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PARTE I: A capitania de Pernambuco, as instituições do poder central e o reformismo Setecentista

Capítulo 2 As instituições do poder central e as reformas pombalinas

2.5 A consolidação das reformas pombalinas no final do século X

Apesar das reformas implementadas no reinado de D. José I, os esforços do marquês de Pombal não obtiveram resultados positivos imediatos. As suas medidas não coincidiram com um período de crescimento económico. Antes de mais, devido à oscilação dos preços do açúcar durante o século XVIII, cuja produção teve problemas em manter-se competitiva face à concorrência com outras colónias americanas. Em segundo lugar, por causa do colapso, a partir da década de 1740, da produção de ouro, que era um dos principais itens de exportação.

229 Na década de 1750 cerca de 193 mil cativos, de 1760 a 1770 cerca de 191 mil, e de 1770 a 1780, os

números voltam a subir para cerca de 193 mil escravos. Conforme a base de dados: The Trans-Atlantic

Slave Trade Database, patrocinada pela Universidade de Harvard. [Consultado em 8 de Novembro de

2013]. Disponível em: http://www.slavevoyages.org/tast/assessment/estimates.faces.

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The Trans-Atlantic Slave Trade Database, patrocinada pela Universidade de Harvard. [Consultado em

8 de Novembro de 2013]. Disponível em:

75 No período pós-pombalino, o desenvolvimento industrial português, que começara no final da década de 70 de Setecentos, prosseguiu. Este desenvolvimento fora estimulado «pelo avanço, ainda que tímido, da urbanização, e da correspondente diferenciação social e divisão do trabalho» e pela substituição das importações231. A isso veio juntar-se um novo factor que contribuiu para o desenvolvimento industrial, abriu-se um mercado protegido para algumas produções portuguesas, a indústria doméstica de pano de linho e as ferrarias do norte de Portugal, de onde eram enviados ao Brasil grandes quantidades de instrumentos agrícolas. Essas produções não conseguiam competir nos mercados internacionais, mas tinham um bom escoamento dentro do império232.

A Coroa interveio com medidas protetoras ou mesmo proibitivas que modificaram as condições da concorrência internacional, dando precedência a produtos manufacturados portugueses, por meio de concessão de privilégios fiscais e um reforço dos circuitos de comercialização entre o centro e as periferias, no sentido de garantir que o exclusivo da produção industrial portuguesa fosse absorvido pelo mercado brasileiro, onde até a refinação do açúcar fora proibida. Já no período de 1796 a 1807 é possível inferir que o surto industrial português articulou-se mais com a expansão do mercado brasileiro do que com o aumento da agricultura e da população do Reino233.

Na década de 80 de Setecentos as exportações de manufacturas portuguesas encontraram condições favoráveis ao desenvolvimento: aumentaram os privilégios fiscais e reforçaram-se os laços comerciais com o ultramar português, no sentido de garantir o exclusivo da produção industrial «metropolitana» no mercado brasileiro234.

As exportações portuguesas também se beneficiaram das dificuldades de outros impérios, como os conflitos na América do Norte (1776), a Revolução Francesa (1789) e a revolução de escravos em Santo Domingo (1791-1804), factores que geraram uma conjuntura política e económica com possibilidades de expansão no que se refere às exportações portuguesas. A concorrência tornou-se factível, as exportações floresceram

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Jorge PEDREIRA, «A indústria» em História…, vol. I, p. 201

232 Também um sector novo foi beneficiado pelo impulso exportador, o dos algodões estampados, que

substituíram em parte os artigos indianos nos carregamentos para o ultramar. Jorge PEDREIRA, «A indústria» em História…, vol. I, p. 203.

233 Nuno G. MONTEIRO, «A viragem do século…» em História de Portugal…, p. 411. 234 Jorge PEDREIRA, «A indústria» em História…, vol. I, p. 202.

76 com as medidas de proteção, que vinham sendo implementadas desde o consulado pombalino, e com o desenvolvimento do mercado ultramarino235.

A partir desta conjuntura, de conflitos na Europa e nas Américas, Portugal construiu pontes comerciais com o noroeste europeu, no Báltico e no Mediterrâneo, ao mesmo tempo que o comércio luso-brasileiro foi ampliado, aumentando também as reexportações de géneros coloniais para a Europa. Portugal reassumiu o seu lugar como um grande entreposto do comércio euro-atlântico. Desde as reformas económicas implementadas no Brasil, por Pombal, que a colónia americana tinha para oferecer aos mercados internacionais vários géneros que eram de grande procura, desde os tradicionais açúcar e anil, até ao arroz e o café236. Destaca-se ainda o algodão, matéria-prima essencial para as economias industrializadas do século XVIII237.

O Brasil tinha um papel fundamental na economia portuguesa do século XVIII. Valentim Alexandre afirma que, no período de 1796 a 1807, 64,4% das exportações portuguesas para o estrangeiro eram reexportações de produtos oriundos do Brasil e somente 29% eram «produtos do Reino». Entre os géneros coloniais mais reexportados, seis produtos tinham um peso expressivo no conjunto das remessas portuguesas, representando mais de 95% do total: açúcar, algodão, couros, tabaco, cacau e café. Destes, os que mais dependiam dos envios da colónia brasileira eram o açúcar e o algodão238. E no final do século XVIII, os dois géneros tiveram importância fundamental nas exportações de Pernambuco, como será analisado na terceira parte deste estudo.

O açúcar era um género de exportação tradicional cuja relevância para a economia brasileira só foi abalada no período de maior produção das minas, e mesmo neste período

235 Leonor F. COSTA, Pedro LAINS e Susana MIRANDA, «A consolidação 1703…», pp. 244-246. Jorge

PEDREIRA, «A indústria» em História…, vol. I, pp. 202-203.

236 Final do século foi próspero também para a Espanha. As reformas bourbónicas económicas deram

resultado já na década de 1770, o comércio entre Espanha e as suas «conquistas» quadruplicou no período; as exportações de origem espanhola aumentaram perto de 40% em 1778 e à volta de 60% em 1794. Stuart SCHWARTZ e James LOCKHART, A América Latina…, p. 420. Resultados similares só seriam alcançados em Portugal e nas suas colónias no final da década de 1790, quando a expansão do comércio colonial português e os resultados das «políticas» de fomento industrial pombalinas se fizeram sentir no império, principalmente a partir da nomeação de D. Rodrigo de Sousa Coutinho para lugares de mando: a Secretaria de Estado da Marinha e Ultramar (1796-1801) e, posteriormente, o Erário Régio (1801- 1803).

237 José Vicente SERRÃO, «O quadro económico», em História de Portugal…, vol. IV, p. 101. 238 Valentim ALEXANDRE, Os sentidos do império…, pp. 32-34.

77 o valor do rendimento do açúcar foi sempre superior ao do ouro239. Mas durante todo o período pombalino (1750-1777) a tendência foi de baixa de preços para o açúcar, embora tenha sido o género mais exportado pela colónia brasileira, no século XVIII. Sublinha-se que a partir de 1780 as bases do reformismo pombalino deram frutos e a economia expandiu-se240. Nos anos finais de Setecentos a reexportação de açúcar passou a ser essencial para a economia portuguesa, por conta dos preços que a arroba alcançava nas praças europeias241.

Além da América portuguesa, a produção do açúcar foi uma actividade que no século XVIII se desenvolveu grandemente nas ilhas francesas e inglesas do Caribe, de modo que a produção brasileira enfrentou dificuldades para se manter. Só com a revolução haitiana, na década de 1790, ocorreu uma mudança significativa nos preços do açúcar brasileiro, incentivando o aumento do comércio do produto242. No período da regência de D. João, iniciada em 1792, o açúcar foi um dos géneros coloniais que mais contribuiu para o aumento das exportações da colónia brasileira e das reexportações portuguesas para o resto da Europa.

A marca mais singular da prosperidade comercial que veio a ocorrer no império português no final de Setecentos tem a ver com a crescente importância dos mercados coloniais, que se tornam grandes consumidores das exportações metropolitanas, e com o aumento da produção e das exportações de algodão, couro e açúcar. O aumento da produção agrícola na colónia prende-se por sua vez com factores externos. O Brasil ocupava um lugar de destaque dentro do império e em finais de Setecentos, Pernambuco ascende a posição de terceira região mais relevante no cômputo das exportações oriundas

239 A estimativa elaborada por Simonsen demonstra que o valor do açúcar, durante todo o período

colonial, excedeu 300 milhões de libras, superando todos os produtos exportados pela colónia, inclusive o ouro. Roberto SIMONSEN, História Económica do Brasil (1500-1820), 6ª ed. (São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1969), p. 383.

240

Stuart B. SCHWARTZ, Da América portuguesa ao Brasil, (Lisboa: Difel, 2003), p. 264.

241 Valentim ALEXANDRE, Os sentidos do império…, p. 33. José Jobson de ARRUDA, «O fluxo mercantil»

em Nova História…, vol. VIII, p. 173.

242

Stuart SCHWARTZ e James LOCKHART, A América Latina…, p. 425. A Guerra dos Sete Anos e a Revolução Americana também contribuíram para desestabilizar a produção das colónias inglesas e francesas nas Américas.

78 do ultramar para Portugal243. No próximo capítulo, os principais aspetos da economia pernambucana no século XVIII serão melhor detalhados.

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A guerra da independência das colónias britânicas e as guerras associadas à Revolução Francesa debilitaram a posição inglesa no Atlântico. Nuno G. MONTEIRO, «A viragem do século…» em História de

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Capítulo 3 - A capitania de Pernambuco séculos XVII e XVIII: aspetos políticos e

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