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A análise do fenómeno morosidade da justiça penal incumbe para efeito de melhor compreensão, levar em consideração o que possa ser entendido como o tempo do processo e a aceleração do tempo, enquanto fatores de conformação do direito e, destes, as dimensões do seu conceito.

Santo Agostinho não sabia definir o que era o tempo se alguém lho perguntasse. Segundo ele, todos sabemos o que é o tempo até que alguém nos pergunte. Nas «Confissões» ele diz «se ninguém mo pergunta, sei o que é; mas se quero explica-lo a quem mo pergunta, não sei»123.

Isto para dizer que, a administração da justiça circunscreve-se a uma complexidade temporal, o que torna embaraçoso de se encontrar o exato tempo da justiça. O próprio conceito de tempo é uma perplexidade.

Esta complexidade entre o tempo dos homens e o tempo dos tribunais tem sido objeto de reflexão na doutrina, mormente ISABEL CELESTE FONSECA na tentativa de compreender o sentido do direito a um processo à «prova de tempo». A este propósito afirma a autora que este direito continua um ainda um envolto em algum mistério dogmático, que engloba não só a natureza mas também o seu conteúdo, e que o ambíguo conceito «prazo razoável» está longe de alcançar uma definição que agrade simultaneamente a juízes e partes124.

Seguindo o pensamento da autora CONCEIÇÃO GOMES125 é possível determinar vários tempos. Assim, podemos falar no tempo processual e no tempo real

(social). A primeira corresponde ao tempo estipulado na lei para a prática dos atos ou

decurso das fases processuais. A segunda refere-se ao tempo social, que contrapõe-se ao tempo processual. De facto, este é o tempo que interessa as vítimas, aos arguidos e a sociedade em geral.

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GOMES, Conceição, ob. cit., pág. 21.

123 AGUSTINHO, Santos, Confissões, Livro XI, Capítulo XIII, (trad. de A. do Espírito Santo, [et al.]),

Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 2001, pág. 298.

124

FONSECA, Isabel Celeste, O direito a um processo à prova de tempo, ob. cit., pág. 205 e segs.

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Todavia, para o processo penal apenas são relevantes os atos que constituem o processo e que obedecem a tramitação regulada pelo direito processual penal. Corresponde ao tempo em que devem praticar os atos do processo, assim como as regras que se aplicam a contagem dos prazos. Este é na prática o tempo relevante para o processo penal, e, com efeito, o único tempo em que o sistema responsabiliza os operadores da administração da justiça.

A dimensão temporal é calculada da seguinte forma: o tempo processual corresponde ao número total de dias, contados desde a entrada do processo no tribunal, que não suspende na contagem dos prazos para a prática dos atos processuais (fins de semana e feriados e férias judiciais), correspondendo, em regra, a um tempo em que os agentes judiciais não estão obrigados à prática de atos.

É nesta lógica, que o autor JOSÉ RIBEIRO ALBUQUERQUE126 refere que, o direito é um reportório de noções e de regras e de práticas que só ganham sentidos se as enquadrarmos na duração do tempo.

Os autores MANUEL PORTO e JOÃO SILVA, no estudo subordinado ao tema «Apontamentos para reflexões mínimas e tempestivas sobre o direito penal de hoje» referiram que vivemos hoje uma temporalidade, que outra coisa não é senão tempo

breve127.

Ainda que custe a alguns reconhecer é preciso tempo para que os sujeitos exponham a situação conflitual que as divide, é preciso tempo para que os mesmos produzam as suas provas, assim como é preciso tempo para os agentes judiciários se integram da situação conflitual, é necessário tempo para desenvolverem a investigação e ainda tempo para que o juiz profira uma decisão ponderada e rigorosa.

A questão que se coloca é a de saber o que se pode entender por tempo dos magistrados? E se existe um tempo que se estende a todos os casos?

A doutrina majoritária entende que o tempo que refere a lei, não pode exceder o tempo necessário para orientar a prática dos atos processuais. Este tempo tem como referência o tempo legal, mas não se compadece com ele, pois esta temporalidade medeia entre o tempo legal e o tempo necessário a uma justiça de qualidade. Como tal o tempo de preparo e reflexão para a prática dos atos processuais vária para cada magistrado ou funcionário e não se identifique com as regras da celeridade. Sendo certo

126 ALBUQUERQUE, José P. Ribeiro, ob. cit. pág. 2.

127 PORTO, Manuel, SILVA, João Nuno Calvão da, «Apontamentos para uma reflexões mínimas e

tempestivas sobre o direito penal de hoje», Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 3958, ano 139, pág. 49.

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que, nem sempre existe uma relação direta entre a dilação do tempo e a qualidade da justiça.

Não obstante, a decisão judicial não pode ser proferida a desatempo. Toda a causa submetida ao tribunal para a sua apreciação deve ser examinada num prazo de tempo razoável enquanto elemento essencial do Estado de Direito, sua credibilidade e eficácia.

Parafraseando SÉRGIO ADORNO e WÂNIA PASINATO «O tempo é medida da justiça. Se longo, é cada vez menos provável corrigir falhas técnicas na condução administrativa dos procedimentos ou localizar testemunhas, eventuais vítimas, possíveis agressores. Se curto, corre-se o risco de suprimir direitos consagrados na Constituição e nas leis processuais penais, instituindo, em lugar da justiça, a injustiça. Para o cidadão comum, o tempo é lugar da memória coletiva. Se ele consegue estabelecer vínculos entre o crime cometido e a aplicação de sanção penal, experimenta a sensação de que a justiça foi aplicada»128.

Podemos encontrar várias referências no processo criminal como instrumentos da temporalidade: o tempo dos atos e da aceleração do processo (arts. 103.º a 110.º do CPP-P, e 135.º a 139.º do CPP-CV), a prescrição (arts. 118.º a 126.º do CPP, e 102.º a 118.º do CP-CV), a caducidade (arts. 115.º do CP-P, e 105.º do CP-CV) e também nos procedimentos judiciários, como por exemplo (flagrante delito e a prisão preventiva).

Nesta medida, quando se fala em aceleração e simplificação processuais está-se a falar do tempo jurídico e da aceleração do tempo jurídico.

128

ADORNO, Sérgio e PASINATO, Wânia, «A justiça no tempo, o tempo da justiça», Revista de

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IV CAPÍTULO. O DIREITO A UMA DECISÃO EM PRAZO RAZOÁVEL

1. Tutela Jurídica em Portugal e Cabo Verde