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PARTE I: A capitania de Pernambuco, as instituições do poder central e o reformismo Setecentista

Capítulo 3 A capitania de Pernambuco séculos XVII e XVIII: aspetos políticos e económicos

3.2 A economia da capitania na segunda metade do século X

A capitania de Pernambuco, no período próximo a época da instalação da companhia pombalina, foi governada por Luís Diogo Lobo da Silva (1756-1763), seguido por D. António de Sousa Manuel de Meneses, conde de Vila Flor, (1763-1768); Luís José da Cunha Grão Ataíde e Lencastre, conde de Povolide (1768-1769); Manuel da Cunha Meneses (1769-1774); José César de Meneses (1774-1787); D. Tomás José de Melo (1787- 1798); e por uma junta governativa (1798-1804).

Durante todo o período pombalino, de 1750 a 1777, o Brasil enfrentou uma significativa viragem económica, fruto do abaixamento do preço dos produtos agrícolas e da redução da extração e remessas de ouro. Contudo, e para além do ouro e dos diamantes, os dois principais produtos do comércio colonial - o açúcar e o tabaco - recuperaram e atingiram novos níveis de exportação a partir do final da época pombalina. No que concerne ao tabaco, Pernambuco e Baía exportaram para Lisboa mais de 200 mil arrobas na década de 1780273. A indústria açucareira, principal suporte do comércio da América portuguesa no século XVII, como é bem sabido, esteve em declínio durante grande parte do século XVIII devido, principalmente, aos baixos preços conseguidos no mercado europeu e aos altos custos da escravaria. Porém, a produção de açúcar ressurgiu nas últimas décadas de Setecentos com um aumento significativo no volume e no valor das exportações274.

Além de Pernambuco, Baía e Rio de Janeiro, a cana-de-açúcar passou a ser cultivada em outras capitanias, mas estas três, eram os principais centros de cultivo e comércio desta cultura. No início da década de 1750 Pernambuco possuía cerca de 276 engenhos275; em 1760 o número decaiu para 268; contudo, em 1774 o número de engenhos subiu para 387276. Em 1777 a produção de Pernambuco chegou a 271 mil

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Dauril Alden refere que a produção de tabaco no Brasil, destacando a Baía e Pernambuco, teve um aumento substancial na década de 1780; entraram 205 mil arrobas em Portugal nesta década, contudo foi em 1790 que os preços do produto dispararam, embora a exportação tenha caído para 177 mil arrobas, voltando a subir para perto de 200 mil no início de 1800. Dauril ALDEN, «O período final do Brasil colónia, 1750-1808» em História da América Latina, vol. II, org. Leslie BETHELL (São Paulo: editora da USP/ Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão, 1999), p. 564.

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E além do açúcar e do tabaco, o algodão passa a ter destaque nas exportações brasileiras também a partir do final do pombalismo. Stuart SCHWARTZ e James LOCKHART, A América Latina…, p. 451.

275 Stuart SCHWARTZ, «O Brasil colonial, c. 1580-1750: as grandes lavouras e as periferias» em História da América Latina…, vol. II, p. 349 e p. 376.

276 Manuel Correia de ANDRADE, A terra e o homem do Nordeste: contribuição ao estudo da questão agrária no Nordeste, 8ªed. (São Paulo: Cortez, 2011), p. 88.

89 arrobas, cerca de 168 mil arrobas mais do que a Baía em igual período, o que é revelador da recuperação do sector açucareiro como um todo277. No final do século XVIII Pernambuco exportava mais do que a Ásia, já que quase 20% dos produtos coloniais comercializados com o Reino eram provenientes desta parte do Brasil, sendo superada em volume de exportações e importações apenas por Baía e Rio de Janeiro278.

Na época da criação da Companhia, a população de Pernambuco e suas capitanias subordinadas - Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará -, era de quase 170 mil pessoas. Desse grupo 130.363 pessoas eram «livres», e dentre as pessoas «livres», 20% eram escravos libertos; quanto aos captivos, perfaziam 39.219, perto de 23% da população total. Nos 15 anos seguintes a população multiplicou-se: em 1777 José César de Meneses enviou um mapa da população da capitania e esta era de 363.238 habitantes. Porém, em 1782 o crescimento populacional desacelerou e o número de habitantes da capitania era de 367.431, ocorrendo o mesmo em 1810, data em que a população rondava 391.986279.

Conforme a Informação Geral da Capitania de Pernambuco, o comércio praticado pelos moradores de Pernambuco era diversificado e executado dentro da América portuguesa, para Lisboa e Porto e com a costa da África. Os moradores da capitania iam comerciar com as vilas e portos do Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte, através dos caminhos do sertão e dos rios navegáveis, em pequenas embarcações chamadas de sumacas280. Na Baía iam vender sobretudo carne seca e doces, e no Rio de Janeiro, couros, solas, sapatos, carne seca e escravos da Costa da Mina. De lá traziam ouro em pó e moeda, barbatanas de baleia e azeite de peixe281.

277 A Baía em 1777 produziu 103 926 arrobas de açúcar conforme Alden. Dauril ALDEN, «O período final

do Brasil Colónia, 1750-1808» em História da América Latina, v. II…, pp. 556-558.

278 José Jobson de Andrade ARRUDA, «A circulação, as finanças…», em Nova História…, vol. VIII, p. 174. 279 Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, reservados, Cód. 3, 1, 38. Mapa Geral enviado pelo governador

Luís Diogo Lobo da Silva. Mapa de 1777: AHU, Conselho Ultramarino, Pernambuco. AHU_ACL_CU_015, Cx. 127, D. 9665. José RIBEIRO JÚNIOR, Colonização e Monopólio…, p. 73. Guillermo PALACIOS,

Campesinato e escravidão…, p. 212.

280 «Dentro das mesmas capitanias pertencentes ao governo de Pernambuco frequentam o comércio do

porto do Camocim aonde dão consumo a alguns panos de algodão e aguardentes da terra, toda a casta de obras de ferro, tabaco, farinha, feijão, melaço, açúcar, arroz e toda a casta de fazenda da Europa em que tem a melhor reputação as fazendas brancas. Deste porto costumam trazer carnes secas de boi, couros crus e alguns couros curtidos em sola branca, couros curtidos de cabra, e de veado, tartaruga, pau violeta e de rabuge, sebo, redes de algodão brancas e de cores e âmbar». Informação Geral da capitania de Pernambuco. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, reservados (05, 3, 19) fls. 563-564.

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Informação Geral da capitania de Pernambuco, reservados da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Pernambuco fazia comércio com Lisboa, Porto, Rio de Janeiro, Baía, Angola, Costa da Mina, Ilhas, Ceará [portos de Camocim, Mandaú, Jaguaribe, Assú] e Piauí [vila de Parnaguá]. [1749].

90 O tabaco, e sua exportação para a costa africana, junto com a pecuária foram importantes actividades económicas desenvolvidas na capitania de Pernambuco por homens de negócio locais. Estes, por sua vez, estavam envolvidos no comércio do açúcar, no do sertão e no trato negreiro e, em meados do século XVIII, a par das reformas implementadas no centro da monarquia portuguesa, procuraram oportunidades para expandirem os seus negócios através de duas companhias de comércio que eles próprios sugeriram ao rei.

Apenas uma companhia comercial foi instituída, com amplos poderes e com directrizes traçadas pelo próprio marquês de Pombal. Adiantamos que tal companhia foi criada logo após o pedido dos homens de negócio da praça do Recife - assunto que analisaremos com mais detalhes na segunda parte do estudo -, cuja solicitação foi intermediada pelo governador da capitania Luís Diogo Lobo da Silva. Este acontecimento aumentou as divisões dentro das elites locais e voltou a desequilibrar a frágil harmonia que existia desde o conflito de 1710. Na década de 1770 a oposição já não era entre os «mascates» e a nobreza da terra. O conflito opunha uma fracção das elites, devedora de grandes quantias à companhia e prejudicada na venda do açúcar, tabaco e couros, e o órgão local que geria a companhia pombalina, a Direcção282. Além disso, e num outro plano, os habitantes de Pernambuco estavam também em confronto com a Junta em Lisboa.

O renascimento agrícola das capitanias do litoral deu-se logo após o período pombalino, mais precisamente no final da década de 1770, e a recuperação persistiu até ao final do período colonial. O ressurgimento deste sector foi fruto de vários factores, os quais, conjugados, contribuíram para a expansão da agricultura de exportação da América portuguesa. Entre estes factores podemos citar as medidas pombalinas e a continuação de reformas implementadas pelos seus sucessores; a expansão industrial dos britânicos e da França, que gerou a necessidade de matérias-primas, com destaque para o algodão; a conjuntura internacional - especificamente a revolta de escravos no Caribe -, e o acirrar dos conflitos anglo-franceses na Europa, no final do século XVIII. Beneficiado por esta

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Embora seja necessário referir que o «partido» opositor à Companhia foi liderado por elementos das famílias mais nobres de Pernambuco, todos da «açucarocracia», todos grandes senhores e grandes produtores de açúcar. E a Direcção, por sua vez, era formada na sua grande maioria, por homens de negócio de «grosso trato», com uma grande percentagem de origem Reinol. Mas, radicada há tantas décadas no Recife, que não se pode comparar estes conflitos, à época da companhia pombalina, com a «guerra dos mascates».

91 conjuntura mundial, o açúcar teve papel preponderante no valor das exportações brasileiras, com destaque para Pernambuco. Açúcar, fumo e algodão representaram os ramos mais importantes da grande lavoura de exportação no final de Setecentos283.

Na década de 1780, com a Companhia já extinta, o algodão surgiu como um dos principais géneros de exportação da capitania. O surto algodoeiro acabou com 300 anos de preeminência açucareira, criando um sector dinâmico que respondia ao estímulo da revolução industrial, o grande factor dinamizador da cultura do algodão. Já em meados do século XVIII a grande lavoura algodoeira encontrou condições para progredir, devido à conjuntura do mercado internacional, que acabou por dar boas perspectivas aos produtores. No último quartel do século, com os progressos técnicos no campo da indústria têxtil, esta deixou de ser uma manufactura artesanal, sustentada pela produção de tecidos de lã, transformando-se numa indústria mecanizada cuja matéria-prima era o algodão284.

Açúcar e algodão foram, sem dúvida, os géneros de maior importância económica exportados por Portugal para nações estrangeiras, segundo os dados que Valentim Alexandre refere para o final do século XVIII e início do XIX285. Ambos eram géneros primordiais da pauta de exportações da capitania de Pernambuco e o cuidado com o seu cultivo constava em todas as instruções da Coroa para os oficiais régios que iriam governá- la no final do século XVIII, como será analisado mais detalhadamente na III parte desta tese286.

Para concluir este segmento do presente estudo, é possível inferir que o século XVIII português foi sobretudo reformista, pois muitas foram as medidas políticas, económicas e administrativas promovidas pelo poder central para transformar a economia e a sociedade de várias partes do império português. Nos capítulos anteriores referenciámos as medidas implementadas em Portugal, desde o reinado de D. João V, para se compreender a conjuntura política e económica em meados do XVIII, mas destacámos, particularmente, as reformas pombalinas feitas no Brasil, com o objectivo de compreender as mudanças em si, e sobretudo as repercussões que estas tiveram na capitania de

283 Sérgio Buarque de HOLANDA, História Geral da Civilização Brasileira, T.I…, p. 241. 284 Evaldo Cabral de MELLO, A ferida de Narciso…, p. 71.

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Valentim ALEXANDRE, Os sentidos do império…, p. 33.

286 A pecuária e a plantação de fumo também entram nesta equação, as duas modalidades económicas

92 Pernambuco. Uma capitania que teve muito prestígio e riqueza no século XVII, que entrou no século XVIII com uma economia em dificuldade, pela perda de valor e a concorrência que sofria o seu principal género de exportação, o açúcar. E que, devido a uma conjuntura de guerras que afligiria a Europa e a América, voltou a ter destaque, transformando-se na terceira região mais relevante dentro do império português, em termos económicos.

Ressaltamos ainda que o advento do pombalismo iniciou dinâmicas que apenas no final do século XVIII viriam a dar resultados, como ocorreu com o fomento industrial em Portugal e as novas culturas introduzidas no Brasil.

Na segunda parte deste estudo será feita uma análise do significado da Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba para a capitania de Pernambuco. Desde a sua constituição em 1759, os principais conflitos - gerados entre facções das elites da terra, poderes locais e instituições do poder central -, o seu complexo processo de extinção até ao início da cobrança das dívidas dos moradores. Na perspectiva desta dissertação, a companhia pombalina foi o que de mais importante ocorreu na segunda metade do século XVIII na capitania de Pernambuco e para se estudar a governação, a política e a economia do último quartel de Setecentos esta temática é incontornável.

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Parte II

As Companhias de monopólio nos séculos XVII e XVIII. O caso da Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba

É muito preciso e necessário o estabelecimento de fábricas para nos fazermos felizes e independentes nesta parte do jugo estrangeiro, se considerou também que as fábricas não poderiam sustentar-se no Reino sem que houvesse uns corpos, que tendo a seu cargo a regulação do comércio, servissem ao mesmo tempo não só de protetores das fábricas, mas também animassem a cultura da terra, e pudessem sustentar o valor aos géneros que elas produzem nos Domínios das Américas. Com estes fins se projectou o estabelecimento de quatro companhias gerais, nos quatro principais portos da América287.

Nos capítulos que se seguem, e conforme o enunciado na introdução, vamos analisar primeiramente as companhias de comércio estabelecidas em Seiscentos na Índia e no Brasil e em Setecentos nas Américas portuguesa e hispânica. Em seguida daremos destaque à institucionalização da companhia pombalina. Serão analisados os principais conflitos ocorridos durante o seu funcionamento; o processo de extinção da Companhia e o princípio de cobrança das dívidas dos moradores. Esta escolha justifica-se por considerarmos que a Companhia foi a medida económica e político-administrativa mais marcante que Carvalho e Melo tomou para Pernambuco, também pelas repercussões que a extinção da companhia de comércio gerou na capitania até o século XIX.

Será alvo de análise uma outra instituição criada pelo poder central, a Mesa da Inspecção do Açúcar e do Tabaco, contemporânea à Companhia, que actuou em Pernambuco a partir de 1751. A criação da Mesa, um órgão de fiscalização e de controlo,

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AHU, Conselho Ultramarino, Pará. [Memória política anexa ao ofício do governador-geral do Estado do Maranhão e Pará, Francisco Xavier de Mendonça Furtado ao seu irmão, Sebastião José de Carvalho e Melo. 1755, Novembro, 10]. AHU_ACL_CU_013, Cx. 39. D. 3674.

94 fez parte do rol de medidas tomadas para melhorar a comercialização dos géneros produzidos na capitania de Pernambuco, durante a chamada época pombalina288.

O objectivo principal desta segunda parte do estudo é examinar a Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba289, a fim de tornar compreensível os conflitos entre segmentos ou fracções das elites locais com interesses opostos - uns a favor da companhia pombalina outros a favor do comércio livre de monopólios -, e a mediação dos governadores na manutenção dos equilíbrios internos. Conflitos e tensões que se agudizaram na década de 1770 com a gestão do comércio pela Direcção da Companhia.

Adiantamos aqui que a principal dissensão diz respeito aos desacordos entre grupos das elites locais. Uma fracção das elites, composta por vários grupos sociais - produtores de açúcar (senhores e lavradores de engenho), de tabaco, criadores de gado e donos de fábricas de atanados - liderada por abastados senhores de engenho e apoiada por uma instituição criada pelo poder central e situada capitania - a Mesa da Inspecção -, resistia às práticas mercantis implementadas pela Direcção da Companhia porque estas eram contrária aos seus interesses.

Direcção, que por sua vez, era formada por homens de negócio naturais ou radicados no Recife interessados em controlar a Companhia para assim administrarem sem entraves, e com o aval da Coroa, o comércio de Pernambuco. Destacámos que estes grupos das elites locais que, durante os anos de funcionamento da Companhia, estavam em disputa, foram denominados pelo secretário de Estado como sendo «partidos». As principais demandas e a constituição destes «partidos» - contrários ou favoráveis à companhia pombalina -, serão analisadas detalhadamente no capítulo 7.

Contudo, convém ressaltar que, no que respeita a Pernambuco, e no âmbito dos poderes centrais, o vocábulo «partido» já havia sido utilizado para distinguir fracções das elites na capitania de Pernambuco, muito antes da criação da companhia pombalina.

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Época pombalina que coincide com o início do reinado de D. José. Carvalho e Melo ainda não era o principal decisor político e a criação das Casas de Inspecção não foi uma medida que tenha tido origem na Secretaria de Estado que geria, mas como fez parte das reformas implementadas no reinado josefino, é comumente confundida com aquelas instituídas pelo marquês de Pombal.

289 Utilizamos os estudos de Guilherme Palaccios, Pierre Verger e António Carreira para reforçar a ideia

pombalina de que deveriam ser criadas Companhias de Comércio para as áreas mais lucrativas do Ultramar: Pernambuco, Baía e Rio de Janeiro e para áreas perdidas para o contrabando (francês), como o Grão-Pará. Analisaremos os motivos pelos quais a Baía e o Rio de Janeiro não tiveram companhias de monopólio.

95 Em 1715, o conselheiro do Conselho Ultramarino, António Rodrigues da Costa, ao analisar a situação política em Pernambuco pós «Guerra dos Mascates», considerou-a tão perigosa quanto nos anos de 1710/1711, e utilizou o termo «partido» para designar a chamada nobreza da terra, àquela ligada ao açúcar. António Rodrigues da Costa deixou resgistado na consulta a insatisfação de uma das fracções das elites da terra, tecendo comentários críticos acerca do que se passava na capitania de Pernambuco, num período tão próximo ao do conflito que opôs senhores de engenho contra comerciantes de grosso trato. O conselheiro utilizou o vocábulo «partido» para explicar os interesses opostos dos grupos sociais em questão:

os «vassalos do partido da nobreza se acha [vam] com o mesmo ânimo com que estavam no tempo das alterações», o que significava que «o partido da nobreza [os senhores de engenho de Pernambuco] incorria novamente em desobediências à autoridade régia, já que se portava sem respeito ao governador e ministros da justiça»290.

Esta mesma noção de «partido» ou «parcialiadade» vai ser evocada por Martinho de Melo e Castro - o secretário de Estado da Marinha e Ultramar de 1770 a 1795 - para explicar a situação conflituosa entre grupos das elites da terra. Na sua análise sobre a conjuntura política no final da década de 70 de Setecentos, o secretário entende que há um «partido» que apoia a Companhia - partido este composto pela Direcção da instituição pombalina e mais homens de negócio da praça do Recife - e um outro que se opõe à empresa comercial, formado por distintos segmentos da população liderados pelos senhores de engenho pernambucanos.

É de ressaltar que, no último quartel de Setecentos, embora cada «partido» tenha tido líderes relacionados ou com as elites açucareiras ou com as elites mercantis, procurámos não cair nos binómios largamente utilizados nos estudos sobre o império português que, até a década de 1990, compreendiam a sociedade colonial por meio de uma percepção fundamentada em dicotomias - colónia versus metrópole, senhor versus comerciante, escravo versus senhores. Partimos do pressuposto que a sociedade colonial era complexa e dinâmica, que a comunicação política e a negociação foram fundamentais para a atenuação dos conflitos, e contribuíram para o embasamento da governalidade portuguesa, a formação e a manutenção da estabilidade do império. Até porque, à época

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Conforme Breno Vaz Lisboa, Breno A. V. LISBOA, «Como conservar “essa parte tão nobre do corpo da monarquia”: poderes da coroa e elites locais na capitania de perbambuco após as “alterações”», texto enviado para a publicação nos anais da ANPUH/2013, Natal, UFRN, 2013, pp. 7-8.

96 da companhia pombalina, e como demonstraremos, os «partidos» não eram compostos explicitamente por senhores de engenho que se opunham aos homens de negócio.

Destacaremos ainda nesta parte do estudo, como no final da década de 1770, as câmaras da capitania exerceram pressão - por meio de uma comunicação política continuada com os poderes do centro-, para que o monopólio comercial não fosse renovado, algo previsto nos estatutos. Bem como, os problemas causados pela gestão, nem sempre idónea da Direcção - formada por homens de negócio residentes em Pernambuco -, durante o período em que actuou na capitania.

Evidencia-se que este tipo de divergências, entre os «partidos» ou segmento das elites locais e os administradores das companhias de comércio (a Direcção), também ocorreu no Estado da Índia com as companhias do século XVII, e no Grão-Pará e Maranhão291. No Estado da Índia, argumentos análogos aos dos grupos sociais em

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