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CAPÍTULO I O ESTADO E SUA ESPECIFICIDADE BRASILEIRA

2. A REORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA

Florestan Fernandes (2008, p.154) aponta para o caráter associado e dependente do capitalismo brasileiro, indicado que o desenvolvimento econômico engendrado no Brasil desempenha uma determinada especialidade na dinâmica econômica internacional30. Essa situação de associação dependente da burguesia brasileira se aprofunda com a interpenetração do setor de serviços com o setor industrial, em nível internacional e nestes tempos neoliberais.

A dependência econômica não constituía um simples efeito de relações comerciais e financeiras. Ela se impunha como produto da existência de uma ordem econômica mundial, na qual as nações dependentes se especializavam, de um modo ou de outro, em funções econômicas vinculadas à dinâmica das economias nacionais dominantes; nascia, assim, um padrão de desenvolvimento econômico pelo qual o crescimento econômico das nações ficava subordinado aos interesses, à política e às potencialidades econômicas das nações dominantes (FERNANDES, 2008, p. 153).

O discurso neoliberal, no Brasil, passa a ter presença marcante no pós-eleições de 1989, propõe reformas no Estado; a desregulamentação do trabalho e mudanças significativas no campo educacional e nas formas de produzir ciência e tecnologia (SILVEIRA, 2007; 2011).

Sob a égide da ideologia neoliberal, torna-se senso comum noções como, globalização, competitividade, mercado, produtividade, individualismo, consumidor, sociedade do conhecimento, formação por competências, qualidade total, empregabilidade, empreendedorismo, colaboradores, multiculturalismo e, ainda, reestruturação produtiva.

Silveira (2011) caracteriza o cenário nacional e internacional, na fase neoliberal do capital, indicando importantes aspectos do movimento do capital e de reorganização mundial do trabalho:

30A precarização das condições de trabalho acontecem progressivamente. Estas condições são colocadas pelo tipo de relação econômica estabelecida pelo Brasil em relação aos países de economia central. O rebaixamento nas condições de trabalho acontecem em prol da reprodução do capital a nível internacional

a) internacionalização da economia, com base na geopolítica, a partir da integração dos Estados-Nações aos mercados comum, regional e global, bem como dos avocados acordos comerciais que se originam dessa relação; b) ampliação da internacionalização produtiva, iniciada no século XIX e aprofundada após a Segunda Guerra Mundial, com base na crescente capacidade das transnacionais em conectar mercados e transportar capital e tecnologia entre fronteiras nacionais; c) reconfiguração da divisão internacional do trabalho a partir da participação de países do antigo bloco socialista e da incorporação daqueles do Leste Asiático; d) interpenetração das atividades do setor de serviços com as dos setores primários e secundários da economia; e) desmantelamento dos direitos sociais e trabalhistas, historicamente conquistados, de modo a possibilitar a configuração de um mercado de trabalho estruturado na nova divisão internacional do trabalho; f) desregulamentação do trabalho, acompanhada de formas de trabalho em rede, bem como de modalidades de flexibilização e desconcentração do espaço físico produtivo; g) superexploração do trabalho manual e intelectual, particularmente em suas formas precarizadas; h) no plano socioeconômico, redefinição das relações de produção e, por conseguinte, da reprodução da vida ampliada; i) no plano político- econômico, modificação do papel do Estado na sua relação com o trabalho e frações de classe do capital, além da alteração do sistema monetário-financeiro internacional; j) redução do antagonismo capital- trabalho em decorrência da desorganização da classe trabalhadora, do enfraquecimento de sindicatos combativos, da exacerbação do individualismo, de um lado, e da institucionalização do trabalho colaborativo, de outro; k) sobreposição do modelo de acumulação flexível (incorporando ao modelo toyotista a informação automática e a maquinaria de base técnica eletroeletrônica) ao modelo taylorista- fordista sem deste prescindir, permitindo, assim, uma versatilidade na produção industrial, calcada em formas de trabalhos que mesclam o arcaico e novo, possibilitando a extração da mais-valia absoluta combinada com a mais-valia relativa, com predomínio da segunda; l) manutenção da brecha científico-tecnológica-educacional-cultural entre países de capitalismo central e periféricos, com base na divisão internacional do trabalho (SILVEIRA, 2011, p. 134-135).

Não resta dúvidas de que a reestruturação produtiva, em curso desde o início dos anos de 1990, trouxe a “precarização estrutural do trabalho”. A precarização das condições de trabalho é um fenômeno que se manifesta nos momentos de crise do capital. Ao buscar a retomada da competitividade, afirma Behring (2003), promove-se a queda dos custos dos fatores de produção, inclusive, o “custo” do trabalho; se estabelece a precarização das condições de trabalho. Ao mesmo tempo, dispensa-se, na medida do possível, o trabalho vivo, conforme afirma Antunes (2003): “o capitalismo com sua lei do valor precisa menos de trabalho estável e mais de trabalho diversificado em suas formas; necessita mais de trabalho parcial ou part-time, necessita de trabalho terceirizado” (ANTUNES, 2003, p. 119 apud SILVEIRA, 2007, p. 94).

Estas são as condições do desenvolvimento das forças produtivas; implicam em diferenças nas relações sociais e nas leis que regem essas relações (MARX, 2004), particularmente expressas nas desigualdades educacionais.

Segundo Silveira (2011, 2015), as ofertas formativas se dão em um leque diversificado de cursos, em todos os níveis e modalidades de ensino, ofertados por instituições organizadas hierarquicamente segundo seu reconhecimento social e o tempo de duração dos cursos que formam o corpo do trabalhador coletivo. A medida que o capital avança, simplifica e desqualifica as ocupações31, contraditoriamente requer altos níveis de qualificação. Daí a execução de várias propostas de formação para o trabalho simples, mas também para o trabalho complexo.

Frigotto (2010) evidencia que a educação é vinculada ao processo de reorganização do capital e se alinha a lógica de dependência econômica. A vinculação entre educação, qualificação e processo produtivo, oculta na verdade, o interesse do Estado intervencionista enfrentar a crise do capital monopolista contemporâneo formando ideologicamente e tecnicamente a classe trabalhadora; trata-se de um recurso político e ideológico.

Já Rodrigues (1997) afirma que,

nos momentos de crise, a educação sempre desponta como o caminho reto e seguro que conduz ao novo télos. Cabe notar que, como a crise é uma característica inerente ao modo de produção capitalista, a educação é permanentemente campo de luta hegemônica para a definição de

seus fins, seus objetivos, seus métodos e sua estrutura (RODRIGUES, 1997, p. 227).

Diante desse cenário de reorganização do capital em todo o mundo e com a propagação de teorias pós-modernas que afirmam existir peculiaridades históricas que levaram ao fim das classes sociais, Martins (2015), em contraposição, indica que as mudanças sofridas pelo capitalismo não mudam as características essenciais de sua forma de organização social. As modificações vivenciadas pelas classes sociais não implicam em uma redefinição de seus papeis sociais na produção da vida; a modernização do mercado brasileiro não implicou na superação da condição de capitalismo dependente. As contrarreformas visam garantir a continuidade de condições - econômicas, sociais e

31 Há uma geração de estudantes jovens que mesmo sendo profissionalmente qualificados se veem excluídos ou em condições difíceis de trabalho.

políticas - favoráveis à produção de mais-valia e dependência do capitalismo brasileiro ao capital externo.

Neste contexto, é possível afirmar que, em situação de crise do capital, a educação cumpre papel importante no processo de conformação e adaptação da classe trabalhadora a crise; é nesta situação de profunda crise econômica que a contrarreforma do ensino médio é implementada em 2017.

CAPÍTULO II - TRABALHO E EDUCAÇÃO: HISTORICIDADE E