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PARTE I: A capitania de Pernambuco, as instituições do poder central e o reformismo Setecentista

Capítulo 2 As instituições do poder central e as reformas pombalinas

2.4 O Brasil pombalino: os jesuítas, a primeira companhia de comércio, reformas políticas e económicas

Figura 1 - Brasil colonial - século XVIII

Fonte: James SWEET, Recriar África - cultura, parentesco e religião no mundo afro-português (1441-

1770)185.

As reformas implementadas no Brasil, desde a segunda metade do século XVIII até à partida da Corte para o Rio de Janeiro, fizeram com que a chamada «política colonial portuguesa», durante os reinados de D. José I, D. Maria I e do governo do príncipe regente D. João, assentasse em três principais ministros: Sebastião José de Carvalho e Melo, cujo reformismo em Portugal já foi referido186; Martinho de Melo e Castro - filho de um

185 James SWEET, Recriar África - cultura, parentesco e religião no mundo afro-português (1441-1770)

(Lisboa: edições 70, 2007), p. 41.

186 Apesar de não citarmos, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, também fez parte do grupo, pois foi

a partir da sua entrada como secretário de Estado da Marinha e Ultramar que a chamada «política pombalina para o Brasil» passou a vigorar de forma contundente, afinal o secretário conhecia a situação colonial de perto, fora governador na América portuguesa. Cf. Joaquim Romero MAGALHÃES, «Sebastião José de Carvalho e Melo e a economia do Brasil», em Labirintos brasileiro…, p. 180.

63 governador de Moçambique e neto de um vice-rei do Brasil -, diplomata em Haia e Londres (1751-1770) e por fim secretário de Estado da Marinha e Ultramar (1770-1795); e D. Rodrigo de Sousa Coutinho - filho de um governador de Angola -, ministro plenipotenciário em Turim, secretário de Estado da Marinha e Ultramar (1796-1801) e presidente do Erário Régio (1801-1803)187. Todos eles haviam adquirido experiência nas cortes europeias e levado para Portugal aquilo que vivenciaram e aprenderam no exterior. Provinham da nobreza, porém de estratos diferentes. As suas famílias tinham ligações com a administração colonial e alguns haviam passado pela Universidade de Coimbra188. A reforma política que procuraram desenvolver baseava-se numa maior centralidade do poder régio, amparada por um governo reformista.

No que diz respeito às medidas políticas e económicas que procuraram implementar no Brasil, os três secretários tiveram objectivos similares: acreditavam que o Brasil era fundamental para a sobrevivência da monarquia portuguesa e por isso pretendiam garantir a integridade territorial da colónia; reforçar a sua estrutura político- administrativa, judicial e militar; e dar continuidade ao desenvolvimento da economia brasileira, assente, principalmente, na agricultura189. Neste ponto analisaremos algumas

destas mudanças, sobretudo aquelas que se interligam com as fronteiras, com a política e com o comércio, a fim de entendermos a conjuntura político-económica na segunda metade de Setecentos190.

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O futuro marquês de Pombal deu continuidade às medidas implementadas no reinado de D. João V, no que diz respeito à questão dos limites territoriais do Brasil. O último grande acto do governo joanino fora o tratado de Madrid. Tratado este que tentara

187 Andrée Mansuy DINIZ-SILVA, «Portugal e o Brasil…» em História da América …, vol. I, p. 480. A

administração do Brasil, na óptica de Martinho de Melo e Castro e de D. Rodrigo de Sousa Coutinho, ambos ministros responsáveis pela pasta do Ultramar, bem como as suas vidas e carreiras serão analisadas em capítulo posterior.

188

Com exceção de Sebastião José de Carvalho e Melo, não é certo que tenha frequentado a Universidade de Coimbra, sabe-se que foi militar e que ingressou na Academia Real da História. Nuno G. MONTEIRO, D. José…, p. 50. D. Rodrigo ingressou na Universidade de Coimbra, mas abandonou os estudos superiores do curso de leis. Evaldo Cabral de MELLO, Um imenso Portugal: história e

historiografia (São Paulo: Editora 34, 2008), p. 49.

189 Conforme Lúcio de Azevedo, a América era não só o manancial perene de recursos para o tesouro

régio, como também o centro em torno do qual gravitava a vida económica de toda a monarquia. J. Lúcio de AZEVEDO, Épocas de Portugal Económico, 4ª ed., Lisboa: Clássica Editora, 1988, p. 387.

64 delimitar as fronteiras das possessões espanholas e portuguesas na América, África e Ásia, fundamentando-se no princípio da ocupação efectiva ou uti possidetis191. O secretário de Estado viu-se obrigado a executar um acordo que não havia negociado.

A oposição dos jesuítas às comissões de demarcação de limites, no Norte, serviu para que Francisco Xavier de Mendonça Furtado expusesse à Coroa o seu «plano» para o governo daquela região. O irmão de Carvalho e Melo foi governador do Grão-Pará entre 1751 e 1759 e, nos seus relatórios à Coroa demonstrava ser necessário fazer reformas, objectivando maiores empreendimentos comerciais e agrícolas por parte dos colonos. Para a execução de tal objectivo seria necessário alterar a legislação relativa aos indígenas, instituir uma companhia de comércio e estabelecer privilégios para estimular o comércio negreiro192. Foi no âmbito deste contexto - delimitação de fronteiras, redução da jurisdição dos eclesiásticos - que os projectos de companhias de monopólio foram gestados para a América portuguesa193.

Não explicitaremos aqui todas as mudanças promovidas pela Coroa com relação aos jesuítas, mas ressaltaremos alguns pontos porque de forma indirecta a restrição do poder dos eclesiásticos junto das populações indígenas e a liberdade dos índios estão relacionadas com a questão da mão-de-obra e esta, por sua vez, relaciona-se com a primeira companhia pombalina. Isto é, para o bem do interesse público e levando em conta as instruções de governo dadas pela Coroa, Mendonça Furtado compreendeu que para proibir o cativeiro indígena era indispensável trazer escravos de África194. O governador viu as suas reivindicações serem apreciadas e implementadas pelo governo

191 Este tratado, celebrado no ano de 1750, substituiu o de Tordesilhas (1494) e o de Utrecht (1713). 192 Manuel Nunes DIAS, «A Companhia Geral do Grão Pará e Maranhão: 1755-1778» (tese de

doutoramento, Pará, Universidade Federal do Pará, 1970), p. 126 e ss. Mendonça Furtado queixava-se ao irmão do abastecimento deficiente, da falta de mão-de-obra para o trabalho e da ausência de investimentos.

193 O governador acreditava ser necessário afirmar a autoridade da Coroa e limitar o papel das ordens

religiosas - principalmente dos jesuítas e dos carmelitas -, por causa dos conflitos denominados por Mendonça Furtado de «guerra civil», pois destruíam as aldeias uns dos outros. Joaquim A. Romero de MAGALHÃES, «Um novo método de governo: Francisco Xavier de Mendonça Furtado, governador e capitão-general do Grão-Pará e Maranhão (1751-1759)» em Revista do Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro, (IHGB) Rio de Janeiro, vol. 165, nº 424, p.183-207, (julho-setembro, 2004), p. 191. Borges de

Macedo chama a atenção para «a perseguição ao jesuíta e a muitos nobres», para o historiador esta perseguição foi consequência, entre outros fatores, da violência das lutas internacionais europeias, do aumento dos problemas económicos e da força interna dos partidos. Borges de MACEDO, A situação

económica no tempo de Pombal…, p. 41

65 pombalino195. A companhia de comércio foi fundada em 1755, e as medidas que diziam respeito aos índios e à Companhia de Jesus - e que na opinião do governador eram as mais relevantes para a América portuguesa -, também entraram em vigor em meados de Setecentos196.

Na óptica de Mendonça Furtado, para desenvolver economicamente o extremo Norte da América portuguesa, era necessário o estabelecimento de uma companhia de comércio. Esta ideia estava em conformidade com as reformas implementadas pelo seu irmão para a governação «activa» da Coroa. Aquando da criação da companhia pombalina, o caso da «Mesa do Bem Comum» é um exemplo de como as mudanças políticas efetuadas pelo secretário irradiavam por todo o império. O secretário de Estado pautava- se pelo princípio de que para a Coroa governar bem os povos, era necessário reunir informações e antecipar movimentos de rebelião197. Tal princípio justificou a prisão e o desterro dos que assinaram a representação da «Mesa do Bem Comum», formada por comerciantes portugueses que se opunham à fundação da companhia de comércio para o Norte do Brasil198.

No ano de 1755 o exacerbar da tensão entre representantes da Coroa no Norte e no Sul do Brasil e os jesuítas coincidiu com o terramoto, que representou numa imensa destruição de riqueza impossível de recuperar a curto prazo199. Apesar da situação catastrófica no centro político, a Coroa, ciente da crise no Brasil no que respeita aos jesuítas, respondeu aos questionamentos de dois dos seus governadores, Gomes Freire de Andrade - que administrava o centro e o sul do Brasil - e Francisco Xavier de Mendonça Furtado, administrador do Grão-Pará e Maranhão. Os dois representantes da Coroa faziam parte do conjunto de homens que se interrelacionava numa espécie de rede de

195 K. MAXWELL, Chocolates, Piratas…, p. 105.

196 A primeira década da administração de Carvalho e Melo ficou marcada pela perseguição a certos

núcleos da esfera religiosa. As directrizes pombalinas geraram desacordos com poderosas ordens religiosas. No que respeita ao Norte do Brasil e para cumprir as determinações da Coroa, Mendonça Furtado ao assumir o governo do Grão-Pará e Maranhão, além de enfrentar os jesuítas, precisou de pôr limites aos carmelitas. Era preciso reafirmar a autoridade da Coroa, pois nestas paragens longínquas, escassa ou nenhuma autoridade exercia a Coroa. Joaquim A. Romero de MAGALHÃES, «Um novo método de governo…», p. 210.

197 AHU, Conselho Ultramarino, Pará. AHU_ACL_CU_013, Cx. 36, D. 3347. Joaquim A. Romero de MAGALHÃES,

«Um novo método de governo…» pp. 201-203.

198 Foram desterrados uns e presos outros e a companhia de comércio, como se sabe, foi estabelecida a

7 de agosto de 1755, conforme o «plano» do governador Mendonça Furtado e do seu irmão, o secretário de Estado. Tiago C. P. dos Reis MIRANDA, «Ervas de ruim qualidade…» pp. 212-215.

199 José Augusto FRANÇA, «Mutações pombalinas ou o pombalismo como mutação» em O terramoto de 1755: impactos históricos, orgs. Ana cristina ARAÚJO, et. al. (Lisboa: Livros Horizonte, 2007), pp. 7-10.

66 solidariedades políticas e pessoais, cujo centro era o marquês de Pombal. Ambos informavam com regularidade, por meio de relatórios críticos, acerca das acções dos jesuítas e do poder que possuíam nas regiões que administravam200.

Entre 1754 e 1755 a Coroa promulgou um importante conjunto de leis, com o objectivo de alterar o processo de exploração dos recursos da região amazónica. Os diplomas mais relevantes expedidos por D. José I, a partir de 1754, foram os que instituíram a Companhia Geral de Comércio, a «liberdade» dos índios e o fim do governo temporal de todos os missionários201. No decorrer do ano de 1758, a Coroa anulou o poder temporal dos jesuítas em todo o Brasil e implementou na colónia brasileira o sistema de controlo secular dos índios, criado por Mendonça Furtado para o Pará e o Maranhão202. Em 3 de setembro de 1759, a Coroa decretou a proscrição e a expulsão dos jesuítas em todo o império203.

Sobre a questão jesuítica assinala-se que, de igual modo, a Coroa espanhola tomou uma decisão análoga àquela ocorrida em Portugal, e expulsou os jesuítas dos seus territórios. Primeiramente, os secretários de Estado restringiram os privilégios e isenções fiscais de que as ordens religiosas gozavam. Depois, em 1767, Carlos III seguiu o exemplo de D. José I e decretou a expulsão da Companhia dos seus domínios. Foi uma medida que advertiu a Igreja sobre a necessidade de obediência absoluta. Os jesuítas eram conhecidos pela sua riqueza, devoção ao papado, independência da autoridade episcopal e pela sua

200 José Vicente SERRÃO, «Sistema político…» em Do Antigo…, p. 12. Seja por relações de parentesco ou

por pensamento político semelhante. Romero Magalhães declara que Gomes Freire não pode ser considerado um «homem de Pombal», como o foram outros governadores coloniais - o conde da Cunha, o marquês de Lavradio, o morgado de Mateus, etc., - visto ter sido nomeado em 1733 para o governo do Rio de Janeiro, mas ao concordar com as directrizes pombalinas no que diz respeito às demarcações, à guerra guaranítica e à expulsão dos jesuítas, acabaram por ter uma relação próxima. Joaquim Romero MAGALHÃES, «Sebastião José de Carvalho e Melo e a economia do Brasil», em Labirintos brasileiros…, p. 179.

201 Ângela Domingues defende que os objectivos perseguidos pelo Directório, um programa instituído

através de uma estrutura legislativa, em vigor desde 1757, eram, fundamentalmente, dois: pretendia-se transformar os ameríndios em súbditos leais e católicos fiéis e procurava-se criar um estrato camponês inserido na economia de mercado, recebendo um salário, através da «destribalização», tornando-os veículo da colonização portuguesa, no espaço amazónico. Ver Ângela M. Vieira DOMINGUES, Quando os

índios eram vassalos: colonização e relações de poder no Norte do Brasil na segunda metade do século XVIII (Lisboa: CNPDP, 2000), pp. 65-67.

202

K. Maxwell, Chocolates, piratas…, p. 114.

203Foram acusados de trair os princípios e objectivos da sua missão, de acumular riquezas em demasia,

de implementar um «estado dentro do estado» e pôr obstáculos à execução do tratado de Madrid, como já referira Mendonça Furtado e também Gomes Freire de Andrade nos seus relatórios às secretarias de Estado. Nuno Gonçalo MONTEIRO, «O tempo de Pombal…» em História…, p. 361. Andrée Mansuy DINIZ-SILVA, «Portugal e o Brasil…» em História da América …, vol. I, p. 488.

67 habilidade em litígios com os funcionários da burocracia régia. Tal como no império português, em todas as cidades da América espanhola os colégios jesuítas educavam a elite criolla204, e exerciam uma grande influência sobre a sociedade colonial205, que em alguns pontos rivalizava com a própria Coroa.

No que se refere à monarquia portuguesa, a questão jesuítica tornou claro que, para o secretário de Estado do Reino, Carvalho e Melo, a «defesa do interesse público» e a do «bem comum» justificavam uma superintendência cada vez maior da sociedade. E o culminar desta gestão do «bem comum» configurou-se na chamada lei da «Boa Razão», a qual estabelecia que as leis régias prevaleciam sobre outras fontes do Direito, inclusivamente o Direito Romano, confirmando um novo «preceito»: o de que o rei podia mudar a ordem das coisas206.

***

No que diz respeito à organização política e administrativa do Brasil, desde 1751 procurou-se adequar a estrutura da colónia às necessidades estratégicas e geográficas impostas pelo tratado de Madrid. Foram formadas novas capitanias nos territórios que eram mais extensos e difíceis de administrar directamente e foram retomadas pequenas capitanias que estavam ainda em mãos de particulares e que, na maioria dos casos, se encontravam abandonadas.

A partir de 1752, o Estado do Brasil foi reorganizado administrativamente. Pequenas capitanias foram recuperadas e subordinadas politicamente às capitanias da Coroa, mais próximas. Caso de Itamaracá, subordinada à capitania de Pernambuco; Itaparica, Ilhéus e Porto Seguro à Baía; Campos de Goitacazes ao Rio de Janeiro e Itanhaém à capitania de São Paulo. Em 1755 a capitania do Piauí foi separada do

204 Criollo es un que se empleó desde la época de la colonización de América aplicándolo a los nacidos en el continente americano, del país, pero con un origen europeo. A diferencia de indigena, el Criollo era un habitante nacido en América de padres europeos, o descendientes de estos. Se calificaba de criollo también al individuo nacido de criollos. Cf. Manuel Álvarez NAZARIO, El habla campesina del país: orígenes y desarrollo del español en Puerto Rico (Puerto Rico: Editorial de la Universidad de Puerto Rico,

1990), p. 19. Mas também podia aplicar-se o termo para aqueles que, mesmo tendo nascido na Península, estavam radicados há muito tempo na América hispânica.

205 Influência que era amparada na prosperidade que os jesuítas tinham, proveniente da boa

administração das fazendas que possuíam nas províncias economicamente relevantes. Ernest Sánches SANTIRÓ, «Una modernización conservadora: el reformismo burbónico y su impacto sobre la economia, la fiscalidade y las instituciones», em Las reformas bourbónicas, 1750-1808, coord. Clara Garcia AYLUARDO (México: CIDE, FCE, Conaculta, Fundación cultural de la ciudad de México, 2010), pp. 291- 292.

68 Maranhão e foi criada a capitania de São José do Rio Negro, no Norte do Brasil. Torna-se necessário realçar que o processo de incorporação de capitanias brasileiras, ainda em poder de donatários, colocava formalmente nas mãos da Coroa a nomeação dos governadores de todas as capitanias da colónia. Este processo de incorporação havia começado ainda no século XVII, tendo continuidade no reinado de D. João V, sendo encerrado durante o reinado de D. José I207.

Em 1763 a transferência da capital do Estado do Brasil para o Rio de Janeiro aconteceu por motivos predominantemente económicos e de defesa, pois o impacto do ouro na economia e no deslocamento da população para a região das minas demonstrou à Coroa portuguesa que, para melhor defender e administrar tão vasto território, o Rio de Janeiro tinha a melhor localização, sendo também, naquele momento, o maior porto de exportação da América portuguesa. O ouro e os diamantes das minas saíam sobretudo pelo porto «carioca». Além disso, e porque era necessário vigiar mais de perto a região das Minas, a transferência da capital proporcionava uma maior superintendência do vice-rei neste ponto208.

Mudança muito semelhante ocorreu na vizinha América espanhola. Carlos III criou um novo «centro» de poder, executando reformas na administração civil do «Novo Mundo» ao estabelecer um novo vice-reino em 1776. Este teria a sua capital em Buenos Aires com uma jurisdição sobre uma área extensa - Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia - , e tal medida resultou numa mudança radical no equilíbrio geopolítico do continente. Tal como Salvador na América portuguesa, Lima sofreu uma perda de prestígio e de comércio e a inclusão do Alto Peru no novo vice-reino, com os lucros fiscais do Potosí, fundamentou a divisão política da zona andina209.

No que preza à América portuguesa, desde finais do século XVII que se assistiu a um deslocamento político e económico do «centro de gravidade» da colónia - antes nas capitanias do Norte -, para as capitanias da região mais central do Brasil, Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. É de sublinhar, contudo, que o vice-rei na Baía ou no Rio de

207 Ver António Vasconcelos SALDANHA, As capitanias do Brasil: antecedentes, desenvolvimento e extinção de um fenómeno atlântico. (Lisboa: CNCDP, 2001), p. 423.

208 Anthony J. R. RUSSELL-WOOD, «Governantes e Agentes», em História da Expansão …, vol. III, p. 171. 209 Em virtude da defesa de Cartagena e da costa caribenha, já em 1717 havia sido instituído o vice-reino

de Nova Granada, que posteriormente foi fortalecido com a presença de um capitão geral em Caracas e de um intendente responsável pelo governo dos distritos da Venezuela. John H. ELLIOTT, Imperios del

69 Janeiro continuou a ter a mesma autoridade que detinha antes da transferência da capital em 1763, ou seja, teoricamente, possuía amplos poderes sobre todas as capitanias; porém, na prática, a sua autoridade restringia-se à capitania onde residia e àquelas a ela subordinadas, salvo em tempo de emergência militar, invasões estrangeiras e catástrofes210. Exemplo disso é uma consulta do Conselho Ultramarino, de 15 dezembro de 1716, na qual o tribunal redige um parecer sobre um aumento de competências solicitado pelo vice-rei do Estado do Brasil, o marquês de Angeja. O tribunal declarava que, «ainda que o [regimento] tenha cláusulas exuberantes, as quais se costumam expressar nas patentes de cargos superiores, [ estas são] mais para o honorífico do que para o efeito e execução […]»211.

O império português continuava a ser uma construção política que combinava a integração com a separação e a centralização com a descentralização, sem que essas inconsistências o desequilibrassem, pelo contrário. No que concerne ao Brasil essas incongruências eram visíveis em diferentes aspetos, por exemplo: a Coroa apoiava a dispersão da autoridade política no interior da colónia, fazendo com que o governo de cada capitania dependesse primordialmente das instituições centrais em Lisboa, enquanto - e ao mesmo tempo -, promovia uma «aparente» centralidade da administração na pessoa do vice-rei, como instituído nos regimentos dos governadores-gerais do Estado do Brasil, desde o século XVII. Evidentemente que houve vice-reis que quiseram alargar a sua jurisdição, e por isso entraram em conflito com o Conselho Ultramarino, caso do marquês de Angeja em 1714212, por exemplo, ou mesmo outros que tiveram suas funções alargadas

210 Mas a presença do mais alto representante da Coroa no sul reforçava e confirmava o porto do Rio de

Janeiro como o mais importante do Estado do Brasil, sendo os negócios mais relevantes efectuados naquela região. Anthony J. R. RUSSELL-WOOD, «Governantes e agentes», em História da Expansão …, vol. III, p. 171.

211 AHU, Conselho Ultramarino, Baía. AHU_ACL_CU_005, Cx. 11, D. 925. Consulta de 15 de dezembro

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