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CAPÍTULO II TRABALHO E EDUCAÇÃO: HISTORICIDADE E

1. TRABALHO, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL

1.1. O trabalho na escola: uma perspectiva revolucionária

Há estudos pedagógicos de tradição marxista que consideram o trabalho uma categoria central para a organização dos processos educacionais na escola. Vários pedagogos soviéticos estabeleceram práticas pedagógicas que consideravam o trabalho um princípio educativo, articularam a escola ao mundo da produção. A realidade revolucionária apresentou novas possibilidades para experiências educacionais renovadoras. O trabalho, portanto, se prende a dinâmica do tempo histórico, tempo também não essencializado; trata-se do tempo dos acontecimentos sociais modernos, é o tempo social e não o tempo da física propriamente (SILVA, 2015).

É considerando que o estudante tem experiências cotidianas no mundo do trabalho que Viktor Shulgin (2013) alertou para a necessidade de se pensar a escola a partir de práticas pedagógicas que considerem o mundo do trabalho e a inserção dos estudantes

41 Vale ressaltar que para Lukács os conhecimentos aplicados na natureza são mais facilmente desvinculados de posições teleológicas - que determinaram o seu surgimento - do que o conhecimento fundamentado para orientar os homens e os grupos humanos (LUkÁCS, 1979, p. 11).

nesse mundo. A escola deve considerar o trabalho necessário, as práticas e o conhecimento dos estudantes. Nesse sentido, o conhecimento oferecido pela escola é sistemático, porém, não despreza os conhecimentos adquiridos a partir das experiências cotidianas dos estudantes. Shulgin (2013) afirma que a “nossa escola” (escola dos trabalhadores); é a escola que considera ensinar com base no trabalho socialmente necessário; trabalho que não é brinquedo; essa escola aproveita os fatos fora da escola, considera os trabalhos executados pelas crianças em seus cotidianos.

Quanto mais ela [a escola] o faz, mais ela também se torna a nossa escola, e exatamente por este caminho é preciso seguir: aprender no processo de trabalho, na vida, pelo trabalho realmente necessário, considerando toda a prática, todo o conhecimento dos estudantes. Em outras palavras, quanto mais a escola ensina na base do trabalho socialmente necessário, na base de um brinquedo, mas trabalho real, mais ela é nossa escola, mais ela ensina com os fatos reunidos fora da escola, com a obra que se realiza fora dela, no trabalho feito pelas crianças no ambiente, no meio, e não na escola (SHULGIN, 2013, p.160)

É no transcorrer de suas abordagens que Shulgin (2013) considera a relação dos estudantes com o trabalho e indica que o papel da escola é viabilizar aprendizados que aproveitem os conhecimentos aplicados no mundo do trabalho no processo escolar. Trata- se de atividades que se dão espontaneamente e que devem ser incluídas nas práticas pedagógicas; nessa perspectiva, Shulgin afirma que é preciso ajudar o estudante obter o máximo de conhecimentos42 precisos e reais. O conhecimento fomentado na escola não deve estar distante da realidade do estudante. Nessa perspectiva, “é preciso incluir rapidamente tudo o que seja possível na esfera da pedagogia e pensar, desenvolver, resolver a questão de como ajudar os estudantes a obter o máximo de conhecimentos e habilidades (SHULGIN, 2013, p. 170).

É falando sobre trabalho como princípio educativo que Shulgin (2013) considera que é no contexto do trabalho multilateral, tecnicamente bem elaborado que se desenvolve um novo homem. Novos conhecimentos são adquiridos, trata-se de uma situação de superação de formação diferenciada para o trabalho intelectual e prático. Com a superação dos obstáculos da produção capitalista se criará uma geração nova de produtores; o

42 A formação oferecida por instituições que visam instrumentalizar os estudantes a desenvolver capacidades e habilidades se distancia da proposta formação pensada por Shulgin; as diferenças se dão em vários aspectos. As instituições educacionais atualmente forma para o trabalho, os jovens e adolescentes não são educados para ter experiência emancipadora.

trabalhador entenderá de vários ramos da produção, será uma nova força produtiva (SHULGIN, 2013).

A proposta de educação em Marx e Engels combina educação e produção, os pedagogos soviéticos seguiram a mesma perspectiva; porém, trata-se de um projeto de formação escolar ancorado em relações sociais que superam a divisão social43 do trabalho; como bem afirma Frigotto (2010), é uma proposta de formação que está em contradição com o modo de produção capitalista.

Formação para o trabalho polivalente não é o mesmo que a concepção de politécnia pensada por Gramsci; vale ressaltar que a politécnia é caracterizada pelo domínio dos fundamentos científicos das diferentes técnicas do processo produtivo moderno (SAVIANI, 2003 apud SILVEIRA, 2007); a formação politécnica objetiva a formação omnilateral do homem, trata-se de garantir a experiência de liberdade no trabalho (RODRIGUES, 1997); é um tipo de formação que considera o trabalho como força intelectual vital para a classe trabalhadora ter acesso aos saberes científicos do mundo natural, físico e social. A formação politécnica estreita o vínculo com o mundo do trabalho; recupera a natureza ontológica das ciências aplicadas ao trabalho. Cursos profissionalizantes difundidos atualmente por instituições do Sistema S por exemplo estão na contramão dessa lógica, ofertam cursos de qualificação simplificados.

Politecnia implica obtenção de conhecimento especializado dos fundamentos científicos das várias técnicas implicadas na produção moderna (SAVIANI, 2014). Em termos práticos, uma proposta de ensino baseada na associação entre trabalho e educação garantiria ao estudante acesso a oficinas, ao aprendizado dos processos técnicos da produção moderna; esse aprendizado seguiria a formação fundamentada na politecnia e não na especialização (SAVIANI, 2014).

A escola politécnica é usada pela burguesia para atender seus objetivos como classe detentora dos meios de produção; é uma escola profissionalizante estreita, limitada. A educação geral é oferecida até certo ponto, para que o estudante continue na condição de apêndice da máquina (SHUGIN, 2013).

Oferecer uma formação escolar que concilie ensino médio e profissionalizado, que forme para atender as demandas do mercado resgata antigos debates. Formação

43Relacionar educação e divisão social do trabalho faz parte da abordagem marxista; para denunciar as contradições de uma sociedade dividida em classe essa relação é necessária.

profissionalizante articulado ao ensino médio nos remete as contribuições teóricas de Marx, Engels, Lenin, Gramsci e às experiências e teorias pedagógicas soviéticas.

Marx considerava que o sistema fabril possuía o germe da educação do futuro44, seria um meio para elevar a produção social e garantir o desenvolvimento cultual dos trabalhadores (SAVIANI, 2014, p. 10). Como bem pontua Frigotto (2010), a escola politécnica e unitária considera o ensinar a partir do que ensinar, não se trata de ensinar a aprender a aprender, o objetivo é valorizar o potencial transformador da classe trabalhadora.

Trata-se de um projeto que avança para uma perspectiva para além da ideia de universalidade e gratuidade do ensino; nessa perspectiva, a conciliação entre ensino e trabalho seria alternativa educacional para todas as crianças, e não apenas aos filhos da classe trabalhadora (SILVEIRA, 2007).

É falando sobre a necessidade de se considerar as práticas escolares como aspectos presentes nos processos de trabalho que Shulgin alerta que a cidade apresenta constantes exigências para a formação educacional. Na cidade as coisas acontecem mais rapidamente, as máquinas são substituídas mais rapidamente; o desenvolvimento da economia demanda novas habilidades dos operários. Demandas por conhecimentos e alfabetização são exigências que superam as exigências do campo; é nesse contexto de necessidades que se estabeleceu a educação como um direito universal. É nesse contexto que surgem os cursos profissionalizantes. Se referindo a rapidez da cidade e suas demandas por formação escolar que Shuguin já apontava para a dinâmica educacional do começo do século XX. Ele fala nestes termos:

a fábrica crescia, mudava, máquinas eram substituídas por outras, mudavam-se também os métodos de trabalho, e de fábrica em fábrica corriam os trabalhadores desempregados; demissões políticas por falta de confiabilidade, proibição de viver nestas ou outras cidades. E o próprio desenvolvimento econômico exigia impetuosamente dos trabalhadores novas habilidades, hábitos, um certo nível de conhecimentos e de alfabetização, de forma mais imperiosa do que no campo. E nisso estava interessado não só ele, mas também o proprietário. Tornava-se desvantajoso ter um operário analfabeto. Daí veio a luta pela educação universal, daí surgiram os cursos profissionalizantes e escolas (SHULGIN, 2013, p. 175 – 176).

44 Educação que promova qualificação para o trabalho industrial não é rejeitado pelo marxismo, trata-se de problematizar sua utilização pelo capital.

O mundo do trabalho, como evidenciado por Shulgin, pode apresentar novas demandas comportamentais para a classe trabalhadora, novos hábitos e processos educacionais. O modo de produção capitalista sempre apresentou novas demandas tecnológicas e de qualificação à classe trabalhadora, pretendeu organizar os trabalhadores a partir de novas perspectivas de organização do trabalho, de maximização da produção e desempenho; também implicou na absorção de uma dada concepção de mundo pelos trabalhadores.

A classe dominante durante o processo de desenvolvimento social-capitalista passou a demandar formação escolar e profissionalizante da classe trabalhadora, essa exigência continua ainda hoje. Os empresários brasileiros organizados em fundações e institutos se envolvem diretamente em assuntos educacionais exigindo educação pública de qualidade e difundindo práticas educacionais baseadas em concepções de aprendizado e de gestão originários do mundo empresarial. O capital apresenta demandas que exigem novas competências do trabalhador, demanda atributos educacionais e comportamentais específicos; trata-se de novos procedimentos técnicos e comportamentais. Gramsci (2001) se empenhou em pensar o americanismo e o fordismo enfatizando que as novas demandas à classe trabalhadora implicaram na definição de atitudes e valores, apresentou uma concepção de trabalhador. É sobre estas questões que abordaremos na próxima seção.

2. DEMANDAS POR UM TRABALHADOR ADEQUADO ÀS NOVAS PRÁTICAS