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CAPÍTULO I O ESTADO E SUA ESPECIFICIDADE BRASILEIRA

1. O Estado como relação de forças políticas

1.2. Breves notas sobre o Estado em tempos neoliberais

No período da redemocratização o nacional-desenvolvimentismo, aplicado desde 1930, foi progressivamente substituído pela orientação neoliberal. O neoliberalismo enquanto concepção política e econômica comunga de uma amalgama de princípios que favorecem ao empresariado enquanto classe detentora de uma consciência de si. Com a mudança da ditadura para a democratização, a sociedade civil passa a demonstrar sinais típicos de sociedade ocidental. O Estado se adequando a modalidade ocidental, a sociedade civil passa a demonstrar tanta força quanto o Estado.

[...] não é que o Estado ‘ocidental’ seja fraco, débil; no ‘Ocidente’, o Estado também é forte, pode ser até mais forte do que numa situação ‘oriental’, mas o que caracteriza a condição ‘ocidental’ é que temos nela também uma sociedade civil forte e articulada, que equilibra e controla a ação do Estado stricto sensu. Não posso aqui argumentar mais detidamente sobre isso, mas me parece que o Brasil, já desde o final dos anos 1970, apresenta uma ‘justa relação’ entre Estado e sociedade civil (COUTINHO, 2011, p. 188).

É nesse período que ocorre uma crise estrutural, iniciada na década de 1970; o Estado precisou mudar certas atribuições e assumir novas perspectivas. A crise afetou não apenas a dimensão socioeconômica, mas também instituições políticas. Os capitalistas recorreram ao neoliberalismo como meio de administrar e internacionalizar o capital (SILVEIRA, 2007). O neoliberalismo tratou-se de um fenômeno político de convalidação de práticas e relações comerciais. Muitos empresários brasileiros são hábeis defensores e difusores de ideias neoliberais26.

26 A defesa do livre mercado e liberdade individual tem certos pontos de afinidade com o pensamento pós- moderno. Trata-se de delegar ao mercado atribuições que são do Estado. A ideia de que o empresariado pode resolver os problemas educacionais tem relação com essa concepção.

Silveira (2007) faz uma apresentação dos elementos que diferenciam o neoliberalismo do liberalismo; indica que há uma correlação entre as duas correntes, porém, há especificidades teóricas; a começar pelos diferentes momentos históricos de surgimento de cada uma destas correntes. Teóricos do liberalismo foram apropriados pelo neoliberalismo. Adam Smith é a fundamentação da política econômica laissez-faire, defendida pela escola de Hayek e Friedman. Hayek e Friedman são os defensores consagrados do neoliberalismo, defendem o livre mercado e seu automatismo; indicam que a causa da instabilidade do capitalismo é o excesso de governo e que o monopólio empresarial tem uma interferência insignificante na economia; o papel do governo deve ser o de garantir a liberdade dos indivíduos.

Analisando o Estado mais contemporaneamente, Coutinho (2011) aponta que o neoliberalismo tem orientado as ações do Estado, construído sua hegemonia com base na pequena política e em uma pseudo-ética favorável ao privatismo que garante o consenso; esses procedimentos caracterizam as práticas políticas e ideológicas neoliberais27. Nesse contexto, a proposta de hegemonia burguesa se fundamenta no “modelo norte-americano” e tem o propósito de conservar o velho corporativismo, porém, com novos elementos. A proposta de ‘flexibilização’ das leis trabalhistas, que inclusive fez parte da agenda do governo do ex-presidente, Luiz Inácio Lula as Silva (2003-2010), não se trata mais de incorporar os sindicatos ao aparelho do Estado, mas de incentivar a organização sindical ‘livre’, fazer a defesa dos interesses particulares, interesses corporativos de determinadas categoriais; trata-se de fomentar o pluralismo sindical que converge para o sindicalismo “de resultados” (COUTINHO, 2011).

O neoliberalismo não foi superado com a chegada do PT no governo federal, pelo contrário, foi reforçado enquanto hegemonia. A cooptação de vários movimentos sociais implicou no enfraquecimento da resistência ao modelo liberal-corporativo; esse momento pode ser entendido como sendo de ‘revolução passiva’ ou como chama Gramsci, ‘transformismo’, a oposição é cooptada pelo bloco no poder. Coutinho atribui o mesmo papel econômico e social entre PT e PSDB, os dois partidos praticaram os mesmos métodos de governo; tratou-se de uma situação de valorização da pequena política que

27 A burguesia brasileira demanda outras estratégias de ação, a hegemonia é a principal delas; hoje, a burguesia brasileira, a partir de diferentes frações, possui vários projetos para a sociedade. Como será indicado mais a frente, várias empresas, ligadas a diferentes setores da economia, apresentam projetos educacionais à sociedade brasileira a partir de certas concepções.

não considerou as questões fundamentais da formação econômico-social brasileira. Coutinho (2011) analisa nestes termos:

torna-se também evidente na tendência, hoje dominante entre nós, no sentido de reduzir a disputa política a um bipartidarismo de fato, ainda que não formal, centrado na alternância de poder entre um bloco liderado pelo PT e outro pelo PSDB, que continuariam não só aplicando a mesma política econômica e social, mas também praticando métodos de governo semelhantes, que não recuam diante de formas mais ou menos graves de corrupção sistêmica. Estaríamos diante do triunfo entre nós da ‘pequena política’, ou seja, de uma agenda que não põe em discussão as questões substantivas da formação econômico-social brasileira (COUTINHO, 2011, p. 193).

Carlos Nelson Coutinho (2011) diante da crise do Estado com características que remontam ao governo varguista indica duas perspectivas que se abrem para a redefinição do Estado na atualidade, uma sendo de caráter liberal-corporativista28, marcada pelos interesses da burguesia e que delega ao mercado a capacidade de regular as questões sociais e econômicas, nessa perspectiva, o privado se impõe ao público; por outro lado é apresentada uma outra alternativa, a democrática, marcada pela presença dos interesses das classes subalternas; trata-se de um modelo que valoriza o espaço público; nesse último caso, o Estado terá um papel importante, mas também a sociedade civil com suas várias frentes de participação popular. Coutinho (2011) desenvolve sua análise de conjuntura considerando que

diante dessa crise, surgem duas propostas de redefinição do Estado. Por um lado, temos o que chamei de proposta liberal-corporativa, representativa dos interesses da burguesia, que consiste em desmantelar o pouco que há de público nesse Estado em crise e, como consequência, confiar ao mercado a regulação dos problemas sociais e econômicos. Trata-se, nesse caso, do aberto predomínio do privado sobre o público, um predomínio ainda maior do que aquele vigente no velho tipo de Estado ‘varguista’. Por outro lado, temos uma proposta democrática, que representa os interesses das classes subalternas, centrada na reconstrução ou redefinição do espaço público; nesse novo espaço, o Estado certamente terá um lugar privilegiado, mas a dimensão do público deverá também incluir os organismos da sociedade civil, o que implica aumentar os mecanismos de participação, de socialização da política, lutando por construir os meios e os caminhos pelos quais o aprofundamento da democracia nos conduza não apenas a um novo modelo de Estado, mas também a uma sociedade de novo tipo, à sociedade socialista, única capaz de garantir as condições de um

28Considerando o distanciamento temporal em que Coutinho realizou suas análises políticas, e observando a atual conjuntura, são fortes as evidências de fortalecimento de adaptação do liberalismo corporativista.

efetivo predomínio do interesse público na esfera da vida social e política (COUTINHO, 2011, p. 195-196).

O Estado fundamentado na concepção neoliberal garante, principalmente, os interesses do mercado. Vale voltar à consideração feita por Silveira (2007), ao que se refere ao liberalismo e neoliberalismo. A diferenciação do neoliberalismo em relação ao liberalismo também está no fato do liberalismo ter surgido da teoria e o neoliberalismo surge como uma necessidade do capital mascarar suas contradições; o neoliberalismo não é apenas uma teoria, é também uma ‘doutrina’, trata-se de uma ‘profissão de fé’ que se sustenta no discurso de que não existe alternativa a não ser a alternativa apresentada pelo capital (PAULANI, 2006 apud SILVEIRA, 2007).

Outro aspecto salientado por Silveira (2007) é que no neoliberalismo o Estado perde o caráter de força que possuía antes e nessa situação se abre uma situação de crise do Estado; também indica que em relação a crise do Estado é preciso considerar que em um dado momento o Estado tinha força para agir a favor de questões de interesse nacional, buscava a modernização; porém, é nos anos de 1990 que há uma crise da centralidade do Estado em um contexto em que o Estado-Nação é relativizado a favor do processo de modernização da economia (SILVEIRA, 2007). É nesse contexto de fragilização do Estado e fortalecimento do neoliberalismo que o empresariado vem se colocando enquanto força política.

Pensar o Estado e sua relação com o empresariado implica considerar o caráter de classe das políticas educacionais. Organizações empresariais agem no interior do Estado e em seus aparelhos; nessa perspectiva, o Estado é entendido a partir de sua relação com a sociedade civil. O Estado atual não existe independentemente da sociedade capitalista, essa noção de Estado é uma ficção (MARX, 2012). A estrutura econômico-social, a dimensão jurídica e político-ideológica se manifestam nas políticas públicas para a educação (SILVEIRA, 2007).

Harvey (2011) indica que com os governos neoliberais há o fortalecimento do setor privado e se estabelece uma cultura de valorização da individualidade29. O papel do Estado no neoliberalismo é garantir a propriedade privada e a segurança para o

29A ênfase no individualismo é um importante fundamento do neoliberalismo e é justamente esse individualismo que orientará as diretrizes curriculares nacionais da educação no Brasil; trata-se de diretrizes que valorizam as competências, habilidades e que exigem dos estudantes e trabalhadores iniciativa própria, capacidade para resolver problemas diversos, capacidade criativa, autonomia e espirito empreendedor (SILVEIRA, 2007).

funcionamento do mercado; as empresas e a iniciativa do empresariado são consideradas as chaves para a geração de riqueza (HARVEY, 2011). A política neoliberal no Brasil também implicou em privatização.

Segundo Silveira (2007, p. 49), “o programa brasileiro de privatização se inicia formalmente no governo Figueiredo, em 1981, com a criação da Comissão Especial de Desestatização, apesar de o governo ter o objetivo, apenas, de desacelerar a expansão do setor público produtivo”; a política de privatização será aprofundada nos sucessivos governos Collor de Mello, FHC, Lula da Silva e Dilma Rousseff.

A professora-pesquisadora, Zuleide Silveira afirma que, após a disputa acirrada, materializada na Constituinte de 1987, no trâmite do projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LBDEN) e nas eleições de 1989 para a Presidência da República, o capital, por mediação do Estado, requereu modificações para além daquelas promovidas pelo governo empresarial-militar nos anos de 1960-1970.

Levando-se em conta as políticas promovidas no campo da educação e da produção de ciência e tecnologia, a burguesia brasileira vem, desde a década de 1990, mantendo um projeto econômico de caráter dependente, relegando o Brasil à condição de importador de tecnologias e demarcando, assim, seu lugar na divisão internacional do trabalho (SILVEIRA, 2007);

sendo o Estado, portanto a forma pela qual os indivíduos de uma classe dominante fazem valer seus interesses comuns e na qual se resume toda a sociedade civil de uma época, conclui-se que todas as instituições comuns passam pela mediação do Estado e recebem uma forma política. Daí a ilusão de que a lei repousa na vontade, e, mais ainda, em uma vontade livre, destacada da sua base concreta (MARX E ENGELS, 2008, p. 37).

Silveira (2011) contribui para a análise da afirmação supracitada, evidenciando que ela está presente no Prefácio da Contribuição à Crítica da Economia Política, de 1859, e refuta as leituras equivocadas sobre um possível determinismo econômica na obra de Marx. A autora afirma que,

o desenvolvimento ontológico das forças produtivas é a causa da mudança histórica, mas não o suficiente para a transformação política do Estado. A estrutura do Estado é modificada pela revolução política burguesa; esta modificação na ossatura estatal propicia, por sua vez, o desenvolvimento da economia capitalista (SILVEIRA, 2011, p. 81-82).

É neste sentido que, não é de hoje que a educação é de interesse da burguesia, aliás, é um de seus instrumentos para modernizar o Estado-Nação com vistas ao crescimento econômico.