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4.4 O MODELO DE ANÁLISE

4.4.4 A construção do questionário

O percurso teórico visto ao longo do segundo capítulo foi fundamental para a construção do questionário, pois o levantamento inicial sobre a sociologia clássica da fronteira permitiu criar uma ideia geral sobre como enfrentar o tema, bem como reavaliar certas ideias que haviam se cristalizado em nossas mentes. Além disso, preparou os pesquisadores a melhor enfrentar os border studies, cronologicamente mais próximos de nós. Estes últimos, foram as colunas teóricas que sustentaram a construção do questionário e permitiram uma reflexão sobre a fronteira desde novos pontos de vista que não foram tomados em consideração antes. Especificamente, Étienne Balibar, Sandro Mezzadra e Brett Neilson foram os três autores que mais inspiraram as perguntas realizadas. Não por acaso a operacionalização do questionário se baseia quase totalmente em suas ideias. Zygmunt Bauman foi também um ponto forte na construção das perguntas, porém, decidiu-se usar em maior peso a leitura que ele faz da relação autóctone-estrangeiro – embasada especificamente para este questionário, da obra da Margaret Mary Wood – para poder

confirmar uma segunda hipótese levantada. Graças a estes autores foi construído um questionário (Apêndices A e B) utilizando basicamente o seguinte modelo (Figura 6):

Figura 6 – Modelo multivariado para o questionário.

Fonte: o autor.

O questionário foi assim dividido em duas partes: a primeira, contendo as perguntas para levantar as variáveis independentes que servem para descrever as características individuais e coletivas dos entrevistados; e, uma segunda, com perguntas para levantar as variáveis dependentes para entender a percepção que os entrevistados têm em relação aos temas da pesquisa (percepção da fronteira, dos estrangeiros e outras fronteiras). Mais especificamente, para construir o questionário partiu-se de uma coleta de dados sobre as características dos entrevistados, tanto individuais (e.g., sexo, idade, tempo de residência em Cáceres) como contextuais (e.g., lugar de socialização – urbano/rural – conhecimento ou menos da fronteira), seguido pela tentativa de verificar como estas propriedades individuais/contextuais (variáveis independentes) se combinam com a segunda parte do questionário (nossas hipóteses, as variáveis dependentes), que tem perguntas mais específicas em relação à fronteira, percepção desta, relação com os estrangeiros, percepção destes,

Percepção da fronteira/dos estrangeiros Propriedades individuais dos entrevistados Propriedades contextuais dos entrevistados

entre outros. Pode-se resumir as propriedades (individuais, contextuais e percepção) da seguinte forma (Quadro 1):

Quadro 1 - Propriedades individuais e contextuais dos entrevistados e percepção da fronteira e dos estrangeiros Propriedades individuais: Gênero Idade Lugar de nascimento Socialização urbana/rural Semestre de curso Orientação religiosa Orientação política

Exposição à mídia (social e tradicional) Contato com a fronteira

contato com estrangeiros

Propriedades contextuais: Contexto de residência (qual cidade e se urbano/rural)

Status socioeconômico

Conhecimento da fronteira em relação à passagem de pessoas Conhecimento da fronteira em relação à passagem de mercadorias

Percepção da fronteira/dos estrangeiros Conhecimento, crenças, estereótipos em relação à região fronteiriça Sentimentos relativos aos estrangeiros

Percepção dos estrangeiros como perigosos

Percepção de outras fronteiras (étnico-racial, de gênero) Fonte: o autor.

O conjunto de variáveis individuais e contextuais serve para caracterizar as identidades pessoais e sociais que foram imaginadas ao longo do processo de construção do questionário. As perguntas de 1 a 9 foram pensadas para criar um perfil geral do entrevistado: além das perguntas sobre gênero, religião e tempo na faculdade, há perguntas importantes – como uma sobre sua socialização – que oferecerão dados para os futuros cruzamentos, a fim de testar as hipóteses baseadas na obra da M.M. Wood. Das questões 10 à 14 tem-se perguntas que tentam criar um perfil de classe dos alunos, tanto em relação a sua renda bem como à autocolocação de classe e à classe social de origem. Sucessivamente, há três perguntas sobre a autocolocação política dos alunos que servirão para criar seu perfil político. Dado que sabemos que há tendências de comportamento relacionadas ao pertencimento político, e também sabemos que a atitude em relação aos estrangeiros não foge destas tendências, pretende-se verificar como isto se daria em um contexto fronteiriço.

Ato seguinte, há uma série de perguntas sobre a relação dos respondentes com a mídia em geral (grande mídia, mídia local, redes sociais) e com a mesma mídia

em relação à fronteira. As perguntas seguintes (22 e 23) servirão para entender o quanto os alunos são realmente conhecedores da realidade fronteiriça local, sendo indagado tanto o contato que tiveram com a fronteira na região da Corixa, bem como o contato real com estrangeiros na cidade.

Após isto, como já antecipado, encontram-se as variáveis dependentes, havendo da pergunta 24 em diante nove perguntas que serão cruzadas, quando possível, com as anteriores, com intuito de descobrir se as hipóteses deste trabalho se confirmam. Se trata da terceira parte da tabela vista anteriormente: conhecimento, crenças, estereótipos em relação à região fronteiriça que foi inserida entre as variáveis dependentes, pois se pensou tratar de uma caraterística que é percebida somente após o surgimento de sentimentos ativados pela construção deste objeto, desta imagem, que é a fronteira. Sentimentos relativos aos estrangeiros e Percepção dos estrangeiros como perigosos foram pensados em relação à uma ligação direta, que é amplamente percebida pela população em geral, entre desvio e estrangeiro/migrante. Percepção esta que pode ser derivada basicamente da exposição à mídia local, que costuma enfatizar mais os crimes dos estrangeiros do que os crimes cometidos pelos próprios locais. Percepção de outras fronteiras (étnico- racial, de gênero): há aqui uma tentativa de entender como poderia se dar a percepção de outras fronteiras quando se foca na fronteira física. Sabe-se que inúmeros são os fatores que influenciam as fronteiras “outras”, porém acredita-se que haja uma melhor distinção destas fronteiras por parte de quem conhece a fronteira física.

Especificamente, é importante listar estas questões: há duas perguntas sobre a percepção de permeabilidade da fronteira e mais duas sobre a percepção de diferença entre Brasil e a Bolívia que vão ao encontro do que postulado por Mezzadra e Balibar. Sucessivamente, para entender a relação com os estrangeiros, há uma série de perguntas sobre crime e uma pergunta sobre um tema considerado “quente” na cidade: o atendimento aos bolivianos no Hospital Regional. Há ainda duas perguntas “bônus” sobre outras fronteiras que podem surgir no dia a dia dos entrevistados. Em especial, estas últimas duas perguntas não têm a intenção de fornecer dados conclusivos por vários motivos – a percepção de outras fronteiras depende de inúmeros fatores que não foram pesquisados e não é intenção desta tese focar neles – mas podem servir de estímulos para novas pesquisas e fornecer dados

interessantes sobre a amostra escolhida em relação a uma temática relacionada à nossa pesquisa.