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PARTE I: A capitania de Pernambuco, as instituições do poder central e o reformismo Setecentista

Capítulo 2 As instituições do poder central e as reformas pombalinas

2.2 Governo e reforma política na segunda metade de Setecentos

Muitas das instituições criadas a partir do século XVI permaneceram no século XVIII, embora durante o pombalismo tenham sofrido algumas mudanças. Por norma, este período é visto pela historiografia como um marco de cisão na história portuguesa e entende-se ainda que tais mudanças se estenderam aos domínios portugueses, sobretudo ao Brasil, colónia que teve um papel preponderante na política Setecentista de Lisboa157.

Na nossa perspectiva, foi no reinado de D. João V que algo se modificou em matéria de poder central e, embora o seu reinado tenha estado numa linha de continuidade com o anterior, tal não significou uma ausência de divergências e críticas, até porque era comum que em sociedades de Antigo Regime, sob uma fachada de serenidade e harmonia, ocorresse «uma conflitualidade endémica e profunda»158.

No que se refere ao Brasil, a colónia esteve permanentemente no centro das atenções da Coroa. E era, desde há muito, objecto de propostas de reestruturação, algumas delas concretizadas, como a modificação do sistema da capitação em 1736 e a criação do Tribunal da Relação no Rio de Janeiro (em 1751)159. A crescente relevância do Brasil e do ouro traduziu-se em inovações administrativas como a actuação e as

155 No que diz respeito ao Conselho Ultramarino, podemos afirmar que a criação do Erário Régio

representou também uma perda de competências, pois, se antes podia tratar da armação dos navios, envio de armamentos e munições, peças de artilharia e outros utensílios e ferramentas regularmente solicitados pelas «conquistas», a partir da década de 60 de Setecentos, precisava do consentimento do novo organismo para a liberação de recursos para tratar de uma função que fazia parte de suas competências.

156 O Erário possuía quatro contadorias, cada uma responsável por uma parte do império; a

administração das finanças do Brasil estava repartida entre as contadorias da Baía e do Rio de Janeiro. Miguel Dantas da CRUZ, «Estado e centralização na monarquia portuguesa…», pp. 8-10.

157 Nuno Gonçalo MONTEIRO, «O tempo de Pombal (1750-1777)» em História de Portugal…, pp. 376-

377. Nuno Gonçalo MONTEIRO, «A monarquia barroca (1668-1750)» em História de Portugal…, pp. 350- 356. Francisco BETHENCOURT, «A América Portuguesa» …, vol. III, p. 241.

158 Luís Ferrand de ALMEIDA, «O Absolutismo de D. João V», em Páginas Dispersas. Estudos de História

Moderna de Portugal. (Coimbra, Instituto de História Económica e Social, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1995), pp. 199-200.

159 Maria Fernanda BICALHO, A Cidade e o Império. O Rio de Janeiro no Século XVIII. (Rio de Janeiro:

55 competências exorbitantes conferidas a Gomes Freire de Andrade160. O ouro e a vertigem que gerara tornaram a América portuguesa num foco de atenções e no objecto de variadas propostas, desde o reinado de D. João V. Tudo isso começou antes da ascensão de Carvalho e Melo161.

É de sublinhar que nem tudo o que ocorreu com a subida de D. José I ao poder pode ser imputado a Carvalho e Melo: o ataque ao contrabando, a montagem de novos aparelhos governativos e a reforma de outros, a facilidade de movimento comercial do porto de Lisboa, os primeiros ensaios de uma empresa monopolista. Medidas que têm as marcas das preocupações da segunda metade de Setecentos, mas que ainda não cabiam na esfera de acção das obrigações de Sebastião José de Carvalho e Melo162.

As reformas pombalinas não foram feitas sobre planos previamente estabelecidos. Para além de convicções programáticas mercantilistas - relacionadas por Borges de Macedo com uma política proteccionista -, as reformas foram uma resposta às circunstâncias concretas, combinadas com objectivos particulares. Nestes objectivos incluiu-se a conquista do lugar de principal ministro de D. José I, ajustando as soluções às situações ocorridas. A legislação pombalina foi quase sempre de emergência sem outra planificação e sem outro desenvolvimento que não o que lhe é dado pelo curso dos acontecimentos163. Joaquim Romero Magalhães defende que a chamada «política pombalina» não nasceu pronta e acabada desde que Sebastião J. de Carvalho e Melo

160

Governador do Rio de Janeiro entre 1752-1762, posteriormente e concomitantemente assumiu o governo de Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul e Sacramento. Mônica da Silva RIBEIRO, «’Se faz preciso misturar o agro com o doce’: a administração de Gomes Freire de Andrada no Rio de Janeiro e Centro-sul da América portuguesa (1748-1763)» (tese de doutoramento, Niterói, Universidade Federal Fluminense, 2010).

161 Nuno Gonçalo MONTEIRO, «A monarquia barroca (1668-1750)» em História…, pp. 353-355. O futuro

marquês de Pombal quando subiu ao poder foi beneficiado por um longo período de estabilidade governativa que vinha do reinado de D. João V. Esse equilíbrio teve correspondência a nível secretarial: Diogo de Mendonça Corte Real (1706-1736), o Cardeal da Mota (ca. 1736-1747) auxiliaram na governação do país juntamente com outros secretários particulares, caso de Alexandre de Gusmão, e outras figuras próximas de D. João V que tinham a confiança do rei nos assuntos da Coroa. Alguns destes ocuparam um lugar de maior ou menor relevo no valimento real, servindo de conselheiros ou executantes, casos do Cardeal da Cunha, do padre Carbone, de frei Gaspar da Encarnação. Esta estabilidade governativa foi relevante para o reformismo implementado pela Coroa portuguesa no século XVIII. Luís Ferrand de ALMEIDA, «O absolutismo de D. João…» em Páginas Dispersas… p. 193. Jorge Borges de MACEDO, «O Marquês de Pombal (1699-1782)» (Lisboa, separata da Série Pombalina, Biblioteca Nacional de Portugal, 1982), pp. 17-19.

162 A empresa monopolista aqui referida é a Companhia de Comércio da Ásia, fundada em 1753, e que

permitiu a Feliciano Velho Oldenberg e mais 5 sócios a fazerem negócios com a Índia e com a China, por um prazo de 10 anos. Jorge Borges de MACEDO, «O Marquês de Pombal…», p. 19.

163 Valores tradicionais de Antigo Regime. Jorge Borges de MACEDO, A situação económica no tempo de Pombal…, p. 123.

56 assumiu uma das secretarias de Estado; para Romero Magalhães, além de respostas às conjunturas e acontecimentos, há incongruências próprias da figura do ministro e de outros personagens a considerar164.

Com o sismo de 1755 e uma situação de guerra nas décadas seguintes (1760 e 1770), com perdas relevantes no Sul do Brasil para os espanhóis e o declínio das remessas do ouro desde a década de 40 de Setecentos, é possível referir uma provável situação de crise165. Circunstâncias que, combinadas, contribuíram para que Sebastião J. de Carvalho e Melo obtivesse o lugar de principal decisor político e assumisse a governação do império, dando continuidade as reformas iniciadas com D. João V166.

Nas páginas seguintes discutiremos algumas das transformações políticas e económicas dentro do império, dando destaque às ocorridas em Portugal e no Brasil no consulado pombalino, para clarificar a situação da capitania de Pernambuco, na segunda metade do século XVIII. Para se compreender como esta capitania foi administrada na segunda metade de Setecentos é necessário perceber algumas das reformas pombalinas mais gerais para Portugal e Brasil, uma vez que, também Pernambuco foi alvo das medidas interventivas da Coroa durante o consulado pombalino167.

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