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O direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva

Qual o verdadeiro significado do direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva?

Ora, o direito de acesso à justiça é uma «garantia plena de defesa» de todos aqueles – pessoas singulares ou coletivas – que por via judicial pretendem defender, não só os direitos fundamentais ou demais direitos em geral, mas também os seus interesses legalmente protegidos (as pretensões subjetivas defensáveis em tribunal). Está intimamente ligado à ideia de mero acesso aos tribunais, por meio de uma ação – pro

action que se materializa através de um processo71.

As Constituições portuguesa e cabo-verdiana, nos seus artigos 20.º e 22.º, respetivamente, preveem, o direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva72, sendo a decisão em prazo razoável uma das dimensões constitutivas dessa tutela. É

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CAEIRO, Pedro, ob. cit., pág. 33.

70 Doravante MP.

71 MIRANDA, Jorge, MEDEIROS Rui, Constituição Portuguesa Anotada, ob. cit., págs. 190-191. 72 Na verdade na Constituição portuguesa tal direito está formulado sob a epígrafe «Acesso ao direito

e a tutela jurisdicional efetiva», enquanto que na Constituição cabo-verdiana encontra-se previsto sob a denominação «Acesso à justiça». Todavia, todas as formulações apresentam-se como norma geral do processo, com o mesmo sentido e conteúdo, significando que tal direito não se esgota à via judiciária, apresentando, para além desta dimensão inicial, um conteúdo muito rico, que se desdobra em diversos subprincípios e em vários direitos fundamentais. Cf. MIRANDA, Jorge, MEDEIROS Rui, Constituição

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óbvio que esta provisão constitucional tem como fonte os artigos 6.º, n.º 1 da CEDH e, 7.º, n.º 1, al. d) da CADHP, respetivamente.

A tutela efetiva jurisdicional é o espelho da capacidade do ordenamento jurídico, do seu potencial de prevenção, e na área penal, de reagir com prontidão às confutas criminalmente relevantes, contribuindo assim para a segurança jurídico-social. A imagem da tutela efetiva constitui, por outro lado, o antídoto mais eficaz contra o recurso a modos espontâneos e informais de autotutela ou de ressarcimento, catalisadores de conflitos e violências dificilmente controláveis. Mas também, ela é entendida no sentido de redução das cifras negras e das desigualdades – valendo como garantia da igualdade da lei em ação, critério fundamental da sua legitimação material e, por isso, da aceitação e interiorização coletiva.

Para além, da assinalada dimensão inicial do direito de ação – direito ao processo num prazo razoável – sem dilações indevidas, também configura o direito a um processo equitativo73, ampliando as garantias de defesa, como por exemplo o direito do contraditório, o direito à audiência pública, o direito à informação e à consulta jurídicas, o direito ao patrocínio judiciário e à assistência de advogado, o direito à proteção do segredo de justiça e o direito aos procedimentos judiciais céleres e prioritários para defesa de direitos, liberdades e garantias. Palavras sábias mas nem sempre lembradas.

Assim sendo, o direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva significa que a constituição processual de um Estado de Direito não pode estar prevista de tal modo que por questões materiais ou por questões processuais impeça ou dificulte o acesso aos tribunais74.

Quando pensamos em direito de acesso aos tribunais processualmente assegurado, pensamos na impossibilidade de previsão de procedimentos processuais excessivos ou da criação de normas processuais que dificultem ou limitem de uma forma não tolerável em termos de organização e em termos de proporcionalidade o acesso ao tribunal75.

73 MEDEIROS Rui, Constituição Portuguesa Anotada, ob. cit., págs. 176 e segs.

74 Por ser uma garantia plena o direito de acesso aos tribunais, sempre que sejam postergados

instrumentos de defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares e, nomeadamente o direito de ação, que se materializa através de um processo, é violado o direito fundamental de acesso aos tribunais. Assim, MIRANDA, Jorge, MEDEIROS Rui, Constituição Portuguesa Anotada, ob. cit., págs. 186-187.

75 GASPAR, António Henriques, «Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em

matéria penal e processual penal – O artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o direito a um processo equitativo: o prazo razoável na administração da justiça» in Centro de Estudos Judiciários,

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Portanto, o direito de acesso aos tribunais pressupõe um processo com procedimentos justos, devidos, legalmente previstos para discutir direitos que as pessoas invoquem perante um tribunal e proceder no final da linha o direito à decisão e dentro de um prazo razoável.

Ainda relacionada com o direito do acesso aos tribunais e a tutela jurisdicional efetiva está à questão da motivação das decisões. A decisão não é um ato de vontade, tem de ser um ato de convencimento, sendo um ato de convencimento a decisão tem de ser fundamentada, portanto, a motivação suficiente e adequada da decisão é um elemento essencial do processo.

Podemos, por isso, dizer que os artigos 20.º e 22.º, assim como, os artigos 6.º da CEDH e, 7.º, n.º 1, al. d) da CADHP enquanto normas-princípios estruturantes do Estado de Direito Democrático, reconhecem vários direitos distintos, embora partilhem a mesma ratio, que será a efetividade da tutela judicial dos nossos direitos e interesses legalmente protegidos. Esta efetividade deve ser garantida, a montante, pelo próprio legislador, que deverá estipular uma formatação processual temporalmente adequada em ordem a assegurar o direito à razoável duração do processo.

Quando se fala de direito de acesso aos tribunais, há que se ter atenção pois não se trata apenas de possibilitar o acesso à justiça e, consequentemente, o direito ao recurso aos tribunais enquanto instituição estatal, e sim viabilizar o acesso a uma justiça justa, com a absoluta regularização do processo, e a sua formalização em tempo útil.

Por outras palavras, a garantia de acesso ao direito e aos tribunais, no plano legal, não admite condicionantes processuais desprovidas de fundamento racional e/ou com conteúdo inútil, excessivos ou desproporcional. Assim sendo, entre outros princípios fundamentais do processo penal, surge o princípio da duração razoável do processo. Por isso, sempre que seja prolongado de forma injustificada a prolação da justiça, é violado o direito fundamental de acesso aos tribunais76. Nesta medida o direito à decisão em prazo razoável é também um elemento essencial do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva.

É dado adquirido e consensual nos variados ordenamentos jurídicos civilizados, o reconhecimento do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, enquanto

Ações de formação contínua – Jurisprudência Internacional e Constitucional Penal e Processual Penal,

(org. Francisco Mota Ribeiro et al.), Lisboa, 2015, pág. 29. Disponível em: <http://www.cej.mj.pt/.../penal/Jurisprudencia_Internacional_Constitucional_Penal_Processual>. Acesso em: 01de Mai. 2016.

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Vide, MIRANDA, Jorge, MEDEIROS, Rui, Constituição Portuguesa Anotada, ob. cit., págs.186- 190.

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garantia do direito de acesso aos tribunais e a tutela jurisdicional efetiva. Acresce que, num Estado de Direito, a plenitude do acesso à justiça e os princípios da juridicidade e da igualdade postulam um sistema que protege os interesses dos cidadãos contra os próprios atos jurisdicionais não consentâneos com a juridicidade do sistema, à luz do respeito pela dignidade do homem e dos direitos fundamentais.

O processo deve, enfim, assegurar uma tutela jurisdicional efetiva, donde resulta a possibilidade de requerer e lançar mão de providências cautelares e, uma vez proferida a sentença, de obter a execução da decisão ou a efetividade das suas disposições77.

Portanto, é inquestionável, que o processo penal também está inserido no amplo contexto do acesso à justiça, à medida que, cada vez mais, se toma consciência da sua função instrumental e da necessidade de fazê-lo desempenhar de maneira efetiva o papel que lhe toca78.

À vista disto, somos levados a concluir que o direito de acesso aos tribunais e, consequentemente, a uma tutela jurisdicional efetiva, não passaria de “letra morta” se o acesso efetivo dos cidadãos aos tribunais não fosse acompanhado da garantia de uma célere decisão do pleito que lhes foi submetido79.

Assim sendo, as legislações processuais modernas devem construir procedimentos que tutelem de forma efetiva, adequada e tempestiva os direitos. O ideal é que existam tutelas que, atendendo internamente no procedimento, permitam uma racional distribuição do tempo do processo.

Como se sabe, um julgamento tardio irá perdendo progressivamente o seu sentido reparador na medida em que se posterga o movimento do reconhecimento judicial dos direitos. Uma vez extrapolado o tempo razoável para resolver a lide, qualquer solução será, austeramente, injusta, por maior que seja o mérito técnico e científico do conteúdo da decisão. Como denota BACON, «se a injustiça das sentenças as torna amargas, as delongas as fazem azedas»80.

77

Ibidem, pág.190.

78 OLIVEIRA, Pedro Miranda de, «O direito à razoável duração do processo à luz dos direitos

humanos e sua aplicação no Brasil», Jurisprudência catarinense, Florianópolis, n.º 107, ano 31, (2.trim.), 2005, pág.180.

79 CÁSTAN, María Luisa Marín, «La polémica «cuestión de la determinación del «plazo razonable»

en la administración de justicia, Comentario a la Sentencia del Tribunal Europeo de Derechos Humanos de 13 de julio de 1983», Revista española de derecho constitucional, n. º 10, año 4, (Janeiro-Abril), 1984, págs. 215-216. Disponível em <www.cepc.gob.es/publicaciones/revistas/revistaselectronicas>. Acesso em 31 de Mar. 2016.

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Nesta medida, cabe às autoridades resolverem os litígios submetidos aos tribunais de modo o mais eficiente possível, cumprindo um lapso de tempo razoável para a tramitação do processo, e da efetividade deste, reclamando que o momento da decisão não se alonga mais do que o estritamente necessário, por forma a garantir, no caso em concreto, um equilíbrio entre os postulados segurança e celeridade, sem que haja diminuição no grau de efetividade da tutela jurisdicional.

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II CAPÍTULO. DIAGNÓSTICO SOBRE AS CAUSAS DE DILAÇÃO DOS PROCESSOS-CRIME

A lentidão da justiça é um problema com causas múltiplas e complexas, e profundamente introduzido pelo crescimento contínuo da procura de tutela jurisdicional. Neste capítulo propomos analisar, de forma muito sintético, a tramitação do processo conhecido como «FP-25 de Abril», com vista a identificar e analisar as causas que tornaram este processo um dos mais complexos e demorados, sendo reconhecido como um dos maiores “imbróglios” da justiça portuguesa, que levou cerca de duas décadas até à decisão final81.