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3.3 FRONTEIRAS E COLÔNIAS: E AS OUTRAS FRONTEIRAS?

3.3.2 As fronteiras no pensamento pós-colonial

FORNARI, 2011).

3.3.2 As fronteiras no pensamento pós-colonial

Conforme apresentado até o presente momento, a fronteira não é uma simples separação bidimensional entre dois territórios. Ao tentarmos entender como ela funciona segundo a crítica pós-colonial, pode-se perceber que nesta visão específica esta assume uma dupla função: a fronteira pode ser tanto vertical como horizontal.

Uma parte da crítica pós-colonial se concentra na função “verticalizadora” do limite, como instância de produção e legitimação da narrativa ocidental sobre a “história ocidental”, outra parte desta assume como próprio foco de indagação a função latu senso “horizontal” do limite: entendido como operador da configuração e compartimentação estadual-nacional no globo93

(FORNARI, 2011, p. 42)

E ainda:

Fronteiras e limites não se configuram como simples linhas traçadas em um mapa, mas possuem o estatuto constitutivamente ambivalente de uma interface que atua nos processos de apropriação e partilha territorial e simbólica, reenviando por um lado à mais ampla questão da instituição de identidades (nacionais culturais, sociais) e por outro lado ao critério de regulamentação do pertencimento a uma ordem estatal ou nacional em base a uma exata codificação daquilo que vale como “interno” (inclusão) e como “externo” (exclusão)94 (FORNARI, 2011, p. 43-44).

É exatamente nesta linha de intersecção entre dimensão material e simbólica (território e identidade) que se inserem os estudos pós-coloniais para tentar uma nova definição de categorias como fronteiras, mãe pátria e cultura nacional, do ponto de vista da diáspora. A primeira tarefa da leitura pós-colonial é, portanto, levar de volta a noção de nação (e tudo que dela deriva: nacionalismo e pátria, por exemplo) para

93 “Una parte della critica postcoloniale si concentra sulla funzione “verticalizzante” del limite, quale istanza di

produzione e legittimazione della narrativa occidentale sulla “storia universale”, un’altra parte di essa assume invece come proprio fuoco di indagine la funzione latu sensu “orizzontale” del limite: inteso come operatore della configurazione e compartimentazione statal-nazionale del globo” (tradução nossa).

94 “Confini e limiti non si configurano come semplici linee tracciate sulla carta geografica, ma posseggono lo

statuto costitutivamente ambivalente di un’interfaccia che interviene nei processi di appropriazione e spartizione territoriale e simbolica, rinviando per un verso alla più vasta questione dell’istituzione di identità (nazionali, culturali, social) e per l’altro ai criterio di regolazione dell’appartenenza a un ordine statale o nazionale sulla base di una ben precisa codificazione di ciò che vale come ‘interno’ (inclusione) e come ‘esterno’ (esclusione)” (tradução nossa).

seu centro e origem: a Europa Ocidental, já que entender a noção de nação é a base para tentar uma etnografia da contemporaneidade. A produção cultural da diáspora negra é, por exemplo, uma produção transnacional e transcultural: uma tradição não tradicional. A diáspora se põe como alternativa às noções de raça, nação e cultura tradicionais, pois estas são delimitadas num corpo finito, embora o nacionalismo diaspórico seja algo que foge da codificação do clássico nacionalismo europeu, pondo-se como alternativa translocal em oposição aos processos de territorialização das identidades culturais. A noção de diáspora foge da noção de identidade territorial, linguagem ou etnia comum e por isso reconfigura a noção de pertencimento, quebrando a ligação entre identidade e território.

Se pensarmos na definição de nação como uma afiliação textual e narrativa que nos é oferecida por Homi Bhabha (1997), chega-se ao limite de desqualificar a ideia de nação como força simbólica, já que segundo o autor indiano, primeiramente esta é uma estratégia narrativa. A partir do momento em que há uma constante ressignificação da noção de pertencimento (o plebiscito quotidiano do qual fala Ernest Renan95), chega-se a significar facilmente as “margens” desta nação e entender

como, assim fazendo, Bhabha foca:

[...] a cisão constitutiva do sujeito nacional: cisão em virtude da qual o povo é tanto objeto de uma ‘pedagogia’ nacionalista que o leva continuamente de volta à unidade de um corpo social, seja sujeito de processos autônomos de significação e de contra-narrações que evocam e apagam continuamente as fronteiras totalizantes da nação96 (FORNARI, 2011, p. 45-6).

A partir deste ponto de vista, a ideia de fronteira obrigatoriamente deve ser retematizada e relida, pois trata:

[...] soleiras do sentido que são continuamente atravessadas, apagadas, e traduzidas em processos de significação cultural e onde o efeito desta significação incompleta transforma as fronteiras em espaços “inter-médios” (in-between) nos quais são negociados os sentidos da autoridade política e cultural97 (FORNARI, 2011, p. 46).

95 Ernest Renan (1823-1892), filósofo político francês escreveu um ensaio em 1882 cujo título era “O que é uma

nação” e a definição que ele nos oferece neste ensaio é: “a nação é um princípio espiritual que se expressa em um plebiscito cotidiano” (RENAN, 1987, p. 83).

96 “Scissione costitutiva del soggetto nazionale: scissione in virtù della quale il ‘popolo’ è sia oggetto di una

‘pedagogia’ nazionalista che lo riconduce costantemente all’unità di un corpo sociale, sia soggetto di autonomia processi di significazione e di contro-narrazioni che evocano e cancellano di continuo i confini totalizzanti della nazione” (tradução nossa).

97 “Soglie di significato che vengono costantemente varcate, cancellate e tradotte nei processi di significazione

É assim que a fronteira deixa de ser algo que separa externamente e se torna algo que separa internamente, por exemplo, as minorias (migrantes, LGBT, minorias étnicas, entre outras) em relação à unidade do povo como nação (e estas minorias são sempre, segundo Bhabha, as responsáveis pela circulação da cultura, pois sempre precisam negociar sua existência mediando entre as fronteiras étnicas, culturais e raciais, por exemplo).

No momento exato em que se fundam os limites do espaço fronteiriço seu significado passa de fronteira externa para delimitação interna, a diferença cultural não é problema de quem está fora, mas de quem está dentro e não se encaixa na narrativa unitária, estes são o oposto ao povo-como-unidade98

(BHABHA, 1997, p. 484).

O problema posto por Bhabha é o mesmo que W.E.B. Du Bois enfrenta em sua obra, e que guiará seu entendimento de como são construídas as fronteiras étnico- raciais.