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PARTE I: A capitania de Pernambuco, as instituições do poder central e o reformismo Setecentista

Capítulo 3 A capitania de Pernambuco séculos XVII e XVIII: aspetos políticos e económicos

4.1 Companhias anteriores às pombalinas

No século XVII, devido à insegurança na navegação, instituiu-se o regime de frotas para o comércio com o Brasil, de forma semelhante ao que se realizava com o Oriente, através de comboios ou armadas. A fragilidade do comércio português, após a restauração da Coroa portuguesa em 1640, impôs o sistema de comboios, confirmado em 1649 com a criação da companhia de comércio do Brasil e com a lei de 1660 que proibia viagens isoladas302.

A origem da primeira companhia privilegiada após a Restauração foi consequência da primazia do açúcar nas receitas alfandegárias, tendo sido também um instrumento de apoio aos moradores que se opunham à entrega final da capitania de Pernambuco aos holandeses. Para Leonor Freire Costa a companhia de comércio do Brasil foi o resultado da confluência de ideias dominantes dentro da elite mercantil e em certos círculos do poder central que se confrontavam com o caminho trilhado pelo embaixador em Haia, Francisco de Sousa Coutinho e pelo padre António Vieira. Ambos eram adeptos da «tese» de que, para se conseguir uma paz duradoura com os Estados Gerais, transformando-os em aliados na guerra contra a Espanha, era preciso sacrificar a capitania de Pernambuco303.

No entanto, esta tese não vingou. Leonor F. Costa associa a criação da companhia de comércio do Brasil à «Restauração Pernambucana» em 1654. A Companhia foi o resultado da ligação entre a Coroa e os homens de negócio e foi adiante porque estes estavam atentos à causa dos revoltosos em Pernambuco e aos dividendos do comércio brasileiro. Argumenta a historiadora que os homens de negócio do Reino não quiseram desistir de Pernambuco, sobretudo por terem interesses económicos, suspensos na capitania ocupada, relacionados à indústria açucareira. Por isso, não seria de causar surpresa o facto

302 Vera L. Amaral FERLINI, A civilização do açúcar: séc. XVI a XVIII (São Paulo, Editora Brasiliense, 1984),

pp. 31-32. A companhia de comércio para o Brasil tinha uma série de privilégios: monopolizava o comércio de toda a costa brasileira; comboiava todos os navios mercantes que viessem ao Brasil ou dele voltassem, a uma taxa não superior a 10% e seguro até 25%. O vinho, o azeite, a farinha de trigo e o bacalhau eram géneros estancados da Companhia. Em troca de todos os direitos, ela comprometia-se a enviar pelo menos duas frotas por ano.

303 Leonor Freire COSTA, O Transporte no Atlântico e a Companhia Geral do Comércio do Brasil (1580- 1663), vol. I (Lisboa: CNPCDP, 2002), pp. 482-483.

103 de os navios da Companhia terem bloqueado o porto do Recife e auxiliado na libertação da capitania no ano de 1654. Conforme Leonor F. Costa:

A Companhia libertou o Recife. Mas os acontecimentos de janeiro de 1654 também salvaram a empresa de uma morte eminente. Enquanto foi a joia do monarca permaneceram intactos os estatutos. Em 1657 inicia-se um trajecto que da revogação do monopólio levará à integração definitiva da Junta do Comércio no Estado. Mas nesta altura, havia dez anos que Pernambuco voltara a ser território sob jurisdição portuguesa304.

De início havia uma única frota para todo o Brasil, reunindo embarcações dos vários portos. Depois dividiram-se em frotas para a Baía e o Rio de Janeiro, Pará, Maranhão e Pernambuco, que chegavam a Portugal alternadamente. As frotas de Pernambuco chegavam ao Reino em julho e demoravam cerca de 60 dias de viagem. Permaneciam nos portos brasileiros cerca de 80 dias, com o intuito de vender as mercadorias e transportar principalmente madeira - para as construções navais e para o mobiliário -, bem como açúcar305.

Raymundo Faoro descreveu as companhias de comércio dos séculos XVII e XVIII como sendo uma associação do rei com os comerciantes, em que estas promoviam a expansão das actividades mercantis, em paralelo com o aumento da produção e do consumo, tidos como essenciais à indústria lusa, reerguida pela política mercantilista da época e grandemente beneficiada pelo exclusivo colonial306. Segundo José Luís Cardoso, que concorda com a assertiva de Faoro, as razões pelas quais se instituíram as companhias pombalinas foram:

[...] a necessidade de concentração de capitais e de junção de esforços entre particulares e a Coroa a fim de se fazer face à disputa internacional a que o Brasil começava a estar sujeito, sem se esquecer a própria dinamização das actividades no Brasil. A regulação monopolista e a concessão de privilégios exclusivos eram o melhor caminho para se aumentarem os lucros que se podem tirar daquele comércio; sendo ele regulado pelas direções competentes307.

304 Leonor Freire COSTA, «Pernambuco e a Companhia Geral do Brasil» em Penélope - Revista de História e Ciências Sociais, nº 23, Lisboa (2000): pp. 58-59.

305

José Jobson de Andrade ARRUDA, «A circulação, as finanças e as flutuações…» em Nova História…, p 170. Cunha SARAIVA, Companhias Gerais de Comércio e Navegação para o Brasil (Lisboa: Sociedade Nacional de Tipografia, 1938), p 13.

306

Raymundo FAORO, Os donos do poder. Formação do patronato político brasileiro (São Paulo: Globo, 2001), p 228.

104 As reformas pombalinas neste aspeto não criaram algo completamente novo, pois companhias de comércio foram pensadas para diferentes partes do império em distintos períodos, embora cada conjuntura apresentasse motivações e necessidades específicas. A companhia de comércio do Brasil do século XVII não foi estruturada da mesma forma que as companhias pombalinas em Setecentos, por exemplo. No que tange ao Estado da Índia, ao longo de Seiscentos foram realizadas três tentativas de implementar instituições comerciais. A primeira delas, da década de 1620, ainda durante a União Ibérica, fora inspirada no modelo holandês. Sanjay Subrahmanyam destaca que tal inspiração só tinha razão de ser em parte, uma vez que na Índia já havia um Estado, territórios com câmaras e redes comerciais já estabelecidas. Não era possível transferir tais atribuições para uma companhia que, a seguir o modelo da VOC (Companhia holandesa das Índias Orientais), seria ela mesma praticamente o Estado308.

A ideia da Companhia asiática granjeou adeptos do lado português e castelhano e foi criada com o objectivo de reprimir o comércio holandês na região. No entanto, poucos se entusiasmaram a investir na companhia, e 80% do capital empregado acabou por ser da própria Coroa309. Contudo, os cristãos-novos investiram na Companhia, mas não fizeram parte dela directamente. A instituição comercial não teve vida longa e em 1633 foi encerrada. A falta de segurança nas viagens efetuadas pelos navios da Companhia entre as praças envolvidas foi um dos motivos de sua extinção, mas alegou-se também o facto de ser um investimento de alto risco, uma vez que a monarquia hispânica estava envolvida numa intensa disputa com os Países Baixos naquela região310.

Na década de 1670 foi feita nova tentativa de se estabelecer uma companhia de comércio na Índia. A proposta foi apresentada pelo inaciano Baltazar da Costa e pelo confessor do príncipe D. Pedro, Manuel Fernandes, e, mais uma vez, o projecto envolvia a participação dos cristãos-novos e de um elemento novo, os mercadores florentinos em Lisboa. A Companhia seria instituída por doze anos e, além das questões do comércio propriamente ditas, caberia à nova Companhia contribuir com 20 mil cruzados para a criação de uma força militar de 5 mil homens no primeiro ano e, posteriormente, enviar

308

Sanjay SUBRAHMANYAM, O Império Asiático português, 1500-1700 - uma história política e

económica (Lisboa: Difel, 1995), p 227.

309 O que surgia inicialmente como uma companhia privilegiada, com base em capital particular, assumiu

praticamente a forma de uma companhia régia. Sanjay SUBRAHMANYAM, O Império Asiático

português..., p 229.

105 1.200 homens por ano para o Oriente. Paradoxalmente caberia aos cristãos-novos financiar actividades de missionação naquela parte do império311.

Segundo Marília Nogueira o projecto findou antes mesmo de sair do papel, pois em 1674 as cortes inviabilizaram o perdão aos cristãos-novos e, em 1678, após uma querela entre estes e a inquisição portuguesa, o regente D. Pedro decidiu pôr fim a este segundo projecto de companhia de comércio para o Oriente312.

O último projecto de uma companhia de comércio para o Oriente, no século XVII, surgiu no ano de 1690. Uma carta régia de D. Pedro II de 1686 mostrou o seu descontentamento com o facto de o comércio na costa oriental africana pouco render à Fazenda Real. Em 1694 os homens de negócio do Estado da Índia formaram a Companhia, alcançaram importantes exclusivos no comércio de Mombaça, Moçambique e Timor. Enviaram novas condições à Coroa, porque os negociantes queriam que a companhia fosse independente no que lhes convinha, mas relacionada com a Coroa no que tangia aos privilégios e punições contra aqueles que não colaborassem com a instituição comercial. Em novembro de 1694, a Companhia já funcionava e contava com dois barcos para fazer o comércio com Mombaça e Moçambique. Porém o cerco e perda de Mombaça foram factores determinantes para encerrar a Companhia em 1700, mesmo sendo o vice-rei Câmara Coutinho contrário a esta decisão313. As queixas dos moradores contra os administradores da Companhia, homens de negócio do Estado da Índia, também foram fundamentais na resolução da Coroa em extinguir a Companhia. Algo muito semelhante ocorreria em Pernambuco oitenta anos depois.

4.2A Companhia Real da Venezuela e a Companhia Geral de Pernambuco e

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