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Identificação das causas da morosidade

Após fazer um resumo do caso, é possível conhecer, com rigor, o tempo e o modo como o processo evoluiu, quem mais interveio no processo, quais foram os atos mais determinantes para a sua dilação e, de entre os agentes judiciais, quem provocou mais atrasos.

2.1. O tipo de organização investigada e o número de pessoas envolvidas

A natureza da organização investigada, o número de pessoas e instituições que nele intervém e o tipo de crime em causa aparecem como uma das dimensões da complexidade do processo. Tratava-se de uma organização com uma estrutura complexa que envolvia várias dezenas de pessoas a operar em todo o país, o que levou à realização de um grande número de atos, promovidas quer pelas autoridades jurisdicionais, quer pelos arguidos, e ao envolvimento de muitas entidades88.

Na fase de investigação policial e de instrução prestaram depoimento, quer na PJ, quer no TIC, um vasto número de pessoas. Foram efetuados 79 autos de declarações, 140 autos de inquirição, 140 autos referentes à diligências várias, designadamente 61 exames diretos (sobre cofres, dinheiro, munições de guerra, armas, material de escritório, agendas e outros papéis pessoais, automóveis, etc.), e 32 autos de buscas e apreensão. Decorrida a instrução, o MP deduziu acusação contra 77 arguidos. Muitos destes atos foram praticados fora da Comarca de Lisboa, em várias locais do país.

A ausência dos efeitos dilatórios destas diligências nesta fase deve-se, em especial, a duas razões: aos meios materiais e humanos envolvidos na investigação e ao fator de prisão preventiva que obriga o cumprimento efetivo de prazos processuais89.

Nas audiências de discussão e julgamento, que se repartiram por 261 sessões, para além dos três juízes que formaram o coletivo, o representante do MP e os funcionários judiciais, intervieram no julgamento um total de 484 pessoas: 58 testemunhas de acusação, 229 testemunhas de defesa, 61 declarantes por parte da acusação e 41 da defesa, 31 advogados (alguns advogados representantes de mais de um arguido), 9 dos quais nomeados oficiosamente, e 64 arguidos90.

88 Ibidem, págs. 49-50.

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Ibidem, pág. 57-58.

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As audiências de discussão e julgamento prolongaram-se por quase dois anos. A morosidade desta fase reside, essencialmente, nas discussões sobre a vasta matéria de facto e nos vários incidentes levantados no decurso da audiência, alguns, indutores da dilação do processo. A maioria deles diz respeito às questões recorrentes relacionadas com as garantias de defesa.

Por outro lado, as faltas constantes dos advogados às audiências, principalmente os advogados oficiosos, justificadas por razões de doenças, na sua maioria, ou por diligências em outros tribunais.

Registaram-se também alguns casos de renúncia ao patrocínio, colocando em evidência a precariedade do patrocínio judiciário.

Foram feitos requerimentos e protestos verbais, quer pelo MP, quer pelos advogados e interpuseram-se vários recursos e reclamações91.

2.2. A quantidade e a multiplicidade de atos praticados

O número de atos e volumes do processo dá-nos uma primeira dimensão da sua complexidade e sofisticação. O processo é constituído por 65 volumes que compõem os autos principais, 56 volumes de processos que correram em separado (recursos, reclamações, incidente de suspeição, auto de conflito negativo de competência, auto de cumprimento de pena) e 1 volume relativo a uma caução, num total de 28. 157 folhas – cerca de 56. 000 páginas. Além destes, integram ainda o processo como material probatório várias dezenas de dossiers de documentação.

Nos 122 volumes foram registados um total de 12. 905 atos92 (despachos dos juízes, acórdãos, promoções do MP, abertura de conclusões e vistas, requerimentos ofícios, autos de diligência, autos de inquirição e perguntas, notificações, alegações, contra-alegações, depoimentos, atas de audiência de discussão e julgamento, cumprimentos de despachos, etc.) 93.

91 Ibidem, págs. 58-63.

92 Foi no TIC e no TCL que foram praticados a maioria dos atos (cerca de 5.080). Nos tribunais

superiores, os agentes judiciais na Relação praticaram um total de 2.205 atos, no STJ, 630, e no TC, 346. Para além, dos tribunais onde o processo correu termos, intervieram mais de 80 tribunais de todo o país, cujos agentes praticaram um total de 1.312 atos relativos a diligências várias, sobretudo cumprimento de cartas precatórias para notificação. GOMES, Conceição, ob. cit., pág. 54.

93 Os despachos e deliberações dos juízes aparecem em primeiro lugar, representando 13% do total

dos atos do processo, seguidos muito de perto dos requerimentos com 12,9%. Os atos praticados por funcionários, maioritariamente ou na sua totalidade são atos de competência dos funcionários judiciais. São eles: abertura de conclusões (10%), o terceiro mais representativo; cumprimento de despacho (7,5%), o quinto mais representativo; registo de entrada de cartas precatórias (4,4%); certidões (3,5%); e abertura de vistas ao MP (2,5%). Em quarto lugar na representatividade, aparecem os ofícios (9,2%) e, em sexto,

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Os processos complexos, naturalmente, tendem a ser mais morosos devido aos fatores como a natureza do crime, a quantidade e a qualidade das diligências de investigação e as questões jurídicas suscitadas. Contudo, muitos dos atos praticados eram desnecessários, resultantes de uma excessiva, sofisticada e ineficiente tramitação processual.

A dimensão burocrática do processo torna-se ainda mais visível se tivermos em conta que relativamente a mesma questão, que não teve qualquer utilidade prática, foram praticados vários atos. A título exemplificativo, um ofício a pedir uma informação implicava sempre uma sequência de atos dos funcionários e dos juízes, quando esta podia ser prestada ou requerida por meios mais expeditos.

2.3. Os intervenientes no processo e os atos praticados

2.3.1. Os arguidos

Como dissemos foram levados a julgamento apenas 64 arguidos. No total os arguidos movimentaram 1.427 atos. A grande maioria destes atos diz respeito a diversos tipos de requerimentos (70%), especialmente sobre a situação da prisão preventiva e pedindo a devolução de objetos apreendidos. Seguem-se atos de interposição de recursos (14,7%) e alegações e contra alegações, com 10,3%.

É, contudo, muito desequilibrada a intervenção quantitativa e qualitativa dos arguidos no processo. Verifica-se que no total dos atos praticados pelos arguidos, 30% foi por 10 deles. Por outro lado, 9% do grau de mobilização de atos foram praticados por 3 dos principais arguidos, principalmente ao que se refere aos recursos para o TC.

as cartas precatórias (4,4%). No seu conjunto, estes dois últimos atos constituem os mais representativos no processo, com cerca de 14%, o que nos dá, não só a dimensão do envolvimento de outras instituições, nomeadamente outros tribunais, como o nível de burocratização da comunicação do sistema judicial. As certidões, promoções do MP, depoimentos e abertura de vistas, aparecem em 7.º, 8.º, 9.º e 10.º lugar, respetivamente, com níveis de representação próximos que variam entre 2,4% e os 3,5%. Para além destes a dispersão é grande: a maioria dos atos tem níveis de representatividade abaixo dos 2% e são praticados maioritariamente por funcionários: remessas, apensações, liquidações, inscrições em tabela, etc. Cerca de 16% foram praticados por entidades fora dos tribunais onde correu o processo a quem foram solicitadas ou solicitaram informações ou outras diligências. Esses atos são, na sua grande maioria, de dois tipos: ofícios e cartas precatórias. Os primeiros são pedidos de informação ou resposta daquelas entidades a diligências ou pedidos de informações dos tribunais onde ocorreu o processo. Os segundos referem-se maioritariamente, a notificações. GOMES, Conceição, ob. cit., págs. 52 e 54.

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2.3.2. Os magistrados e os funcionários judiciais

Nos diferentes tribunais são, também, significativamente diferente a morosidade dos agentes judiciais. Além dos agentes judiciais dos tribunais onde decorreu o processo e da PJ de Lisboa, intervieram várias outras entidades individuais ou coletivas. De entre elas, destacam-se outras inspeções da PJ (Coimbra, Porto, Setúbal, Faro, Chaves) e outras polícias (GNR, PSP de vários locais do país e Interpol) que efetuaram várias diligências, designadamente, interrogatórios, buscas e apreensões, notificações e cumprimentos de mandatos de captura, num total de 143 atos94. A morosidade menos elevada foi no TIC e a mais elevada no tribunal judicial de 1.ª instância, 131 e 457 dias, respetivamente. Contudo, esta morosidade, que é, sobretudo, da responsabilidade dos funcionários judiciais, corresponde na sua grande maioria por ato, inferior a 5 dias e foi essencialmente motivada pela elevada quantidade de atos praticados, não tendo consequências dilatórias relevantes no processo.

Foram nos tribunais superiores que se registaram a maioria dos atos praticados e maiores atrasos no andamento do processo. À vista disto, é particularmente significativo que 99,1% do tempo da morosidade da responsabilidade dos magistrados judiciais se tenha registado nos tribunais superiores, em especial, no TC, que representa 61% da morosidade destes operadores verificados nos tribunais de recurso95.

Em todo o processo, a representatividade da morosidade dos funcionários judicias é a mais elevada (79%), seguindo a morosidade dos magistrados judiciais (21%) e, por último, a morosidade do MP é quase nula (0,4%)96.

2.4. Os recursos

A existência de muitos recursos, mais provável num processo com muitos arguidos, mesmo sem propósito dilatório, constitui fator de complexidade e de dilação do processo.

A utilização exacerbada dos recursos interpostos, na sua maioria pelos arguidos, apresentou-se como uma das maiores causas da dilatação deste processo. A duração do processo foi especialmente influenciada por um dos recursos interpostos no TC. Além

94 Ibidem, pág. 54.

95

Ibidem, págs. 115-116.

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disso, a existência de uma grande percentagem de desistência e de recursos julgados97 desertos, a maioria por não terem sido apresentadas alegações, facto a que não será alheio o grande número de defensores oficiosos.

Foram interpostos 255 recursos: 36 pelo MP, 210 pelos arguidos, 7 por interessados e 2 por advogados. Destes, apenas subiram aos tribunais de recurso 137, não foram admitidos16, houve desistência em 32 e foram julgados desertos 70. Dos que subiram, 37 terminaram sem que se conhecesse no fundo a causa98.

Sobre o regime de subida dos recursos, foram admitidos para subir nos próprios autos (com o recurso da sentença final) 74 recursos, em separado foram 63, imediata 134 e diferida 3. Destes, 66 com efeito suspensivo e 71 devolutivo.

2.5. As reclamações e outros incidentes

Embora neste processo, as reclamações não constituíram especial fator de complexidade e de dilação, elas não deixaram de ser um fator que dificultou a evolução normal do processo.

Foram apresentadas 8 reclamações, 7 por arguidos e 1 pelo MP, num total de 383 dias. A duração média das reclamações foi de 48 dias, com um desvio padrão de 16 dias. Todas foram julgadas pelo TRL e, com exceção de uma, todas foram diferidas quanto ao seu objeto, 4 das reclamações incidiram sobre despachos que recusaram a admissão de recursos e as outras 4 sobre os que retiveram os recursos para subirem posteriormente99.

Para além dos recursos e reclamações foram levantados outros incidentes, alguns dando origem a processos a correrem em separado.

2.6. As notificações

Num processo com muitos arguidos, testemunhas, declarantes e advogados, as notificações para os diferentes atos do processo podem constituir-se fator de dilação. Neste processo, foram feitas cerca de 600 notificações. Destas, 246 foram feitas através de cartas precatórias: 39 destinaram-se a notificar arguidos, 123 a notificar testemunhas e 84, declarantes. Acresce que em 91 casos, os ofícios foram devolvidos com certidões

97 Ibidem, págs. 63-64.

98

Sobre as várias questões que foram levantadas, vide, ibidem, págs. 65-86.

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negativas de notificação, o que demonstra as dificuldades de notificarem e fazerem comparecer, voluntariamente, as pessoas em tribunal100.