em diversas comarcas do país, de dezenas de outros processos. Ibidem, pág. 32.

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A ineficiência e ineficácia do sistema judicial também se fez sentir nestes processos. Por decisão do Conselho Superior da Magistratura os processos com mais de dez anos, dispersos pelas várias comarcas, foram aglutinados num único dossiê.

Ao contrário do que tem acontecido noutros casos, também famosos, neste processo, a fase de investigação policial, isto é, desde o ato desencadeador do processo até à primeira prisão, decorreu num espaço de tempo muito curto, de 3 meses (20-03-84 a 19-06-84)84.

O prazo de instrução, condicionado pela existência de arguidos em prisão preventiva, foi cumprido, com uma duração de cerca de seis meses (19-06-84 a 30-12- 84). Em relação aos outros processos, entre a acusação até o despacho de pronúncia definitiva, demorou mais três meses (07-01-85 a 22-04-85). Em qualquer dos casos, prazos sempre muito inferiores aos que posteriormente viemos a conhecer noutros megaprocessos, uns mais mediáticos do que outros.

Ao todo, foram submetidos a julgamento 64 arguidos, 10 deles revéis. As audiências de discussão e julgamento, num total de 261, prolongaram-se por quase dois anos (22-07-85 a 20-05-87). Um facto marcou o início do julgamento. O primeiro «arrependido» AA foi vítima de um atentado, em consequência, do qual viria a falecer, tendo levantado a suspeita de «queima de arquivo» por este mostrar-se disposto a colaborar com a justiça.

A audição dos arguidos e toda a fase de prova foi realizada até 17-11-86, data em que se iniciam as alegações do MP, repartidas por 12 sessões. As alegações orais da defesa decorreram entre 11-12-86 e 16-01-87, repartidas por 16 sessões, seis delas ocupadas com alegações do advogado que representava três dos primeiros arguidos.

Decorreram mais quatro meses até à sentença do Tribunal Criminal de Lisboa proferida em 20-05-87, cuja leitura demorou cerca de 7 horas. O tribunal considerou provada a acusação deduzida contra 48 arguidos, que condenou pela prática do crime de organização terrorista, nos seus diferentes subtipos, em pena de prisão que variaram entre 7 meses (pena especialmente atenuada) e 17 anos e 6 meses. Quanto aos restantes 16 foram absolvidos, desses 8 foram julgados em separado e como dissemos um faleceu85.

Da sentença foram interpostos recursos pelos arguidos e pelo MP para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo dado entrada em 01-07-87. O recurso foi decidido

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Sobre a evolução cronológica deste processo, vide, GOMES, Conceição, ob. cit., págs. 34-39.

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quatro meses depois, em 01-11-87. O acórdão, com cerca de 600 páginas, julgou parcialmente favorável o recurso do MP e os de mais três arguidos e negou provimento aos restantes.

Do acórdão do TRL foram interpostos vários recursos para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo entrado em 26-04-88. Em menos de dois meses foi proferido o acórdão, em 22-06-88. A celeridade deveu-se à preocupação expressa de não prejudicar a situação dos arguidos presos. O STJ concedeu provimento parcial aos recursos do MP e de alguns arguidos, salientando, contudo, que pelo facto de a maioria dos arguidos recorrentes fundamentarem as suas alegações em matéria de facto, cuja apreciação está vedada ao STJ, não foram julgadas algumas das questões suscitadas pelos recorrentes.

Nos recursos para a relação e STJ tinham sido suscitadas três questões de constitucionalidade: a questão da autoria da pronúncia pelo juiz de julgamento, a questão da apreciação da matéria de facto pelas Relações nos recursos das decisões condenatórias e a questão da motivação das respostas aos quesitos.

Rejeitadas todas as arguições de constitucionalidade, os três principais arguidos recorreram para o Tribunal Constitucional (TC). O recurso foi julgado pelo acórdão em cerca de oito meses, em 15-02-89, dando razão aos recorrentes quanto à questão do conhecimento da matéria de facto pelas Relações. Em consequência, determinou a reformulação do acórdão recorrido de harmonia com a decisão tomada sobre a questão de constitucionalidade, isto é, de modo a garantir uma verdadeira apreciação sobre a matéria de facto pelo Tribunal da Relação.

O MP pediu a aclaração do acórdão e a ratificação de dois lapsos, tendo estas sido decididas pelo acórdão de 12-04-89.

O processo regressou ao STJ passado um mês (15-05-89). Este Tribunal proferiu um segundo acórdão decidindo anular, com fundamento no julgamento de inconstitucionalidade do acórdão do Tribunal de Relação, ordenando, por isso, a baixa do processo a este Tribunal para «pelos mesmos juízes, sendo possível, julgar em

conformidade».

Entretanto, a 19-05-89, o TCL informou o STJ sobre o esgotamento do prazo da prisão preventiva, tendo como consequência a soltura de todos os arguidos presos a exceção de dois que, por terem sido capturados mais tarde, não tinham esgotado o prazo.

Para cumprimento da decisão do STJ, cerca de três meses mais tarde após o processo ter regressado ao TRL, este, proferiu um segundo acórdão julgando de novo os

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recursos interpostos da sentença final do tribunal de 1.ª instância. Esta decisão manteve no essencial o decidido no primeiro acórdão deste Tribunal da Relação.

Do segundo acórdão do Tribunal da Relação foram, novamente, interpostos vários recursos para o STJ. O MP, mais uma vez, pedia a renovação das penas aplicadas aos crimes cometidos em concreto e a isenção da pena para os arguidos “arrependidos”. Os arguidos recorrentes, além da repetição dos argumentos apresentados em alegações anteriores, alegavam ainda a incorreta interpretação da Relação dos acórdãos do TC e do STJ.

O processo foi remetido ao STJ cerca de 11 meses depois. Este proferiu um novo acórdão no qual, tal como fez a Relação, se limitou a reproduzir o seu primeiro acórdão.

Sobre o acórdão do STJ incidiram alguns pedidos de esclarecimento, todos indeferidos, e os arguidos recorreram, pela segunda vez, para o TC. Pediram novamente a inconstitucionalidade da norma que regula o conhecimento das relações quanto à matéria de facto. Suscitavam ainda a questão da não aplicação pela Relação e pelo STJ da declaração de inconstitucionalidade daquela norma.

O processo deu entrada no TC, cerca de dez meses depois de proferido o acórdão recorrido (acórdão do STJ), tendo então iniciado um ciclo de «sobe e desce» – durante quatro anos, o processo foi enviado, por várias vezes, para outros tribunais por razões que nada tinham a ver com a matéria do recurso.

Por fim, decorridos cerca de cinco anos após o processo ter entrado no TC, foi proferido o acórdão sobre a questão objeto de recurso (27-02-96). Este tribunal julgou novamente inconstitucional86.

O processo voltou ao STJ, tendo cerca de oito meses depois, o Relator ordenado a sua suspensão até à decisão do TC sobre o pedido de declaração de inconstitucionalidade da Lei n.º 9/96, de 23 de Março (27-02-96 a 22-11-96). O despacho do Relator foi confirmado pelo acórdão de 27-02-97, do qual o MP recorreu para o TC por entender ter-se procedido a uma interpretação manifestamente inconstitucional da norma do art. 3.º do CPP-P 1929. Para decidir sobre esta questão, o processo deu entrada de novo no TC em 28-05-97, onde continuou a aguardar a decisão final sobre a questão de fundo87.

86 Este Tribunal, agora com a intervenção do plenário, julgou novamente inconstitucional «a norma do

art. 665.º do CPP-P 1929». GOMES, Conceição, ob. cit., pág. 48.

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