• Nenhum resultado encontrado

Metodologia de aferição da razoabilidade do processo

Como se sabe o TEDH tem uma sólida jurisprudência no que diz respeito aos parâmetros/pressupostos da aferição da razoabilidade da duração processual. Sempre que é chamado a pronunciar-se sobre os excessivos atrasos que se verificam na administração da justiça, aquele tribunal tem socorrido de alguns critérios essenciais para a determinação da razoabilidade do processo e, consequentemente, para a averiguação da sua violação207.

Assim à luz da jurisprudência do TEDH importa considerar e aferir em concreto os quatro critérios: à complexidade do caso; à conduta das partes; à conduta das

autoridades competentes; e, o objeto/interesse da causa para o(a) requerente – urgência na decisão («l’ enjeu du litige»)208.

i) Complexidade da causa

Segundo o primo critério, os órgãos da Convenção analisam-se tanto as circunstâncias de facto como o enquadramento jurídico do processo que são suscetíveis de contribuir para que o mesmo demore para além do prazo razoável a definir-se definitivamente209, nomeadamente, o número de arguidos envolvidos no processo e o volume de atos praticados, a produção de prova durante a fase de inquérito e instrução (se houver) e que tipos de prova foram produzidos, incluindo a pericial ou que

207 PEREIRA, JOÃO AVEIRO, A responsabilidade civil por atos jurisdicionais, ob. cit., págs. 195-

200.

208 Vide, entre muitos outros, «Caso Magalhães contra Portugal», TEDH, Queixa n.º 44872/98, de

26/02/2002. Ac. TCAN, processo n.º 00064/10.9BELSB, de 12/10/2012, relator: Carlos Luís Medeiros de Carvalho; Ac. TCAS, processo n.º 09424/12, de 21/11/2013, relator: Ana Celeste Carvalho.

84

envolvam investigações de âmbito ou dimensão internacional, número de testemunhas e peritos ouvidos. Na fase de audiência e julgamento, é importante considerar as dificuldades da aplicação do direito ao caso concreto, as dúvidas sobre as questões jurídicas em discussão ou própria natureza complexa do litígio e o número de jurisdições envolvidas por via de reclamações e recursos.

ii) Comportamento das partes

Quanto a valoração do secundo critério, o juiz de Estrasburgo analisa em que termos a atuação (ação/omissão) dos sujeitos processuais contribui para a existência de dilações irrazoavelmente indevidas no processo210, quer no que concerne ao recurso do mesmo para o exercício ou efetivação de direitos, quer quanto à utilização de mecanismos processuais, nomeadamente o uso de expedientes ou certas faculdades que obstam ao regular andamento do processo tais como: a constante substituição de mandatários, a demora na entrega de peças processuais, a recusa em aceitar as vias de instrução oral, o abuso de vias de impugnação e recursos sempre que a atitude dos sujeitos processuais se revele abusiva e dilatória.

Portanto, o que o TEDH exige é que o requerente, tenha tido uma «diligência

normal» no decurso do processo, não lhe sendo imputável a demora decorrente de uma

atuação de má-fé do exercício de direitos ou poderes processuais, como o de recorrer ou de suscitar incidentes, bem como das consequências que advierem para o processo das decisões proferidas no seu âmbito, mormente quando anulatórias211.

Importa referir que neste prisma, assume especial relevância a responsabilidade do juiz pela condução adequada do processo, no sentido de impedir no exercício dos poderes processuais de autoridade que lhe cabem o uso de expedientes dilatórias pelas partes intervenientes.

iii) Comportamento das autoridades

O tertio critério, o comportamento das autoridades nacionais é considerado numa perspetiva ampla, visto que a avaliação in concreto da duração do processo, atende não apenas o comportamento tido no processo pelas autoridades judiciárias, mas contempla também a apreciação da conduta de outras entidades do Estado, inseridas até no poder executivo e legislativo, exigindo-se, assim, que o direito ao processo equitativo se concretize com reformas legislativas ao nível das leis de processo e com

210 Ibidem.

211 BARRETO, Ireneu Cabral, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem anotada, 3.ª (revista e

atualizada), Coimbra, Coimbra Editora, 2005, pág. 57. Neste sentido, também, FONSECA, Isabel Celeste, Processo temporalmente justo, ob. cit., pág. 312.

85

reformas estruturais, mormente, com reforço dos meios humanos e materiais, cujos atos ou omissões, poderão traduzir-se, no plano internacional, incumprimento da obrigação de resultado exigido pelo art. 6.º, n.º 1 da CEDH. Sob esta perspetiva os órgãos da Convenção têm considerado que nem as situações de demora decorrentes de falta de recursos e materiais, nem o dever de escrupuloso cumprimento pelo juiz do princípio do dispositivo justificam a prolação irrazoavelmente tardia de uma sentença212.

Como sublinha HERRIQUE GASPAR213, argumentos como a complexidade da estrutura judiciária, a doença temporária do pessoal do tribunal, uma recessão económica, uma crise política temporária ou a insuficiência provisória de meios e recursos no tribunal, não tem sido credibilizados pelo TEDH como razão suficiente para desculpar o Estado pelos períodos de tempo em que os processos estão parados traduzindo-se em situação de demora excessiva do processo o que constituiria infração ao art. 6.º, n.º 1 da CEDH. Face à ratificação da Convenção pelos Estados estes comprometem-se a organizar os respetivos sistemas judiciários de molde a darem cumprimento aos ditames decorrentes daquele preceito214.

Também, este autor esclarece que a justificação do atraso na prolação de decisão judicial com base no volume de trabalho não tem merecido aceitação pelo TEDH, pois se pode eventualmente afastar a responsabilidade pessoal dos juízes não afasta a responsabilidade do Estado.

iv) Objeto ou finalidade do processo

A enumeração dos critérios/parâmetros de apreciação da razoabilidade da duração de um processo não ficaria completa sem nos referirmos a este ‘quarto’ e último critério que tem ganho autonomia em face do primeiro. Neste critério o TEDH avalia a urgência que os sujeitos processuais podem ter na resolução do processo: «l’

enjeu du litige»215. Prende-se sobretudo com a natureza do litígio ou o assunto objeto de

apreciação e tipo de consequências que dele resultam para a vida pessoal ou profissional dos envolvidos, mormente, a importância que a prolação atempada da decisão pode ter para os sujeitos processuais.

212 Ibidem, pág. 312 e, O direito a um processo à prova de tempo, ob. cit., pág. 221.

213 GASPAR, António Henriques, Direito a um Processo Justo e Equitativo: prazo razoável na

administração da justiça, absoluta igualdade de armas e efetiva defesa oficiosa, Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem: Casos Nacionais, (Série Formação Contínua), Lisboa, Centro

de Estudos Judiciários Editora, 2013, pág. 29. Disponível em <www.cej.mj.pt/.../Jurisprudencia/Jurisprudencia_Tribunal_Europeu_Direitos_Homem...>.

214

Cf. FONSECA, Isabel Celeste, Processo temporalmente justo, ob. pág. 328.

86

Tal critério apresenta uma importância primordial quando está em causa um processo urgente que vise tutelar situação de alegada ofensa já que o tardar numa decisão judicial para além daquilo que é prazo exigido como estritamente necessário para evitar tal lesão irreparável poderá tornar inútil o processo decorrido esse prazo, o que poderá desvirtuar por completo o direito constitucional à tutela jurisdicional efetiva, e potenciar a inevitável sensação de ceticismo e inutilidade relativo ao recurso à via judicial para a proteção de direitos e interesses legalmente protegidos. Neste sentido o TEDH já esclareceu que a medida razoável abstrata da duração de um processo pode na prática, num caso individual e concreto, demonstrar ser pouco ou nada razoável, bastando para isso que o assunto sobre a contenda incida e exija uma atuação mais imediata ou prática de uma diligência urgente excecional por parte do tribunal216.

Não resta dúvida de que o método mais seguro para medir a razoabilidade da duração do processo é aquele que os órgãos da Convenção criaram para avaliar o fundamento das queixas que lhes são apresentadas contra os Estados por violação da garantia do prazo razoável. A «metodologia sistemática» seguida assenta em critérios que são testados caso a caso, portanto in concreto, e numa perspetiva global, desde que o processo é iniciado, com a introdução da ação no tribunal competente, até que finaliza com o pronunciamento de uma decisão final. A jurisprudência de Estrasburgo atende a especificidades próprias do processo penal para considerar o dies ad quo e o dies ad

quem do período a ter em conta para o cálculo do «prazo razoável»217.

É com base nesta metodologia de valoração do conceito «prazo razoável» que os órgãos de Estrasburgo têm procurado, no conjunto de tanta diversidade e variáveis, «objetivar e racionalizar a sua jurisprudência» prescrevendo princípios preciosos e coerentes que transmitem a previsibilidade e segurança jurídicas, próprias de todas as interpretações de direito. É um método seguido que se encontra uma «suficiência dose de racionalidade» do intérprete218.