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2.3 AS POLÍTICAS MIGRATÓRIAS COMO FORMA DE FORTALECER AS

2.3.5 E no Brasil?

O Brasil é considerado um país de alta imigração. Mesmo não alcançando os números estratosféricos de migrantes que os Estados Unidos receberam, o país fez sua parte ao receber pessoas de todos os lados do globo.

Como é de comum conhecimento, o Brasil incentivou por vários motivos a migração ao longo do século entre meados de 1800 a meados de 1900, destacando- se o chamado projeto civilizatório (SEYFERTH, 2002). Segundo este, dever-se-ia privilegiar a entrada de imigrantes brancos, cultos e aptos para o trabalho. O primeiro estímulo (subsidiado pelo governo português) para a chegada de migrantes aconteceu em 1815 com uma colônia de suíços instalada na atual Nova Friburgo, no Estado do Rio de Janeiro, já abrangendo o objetivo “embranquecedor” do projeto. Esta empreitada não teve o sucesso esperado devido a problemas logísticos14. Ao

12 Acrônimo para White Anglo-Saxon Protestant – brancos de origem anglo-saxã que professam a religião

protestante.

13 “Currents of migrations which would flow naturally in a certain direction (…) may (…) be diverted, or stopped

altogether, by legislative enactments” (tradução nossa).

14 “Vários problemas inviabilizaram a colonização de Nova Friburgo: o alto custo do agenciamento e da

manutenção do núcleo colonial, as altíssimas taxas de mortalidade na viagem e nos primeiros meses após a acomodação, a má qualidade das terras, o isolamento (apesar da proximidade de Cantagalo e suas grandes propriedades cafeeiras) (NICOULIN, 1981 apud SEYFERTH, 2002). O empreendimento perdeu a maior parte dos

contrário, conforme relata Geralda Seyferth (2002), o projeto apresentou resultados efêmeros. No entanto, apesar dos resultados desencorajadores, abriu-se o caminho para que, dez anos mais tarde, num Brasil finalmente independente, houvesse a retomada deste modelo de projeto.

Foi assim subsidiada novamente, a partir de 1824, a vinda de migrantes (principalmente alemães) que se estabeleceram nas colónias do Sul do país. Naquele momento, o Brasil objetivava principalmente com a migração a ocupação do território nacional e, ao mesmo tempo, caminhar rumo à civilização. É interessante notar os vários fatores que impulsionaram a migração de alemães, destacando o fato de serem considerados agricultores eficientes, seguindo uma linha que foi marcada na legislação migratória direcionada à colonização da época: “nas regras de admissão de estrangeiros, o imigrante ideal, o único merecedor de subsídios, é o agricultor; mais do que isso, um agricultor branco que emigra em família” (SEYFERTH, 2002, p. 119). Contudo, a migração teve uma forte redução quando, em 1830, foi aprovada uma lei que proibia gastos com migração, e assim, impedia na prática a migração subsidiada. Desta forma, por um longo período, o fluxo migratório foi extremamente reduzido até que, já às vésperas da abolição da escravatura, o país voltou a ter interesse pelas questões migratórias devido à necessidade iminente de mão de obra livre para suas lavouras de café, em plena expansão à época. Foi retomado o subsidio à migração e, em pouco menos de cinquenta anos, houve entrada de milhões de alemães, poloneses, italianos, portugueses (estes, aliás, foram os únicos que sempre tiveram as portas abertas), espanhóis, japoneses, sírio-libaneses, entre outros (OLIVEIRA, 2015).

Estes distintos grupos de migrantes chegaram aqui em consequência de acordos estipulados entre os países de saída e o Brasil. Não se exagera ao afirmar que as políticas migratórias eram criadas basicamente pelo país de saída do migrante, pois o Brasil neste momento precisava de mão de obra e, portanto, salvo algumas exceções, não apresentava política restritivas. Não se chegava ao paradoxo citado aqui anteriormente, relatando sobre a migração interna ao continente europeu (LUCASSEN; LUCASSEN, 2009; SCIORTINO, 2017), uma vez que no Brasil havia restrições para a migração tanto de natureza política como ideológica, além de outras

colonos suíços (muitos retornaram à Europa) e só não desapareceu porque após a independência foram para lá encaminhados imigrantes alemães” (SEYFERTH, 2002, p. 193).

relacionadas a doenças e à idade (embora exagera-se um pouco ao afirmar que vivia- se num momento em que não haviam restrições para sair e quase não haviam regulamentações para entrar).

As primeiras restrições à entrada de estrangeiros aparecem durante a ditadura de Getúlio Vargas. Após a crise de 1929, há uma queda geral da migração para a América do Sul e, em especial, no Brasil. O fator que mais contribuiu para este declínio foi a lei dos 2/315 (1931), que regulava a contratação de estrangeiros em

estabelecimentos comerciais e a lei de cotas16 (1934), que restringia a entrada de

estrangeiros no país (com exceção de portugueses). Tratava-se de uma legislação precedida de intensos debates, e que tinha como finalidade, entre outras, ajudar a alcançar o objetivo de fiscalizar e nacionalizar as numerosas comunidades migrantes – seus núcleos de imprensa, suas escolas – presentes no Brasil, além de regular a migração futura (GERALDO, 2009). É interessante ver, no caso do segundo decreto, como as emendas colocadas pelos parlamentares tentam, mais uma vez, manter um padrão de migração para o Brasil, restringindo ao máximo a migração da África, limitando – ou proibindo totalmente – a da Ásia, impedindo a entrada de anarquistas, de doentes (tanto físicos como mentais), e tentando explicar cientificamente os motivos de preferirem brancos indo-europeus do que outras etnias.

O governo Vargas não parou de definir sua política migratória com esta lei (embora não serão abordados aqui todas as medidas tomadas durante este período). Atem-se à lei de cotas como a primeira de uma série de leis que miraram alcançar este objetivo e que teve como efeito a regulamentação da migração. Regulamentação esta que chegou a ser revista, após a era Vargas, durante a ditadura militar que, em 1980, criou a lei nº 6815, conhecida como “estatuto do estrangeiro”.

O “estatuto do estrangeiro” é uma lei em consonância com o período político em que foi criada e que tinha como caraterística principal uma visão do estrangeiro migrante como uma ameaça à soberania nacional. Além de dificultar enormemente a entrada, era vedado aos estrangeiros residentes se reunirem em associações, exercer cargos de líderes sindicais, entre outras proibições. Esta regulamentação, altamente limitadora da mobilidade internacional, esteve vigente até pouco tempo

15 Decreto 20.291, de 12 de agosto de 1931. 16 Decreto 24.215, de 9 de maio de 1934.

atrás17, regulando a entrada e permanência de estrangeiros no país.