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Responsabilidade civil: origem da legitimação do ato constritivo

4.2 PENHORA DE QUOTAS SOCIETÁRIAS

4.2.1 Responsabilidade civil: origem da legitimação do ato constritivo

anônimas, que trata a matéria de forma semelhante, nos termos do art. 129, §2º, da Lei Federal n.º 6.404, de 15 de dezembro de 1976:

“Art. 129. As deliberações da assembléia-geral, ressalvadas as exceções previstas em lei, serão tomadas por maioria absoluta de votos, não se computando os votos em branco.

(...)

§ 2º No caso de empate, se o estatuto não estabelecer procedimento de arbitragem e não contiver norma diversa, a assembléia será convocada, com intervalo mínimo de 2 (dois) meses, para votar a deliberação; se permanecer

o empate e os acionistas não concordarem em cometer a decisão a um terceiro, caberá ao Poder Judiciário decidir, no interesse da companhia.” (Grifou-se).

Em suas relações privadas, externas ao dia-a-dia societário, o quotista contrai, naturalmente, obrigações perante terceiros, seja adquirindo imóveis, veículos ou itens de vestuário, seja contratando a prestação de serviços jurídicos, médicos ou odontológicos.

Tais obrigações consistem, via de regra, em contraprestações pecuniárias, que devem ser saldadas no tempo, lugar e modo contratados, sob pena de se causar dano140 – ao vendedor/prestador – e enriquecimento ilícito – ao comprador/beneficiário, quebrando-se o liame que possibilitou, originalmente, a formação do negócio jurídico.

O inadimplemento contratual, enquanto ato ilícito, atrai a responsabilidade civil do devedor, que deve indenizar, com o seu patrimônio, as perdas e danos causados ao credor, acrescidas de juros e correção monetária, conforme estipulam os artigos 389141, 927, caput142, e 942, caput143, do Código Civil.

A responsabilidade patrimonial do devedor é o último passo de uma evolução histórica que, na era Romana, punha a ingerência do credor sobre a própria pessoa do devedor, em uma sujeição física que objetivava forçar o adimplemento da obrigação. Apenas a partir da chamada Lex Poetelia Papiria, em 326 a.C., sistematizou-se a vedação a este tipo de vinculação, mantida, até hoje, nos ordenamentos jurídicos ocidentais, em respeito à dignidade da pessoa humana.

Ao longo das décadas, a abrangência do conceito de dignidade ganhou contornos grandiosos. No Brasil, ela foi categorizada como fundamento da República pela Constituição Federal de 1988, mesma condição da livre iniciativa, condicionando a atuação legislativa à sua concretização144.

O resultado disso foi a incorporação, dia após dia, de restrições à própria

responsabilização patrimonial do devedor, cujo objetivo é garantir-lhe a propriedade de bens que representem o mínimo existencial necessários a cada pessoa humana. É o caso, por

140

Código Civil

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

141 “Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização

monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.”

142

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”

143

“Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.”

144 Constituição Federal

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...)

III - a dignidade da pessoa humana; (...).”

exemplo, dos móveis, pertences e utilidades domésticas de pequeno valor que guarnecem a residência do devedor, da remuneração reservada à sua subsistência, de suas ferramentas de trabalho, entre outros itens inscritos no art. 649, I-XI145, do Código de Processo Civil (CPC).

Por outro lado, há quem diga que o credor também possui um direito fundamental à máxima eficiência da tutela executiva, contido na cláusula do devido processo legal. Impor- se-ia, nesse sentido, a existência de meios executivos capazes de proporcionar a satisfação integral dos direitos reconhecidos, consubstanciando o acesso à justiça146.

De fato, ao buscar a tutela do Poder Judiciário a fim de ser ressarcido pelos danos causados pelo devedor inadimplente, o credor – após o pagamento de custas processuais, honorários advocatícios, a ida a audiências, e todos os demais atos que compõem o verdadeiro martírio do processo brasileiro – não tem qualquer pretensão de obter, ao final da longa espera, uma decisão reconhecedora de uma dívida que aquele, a todo tempo, já sabia ser existente. De nada adianta, para ele, a simples folha da papel; o “certificado de

congratulação”. Não há, nunca houve, a intenção de emoldurá-lo, ou, quiçá, pô-lo em um porta-retrato. O objetivo, inconteste, é a materialização da norma de decisão, a ser atingida, tão-somente, pelo recebimento do legítimo crédito.

É por essa razão que, há muito, passou-se a buscar maneiras de se conciliar a proteção do devedor com – quem diria! – a do credor, outrora tão malquisto. Considerou-se, desde muito, a penhora de quotas societárias como uma dessas formas de satisfação, engendrando hipótese de intervenção judicial na livre iniciativa que merece estudo crítico, mormente ante o largo uso pelos tribunais.

145 “Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:

I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;

II - os móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;

III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor;

IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3o deste artigo;

V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão;

VI - o seguro de vida;

VII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas; VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;

IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social;

X - até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia depositada em caderneta de poupança. XI - os recursos públicos do fundo partidário recebidos, nos termos da lei, por partido político. (...).”