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A primeira fase da affectio societatis no Brasil: regras e intervenção judicial

4.5 EXCLUSÃO DE SÓCIOS

4.5.3 Inconstitucionalidade e ilegalidade da quebra da affectio societatis como fundamento dissolutivo

4.5.3.2 A primeira fase da affectio societatis no Brasil: regras e intervenção judicial

O legislador brasileiro jamais taxou a affectio societatis como requisito ínsito às sociedades mercantis. O Código Comercial de 1850 trazia, como essência dos agentes econômicos, aspectos estritamente formais e mensuráveis, como o objeto e o fim lícitos e a contribuição financeira ou laboral dos sócios311. Tampouco o Decreto n.º 3.708/19, criador das sociedades limitadas no Brasil, cogitou a cisão entre os sócios motivada pelo minguar da afeição societária.

Apesar da completa imprevisão legal, a affectio societatis foi, durante muitos anos, compreendida como um requisito indispensável não apenas aos momentos prévio e imediato à constituição societária – o que é, subjetivamente, natural –, mas, também, para a própria existência desta, ao menos em sua composição originária.

Em outras palavras, foi criado um quadro no qual a constatação da ausência da affectio societatis em qualquer momento da vida da sociedade limitada a levaria à

dissolução, seja total, com sua consequente extinção, seja parcial, com a exclusão de parcela de seu corpo de quotistas.

Em decorrência, cada um dos sócios passou a ter um direito potestativo tácito de decretar o fim do vínculo societário, bastando-se a declaração de inexistência de um consenso que, no passado, levara os quotistas à constituição do empreendimento em comum312.

Apesar disso, em paralelo contraditório, o Código Comercial de 1850 só previa, em seus arts. 336 e 339313, a possibilidade de exclusão de sócios por causa justificada, assim

311 “Art. 287 - É da essência das companhias e sociedades comerciais que o objeto e fim a que se propõem seja

lícito, e que cada um dos sócios contribua para o seu capital com alguma quota, ou esta consista em dinheiro ou em efeitos e qualquer sorte de bens, ou em trabalho ou indústria.”

312 (VIO 2008, p. 134.) 313

“Art. 287 - É da essência das companhias e sociedades comerciais que o objeto e fim a que se propõem seja lícito, e que cada um dos sócios contribua para o seu capital com alguma quota, ou esta consista em dinheiro ou em efeitos e qualquer sorte de bens, ou em trabalho ou indústria.

(...)

Art. 335 - As sociedades reputam-se dissolvidas: 1 - Expirando o prazo ajustado da sua duração. 2 - Por quebra da sociedade, ou de qualquer dos sócios. 3 - Por mútuo consenso de todos os sócios.

4 - Pela morte de um dos sócios, salvo convenção em contrário a respeito dos que sobreviverem. 5 - Por vontade de um dos sócios, sendo a sociedade celebrada por tempo indeterminado.

Em todos os casos deve continuar a sociedade, somente para se ultimarem as negociações pendentes, procedendo-se à liquidação das ultimadas.

Art. 336 - As mesmas sociedades podem ser dissolvidas judicialmente, antes do período marcado no contrato, a requerimento de qualquer dos sócios:

1 - mostrando-se que é impossível a continuação da sociedade por não poder preencher o intuito e fim social, como nos casos de perda inteira do capital social, ou deste não ser suficiente;

considerada, por exemplo, a inabilidade, a incapacidade moral, o abuso, a prevaricação, e a violação ao cumprimento das obrigações sociais.

A fim de harmonizar essa circunstância, doutrinadores como AUGUSTO TEIXEIRA DE

FREITAS, CLÓVIS BEVILÁQUA e RUBENS REQUIÃO314 consolidaram que a divergência entre os

sócios, por si, não geraria a dissolução da sociedade, a não ser que a impossibilitasse de

atingir o seu fim social, o que era uma causa justificada, nos termos do então vigente art. 336, I, do Código Comercial brasileiro.

O que se viu, contudo, ao longo do século passado, foram intervenções judiciais sobre as sociedades limitadas que deixaram de investigar a causa justificada na validação das pretensões dissolutivas, concentrando-se seus esforços e suas fundamentações na insólita constatação da ruptura da affectio societatis.

O então recém criado STJ, por exemplo, entendia que a mera desarmonia entre os sócios seria suscetível de acarretar a exclusão de um deles por deliberação da maioria, independentemente de previsão contratual ou de pronunciamento judicial.

Exemplo disso foi o julgamento do Recurso Especial n.º 7183/AM315, no qual o Ministro Relator, RAPHAEL DE BARROS MONTEIRO FILHO, em seu voto, afirma: também irrelevante, neste aspecto, a asserção produzida pelo recorrente no sentido de que a ré, ora recorrida, não se desincumbiu do ônus de evidenciar a justa causa para a despedida. Era suficiente, como referido, a desavença entre os sócios.

Salvo uma única ressalva316, por anos, filiou-se o STJ ao mesmo entendimento317.

3 - por abuso, prevaricação, violação ou falta de cumprimento das obrigações sociais, ou fuga de algum dos sócios.”

314 (REQUIÃO, A preservação da sociedade comercial pela exclusão do sócio 1959, p. 259-260.)

315 “SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. EXCLUSÃO DE SOCIO. A

DESARMONIA ENTRE OS SOCIOS E SUSCETIVEL DE ACARRETAR A EXCLUSÃO DE UM DELES POR DELIBERAÇÃO DA MAIORIA, INDEPENDENTEMENTE DE PREVISÃO CONTRATUAL OU DE PRONUNCIAMENTO JUDICIAL. INADMISSIVEL A PRETENSÃO DO RECORRENTE DE REDISCUTIR A MATERIA PROBATORIA NO AMBITO DO APELO EXCEPCIONAL (SUMULA N. 7 DO STJ). RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO (Recurso Especial n.º 7183/AM, Relator: Ministro Barros Monteiro, Quarta Turma, Publicação: DJ, em 16-10-91).

316

Decisão isolada, de relatoria do Ministro NILSON NAVES, em acórdão assim ementado: “SOCIEDADE COMERCIAL. EXCLUSÃO OU DESPEDIDA DE SOCIO. SUPÕE A EXISTENCIA DE CAUSA QUE JUSTIFIQUE A DESPEDIDA (COD. COMERCIAL, ART. 339). NÃO PODE A SOCIEDADE DESPEDIR O SOCIO A REVELIA, "SEM QUALQUER OPORTUNIDADE DE DEFESA". FALTA DE PREVISÃO CONTRATUAL. CONTROLE JUDICIAL DO ATO DE DISPENSAR OS SERVIÇOS DE SOCIO. RECURSO ESPECIAL.” (Recurso Especial n.º 50543/SP, Terceira Turma, Publicação: DJ, em 16-9-96). No voto condutor, consignou o Ministro Relator, com lucidez, que, consoante a lição do art. 339 do Código Comercial, a despedida do sócio supõe causa justificada, semelhantemente à de empregado por empregador, cujo controle sempre há de estar afeto ao Judiciário.

317 COMERCIAL - DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE RESPONSABILIDADE LIMITADA EM FACE

DA VIOLAÇÃO DO PRINCIPIO DA AFFECTIO SOCIETATIS – QUANTUM DEVIDO AO SOCIO

RETIRANTE - MATÉRIA DE FATO (SUMULAS NOS. 05 E 07 -STJ).