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CAPÍTULO II TRABALHO E EDUCAÇÃO: HISTORICIDADE E

3. A EDUCAÇÃO VISTA COMO RESPONSABILIDADE DE TODOS

3.1. A atuação dos organismos supranacionais

3.1.1. A concepção do empresariado

Na perspectiva empresarial de investimentos em capital humano, as análises educacionais burguesas partem do princípio de que o desenvolvimento econômico resultará em investimentos em ciência e tecnologia, o que exigirá a elevação do nível de escolaridade (SILVEIRA, 2007; 2011).

68Considerar a escola como lugar de formação crítica está sendo colocada em cheque por forças sociais conservadoras; requalificar esse debate é uma necessidade para fazer frente a essas forças.

Já Frigotto (2010) indica que para a burguesia, educação, seria um eficiente mecanismo de garantia de mobilidade social, alternativa para driblar a crise resultante da acumulação capitalista. Vários empresários defendem investimentos em formação escolar básica e profissionalizante como meio para melhorar a qualidade de vida; defendem, inclusive, ensino de qualidade. Um dos maiores investidores e interessados em elevar a qualidade do ensino básico hoje no Brasil é o empresário Paulo Lemann69, é o fundador da Fundação Lemann; desenvolve projetos educacionais para o ensino fundamental e médio. Em matéria de Lucas Borges Texeira, publicada em 26 de Agosto de 2016 no site da revista Forbes é apresentada a informação de que Lemann acredita que melhorar o nível educacional brasileiro é, portanto, essencial para diminuir as desigualdades sociais e ajudará o país a se tornar mais competitivo em médio e longo prazo.

O empresariado se mobiliza a partir de conceitos forjados no ambiente empresarial, várias fundações e instituições desenvolvem projetos na educação básica e superior; fundamentam suas ações em conceitos e concepções que tem origem no mundo empresarial. A Fundação Lemann é uma organização privada voltada para investimentos em educação, propõe práticas empresariais para uma eficiente gestão escolar, também propõe a requalificação do papel do professor; aconselha que o diretor de escola pública deve ser um líder.

As formulações da Fundação Lemann se baseiam na ideia de “padrões de competências” (MARTINS, 2015, p. 85). O diretor de escola agindo como um líder empresarial torna a administração escolar fundamentada em práticas neopragmáticas e voltadas para resultados. Educar para formar lideres capazes de agir no interior das empresas e no mercado tem sido um importante elemento nas práticas educacionais empresariais; o caso da Fundação Lemann é exemplarmente analisado por Martins para evidenciar a aplicação de conceitos e práticas oriundas do mundo empresarial no campo da educação; ele argumenta nestes termos:

a noção de líder se constitui na tônica das formulações da FL para definir o diretor escolar. Trata-se de uma adaptação de um constructo originário do “mundo dos negócios” que agora é aplicável à escola pública. As formulações se apoiam na ideia de “padrões de competências”. Em trabalho articulado pela FL, Lück (2009, p.12) afirma que tais padrões definem “[...] a capacidade de [uma pessoa] executar uma ação específica ou dar conta de uma responsabilidade específica em um nível de execução suficiente para alcançar os efeitos pretendidos (MARTINS, 2015, p. 85).

69É empresário no ramo de bebidas e alimentos.

De acordo com as concepções de educação para o mercado, o professor não tem autonomia para ensinar, ele deve veicular conteúdos preparados por um conselho de técnicos devidamente qualificados. O caso Positivo70 é interessante, trata-se de uma empresa tecnológica que vem firmando relações com o governo e tem implantado nas escolas plataformas que remodelam os processos de aprendizado. Cátia Guimarães (2013) citando Célia Cristina Cassiano indica que a Positivo atua na educação pública por meio do ‘Aprende Brasil’ e a ‘Divisão de Tecnologia Educacional’. A Positivo faz a edição de livros para o Programa Nacional do Livro didático (PNLD). Diante desse cenário é possível afirmar que o empresariado tem se mobilizado politicamente e apresenta seu aparato técnico e teórico educacional para o Estado intervir no ensino fundamental e médio.

O empresariado em sua diversidade de interesses requisita da classe trabalhadora formação simples, mas também formação complexa; exige-se trabalhadores altamente qualificados para assumir postos de comando, controle, planejamento e administração de empresas; nesta perspectiva, a escola precisa superar suas deficiências e se adequar aos novos movimentos do capital. As tecnologias podem ser aplicadas para garantir maior eficiência na qualificação da classe trabalhadora. O empresariado industrial indica a necessidade de se desenvolver tecnologias que favoreçam uma formação escolar em alta escala, formação mais rápida e com um baixo custo; o ensino a distância seria um recurso favorável a esse proposito e já vem sendo apresentado em iniciativas de vários parlamentares.

Os intelectuais orgânicos da burguesia empresarial pensam a educação a partir de conceitos e práticas favoráveis à divisão sociotécnica do trabalho, em sua perspectiva utilitarista. Euvaldo Lodi, engenheiro, empresário e primeiro presidente do SENAI defendeu uma educação compromissada com a formação humana funcional, dedicada as necessidades da economia brasileira, propondo um ensino utilitário ou pragmático (RODRIGUES, 1997, p. 127).

Os intelectuais burgueses defendiam a escolaridade básica como uma ação necessária para ampliar a produtividade. Nessa perspectiva, o processo educativo deve garantir um conjunto de qualidades formativas, imprescindíveis à atividade industrial

70 A Positivo é uma empresa que atua na área editorial mas também no setor de eletrônicos; a Positivo é marca de computadores e celulares.

(RODRIGUES, 1997). As próprias empresas em seus processos pedagógicos internos qualificam os trabalhadores na justa medida de suas necessidades.

Há várias empresas que fomentam em seu interior cursos de qualificação para o quadro interno de funcionários, especialmente em redes de varejo71. Isso acaba ajudando o empresariado ter suas próprias experiências pedagógicas e aplicar seus conceitos e valores na formação do trabalhador. A qualificação fica restrita ao interior da própria empresa, ela mesma estabelece as qualificações desejadas (FRIGOTTO, 2010). Fomenta- se cursos e processos pedagógicos próprios; nessa perspectiva, a organização curricular fica a critério da empresa. Com essa experiência educacional o funcionário acaba criando um forte vínculo com a empresa. O Grupo Pão de Açúcar72 possui uma universidade de tipo corporativa73, Universidade Assaí, se dedica a formar lideranças a partir de seu quadro interno de funcionários; para isso também estabelece parceria com universidades formais, juridicamente reconhecidas, UGF (Unidade de Gestão e Formação) e Universidade Anhembi Morumbi. A universidade corporativa também existe em multinacionais, tais como a Mc Donald´sUniversity, da Mc Dobald´s.

O empresariado organiza cursos com base nas demandas do mercado. Trata-se de difundir um tipo de conhecimento, desenvolvimento mental e moral adequado às atividades práticas de um cotidiano marcado por relações hierarquizadas e sem democracia; o dono do estabelecimento, detentor dos meios de produção, e o gerente concentram o poder de decisão e de planejamento intelectual do trabalho, cabe ao restante dos trabalhadores a execução do plano de trabalho.

Observando a prática escolar a partir da perspectiva do trabalho mental, intelectual - e não do trabalho produtivo material - no interior do corpo coletivo de trabalho, Frigotto (2010) observa que a escola colabora para a formação de força de trabalho nas funções de supervisão, administração, planejamento do capital no interior das empresas capitalistas.

Na sociedade burguesa, o princípio organizativo da educação não é como prediz o neoliberalismo, a igualdade e a liberdade, mas, o trabalho produtivo moderno (SAVIANI, 2014). O consenso em torno do ensino básico é estabelecido em prol de um

71Nas redes de supermercado há estágios internos de qualificação dos funcionários que garantem o provimento de mão de obra qualificada para postos mais burocratizados para provimento interno.

72Trata-se de um poderoso grupo do ramo de alimentos, possui várias bandeiras, a mais conhecida é o Extra. 73Universidade corporativa não tem o respaldo jurídico que as universidades possuem; trata-se apenas de um nome para cursos organizados e oferecidos pela corporação.

ensino que forme quadros de líderes e trabalhadores com capacidades para agir no mercado. Michel Temer (2016) indica em ato público a relação da escola com as necessidades do capital. O presidente fala nestes termos:

é o rumo que pouco a pouco vem sendo compreendido pela sociedade, especialmente quando se faz um ato como o ato de hoje, que é enaltecer a educação brasileira como força motriz para o crescimento e desenvolvimento do país; educação é a “força motriz” para o crescimento do país, diz Temer (BRASIL, 2017).

A escola deve fornecer não apenas força de trabalho especializada às empresas industriais, mas também deve fornecer burocracia ao Estado e à sociedade (FRIGOTTO, 2010). Apesar do princípio do trabalho não ficar evidente na grade curricular do ensino elementar (básico), a escola sempre forma para o trabalho intelectual ou prático. É justamente o trabalho que caracteriza o currículo escolar (SAVIANI, 2014).

A intenção manifestada atualmente por frações da burguesia de equipar a escola tecnologicamente e propor a qualificação profissionalizante da classe trabalhadora se contrapõe a uma tendência identificada por Frigotto (2010). Apontou em pesquisas feitas na década de 80 que a improdutividade da escola era resultado dos baixos investimentos nas escolas públicas; também observou que as “oficinas” e os laboratórios das escolas não correspondiam – em nada – com o nível de desenvolvimento tecnológico das industrias. Enquanto a escola brincava de iniciação para o trabalho a partir de atividades artesanais, o setor industrial e de serviços eram marcados pela presença de recursos tecnológicos (FRIGOTTO, 2010). Havia um aparente descompasso da escola com as demandas do capital. Diferentemente de outros momentos, o empresariado atualmente propõe um maior estreitamento dos vínculos da escola com a produção e com o setor de serviços; há frações da burguesia envolvidas com projetos educacionais objetivando melhorar a qualidade do ensino médio. As mudanças ocorridas no mundo do trabalho demandam o disciplinamento e faz exigências às escolas (OLIVEIRA, 2007).

O empresariado estabeleceu novos mecanismos políticos-ideológicos e pedagógicos objetivando garantir um projeto de formação humana referencial para toda a sociedade (MARTINS, 2015); propõe melhorar a gestão escolar e o índice de aprendizado dos estudantes. Para a administração escolar é proposto a aplicação do pragmatismo gerencial de resultados (MARTINS, 2015). Na foto abaixo o Empresário,

Paulo Lemann74, participa de uma aula em uma escola pública de São Paulo; a Fundação Lemann possui vários programas para escolas públicas em várias regiões do país.

Figura 1: O empresário assiste a uma aula em São Paulo Fonte: Veja Rio75

A fotografia acima indica que o empresariado brasileiro não está somente pensando a educação e propondo alternativas, não está encampando debates apenas; o empresariado está agindo diretamente no interior das escolas, está presente nas escolas públicas. Isso é um claro indicativo de mudanças no modo como o empresariado está agindo no campo da educação.

De acordo com a matéria de Sofia Cerqueira (2017), a fundação Paulo Lemann desde 2002 financia projetos, desenvolve pesquisas, qualifica lideranças e promove formação no exterior com foco em gestão pública. A burguesia empresarial defende a prática gerencial para a obtenção de melhores resultados escolares; propõe um caráter gerencial à gestão da escola; aplica o pragmatismo e a objetividade com características

74 Há uma série de declarações do empresário Paulo Lemann reivindicando melhorias educacionais. 75 Disponível em: http://vejario.abril.com.br/cidades/lemann-e-o-sonho-de-transformar-a-educacao-

de um humanismo limitado e desprovido de historicidade (MARTINS, 2015). Nessa perspectiva, o método e a técnica suplantam os conteúdos (FRIGOTTO, 2010).

O interesse do empresariado pela formação escolar indica que, “uma das funções principais da educação formal nas nossas sociedades é reproduzir tanta conformidade ou ‘consenso’ quanto for capaz, a partir de dentro e por meio dos seus próprios limites institucionalizados e legalmente sancionados” (MESZÁROS, 2008).

CAPÍTULO III – AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL DO SÉCULO