• Nenhum resultado encontrado

2 Referencial teórico

2.1 Conhecendo a dinâmica da consultoria interna

2.1.5 A consultoria interna no contexto do serviço público

Entre os principais desafios e oportunidades do processo de modernização do Estado destacam-se os seus recursos humanos. Repensar o Estado implica em mudanças e estas em resistência. As mudanças podem ser vistas sob a perspectiva de perdas pessoais e de ameaça ao status quo dos servidores. Transformar essa resistência em adesão representa um desafio para quem lidera um processo de mudança, menosprezá-las implica no seu fortalecimento (COUTINHO; CAMPOS, 1996), como será visto na Seção 2.2 deste trabalho.

Ao mesmo tempo em que representa um desafio, o quadro de pessoal do governo também se destaca como uma das “grandes oportunidades para se levar a cabo as reformas em prol do alto desempenho do Estado”, considerando que um ambiente de trabalho adequado e motivante vai contribuir para a maximização da satisfação e produtividade dos servidores (COUTINHO; CAMPOS, 1996, p. 14).

Como afirma Vallemont (1996, p. 11) “a modernização do Estado passa tanto – ou mais – pelos homens quanto pelas estruturas [e] [...] a valorização dos recursos humanos é o ponto de passagem obrigatório de toda modernização”. Defende ainda que as dimensões relacionadas ao desenvolvimento dos recursos humanos sejam apropriadas por todos os níveis da hierarquia.

Embora os servidores tenham um papel especialmente importante na construção de um Estado que funcione de forma eficiente e eficaz, é comum encontrar servidores desmotivados, pouco qualificados ou inadequadamente preparados para o desenvolvimento de suas atividades, assim como pouco informados sobre as políticas do governo.

No caso específico da reforma administrativa conduzida pelo Governo do Estado de Pernambuco, Cavalcanti et al (2002), em pesquisa realizada com 1.150 servidores do quadro do Governo, com o objetivo de medir o grau de conhecimento e a percepção do servidor quanto à reforma, identificaram que 66% a conheciam em diferentes graduações - 49% conheciam pouco, 15% conheciam e apenas 2% conhecia bem. Sendo que 70% dos respondentes informaram que não conheciam o Plano Diretor da Reforma do Estado de Pernambuco, documento que estabelece os objetivos, princípios e diretrizes da reforma.

A pesquisa mostrou, ainda, que 90% dos respondentes concordaram que a reforma era importante, 92% destacaram que ela precisava ser mais divulgada e 86% consideraram que estava faltando o envolvimento do servidor no processo da reforma. Constatou-se ainda, que dentre os servidores entrevistados, 60% gostariam de opinar/sugerir sobre a reforma.

Questionados sobre os diversos programas e projetos decorrente da reforma administrativa, apenas 29% informaram conhecer o PROGESTÃO, sendo que destes 21% conheciam pouco, 8% conheciam e somente 2% conheciam bem. Contudo, quando questionados sobre a freqüência da utilização de temas do modelo gerencial no seu trabalho, os resultados apontaram para uma relativa utilização desses termos pelos servidores. Observou-se que os respondentes sempre utilizavam no seu trabalho o termo qualidade no atendimento (66%), agilização dos trabalhos (61%), responsabilização/autonomia (57%), transparência nos procedimentos (50%), avaliação de resultados (39%), definição de metas (36%), descentralização (29%), entre outros. Esses resultados podem estar de certa forma indicando que, embora estivessem vivenciando ações próprias do modelo gerencial, frutos da reforma em andamento, os servidores não faziam a conexão destas ações com o processo de reforma.

Cavalcanti et al (2002), ao analisarem os resultados de sua pesquisa, apontam, dentre outras, a necessidade de maior divulgação da reforma e de estabelecer canais de comunicação

que facilitem a disseminação de informações sobre os objetivos, ações e benefícios da mesma tanto dentro das organizações como entre elas, propiciando uma maior integração entre os níveis estratégico, gerencial e operacional, viabilizando a transparência na informação e nos processos de mudança.

Outro aspecto destacado por Cavalcanti et al (2002, p. 12) foi a importância do papel do servidor público na reforma do Estado, considerando que a adoção do modelo gerencial implica tanto em alterações nas práticas como em maior responsabilidade e autonomia para quem desenvolve os trabalhos, o que exigirá do servidor maior qualificação, preparação para atuar em equipe e o desenvolvimento do corpo gerencial. A modernização da gestão pública passa, portanto, por “investimentos na reestruturação da gestão de recursos humanos e na cultura organizacional” que valorizem o servidor e promovam um maior envolvimento do mesmo no processo de implementação da reforma.

A ausência de um quadro de servidores qualificados vai comprometer tanto as ações de gerenciamento quanto de formulação de políticas públicas. Nesse sentido a consultoria interna pode representar um caminho para melhorar a qualificação de seus servidores – criando um grupo de alto nível, que além de qualificados estejam imbuídos de espírito público. Não há como negar que o fato de os consultores internos conhecerem e vivenciarem a realidade da administração pública vai contribuir não só na compreensão dos problemas, mas também na construção de soluções que se adequem a essa realidade, colocando-os em vantagem em relação à consultoria externa.

Sobre esse aspecto Takeuti (1987, p. 52) afirma que

a maior parte das consultoras, pertencendo à rede privada e atuando principalmente em questões intra-organizacionais, ao serem chamadas para intervenções na área pública passam tangencialmente pela problemática inter-organizacional, onde os valores sociais possuem um peso considerável no equacionamento das propostas de mudança organizacional.

Uma intervenção em uma instituição pública implica, portanto, em uma maior sensibilidade “a interesses e demandas públicas e a valores sociais mais amplos de bem-estar e de eqüidade” (TAKEUTI, 1987, p. 52).

Este aspecto é também mencionado por Christensen (2003), quando de sua pesquisa sobre a expansão da atuação de consultores no setor público a partir da adoção do governo do estado de New South Wales, Austrália, de sistemas contabilísticos mais rigorosos (accrual

accounting) na década de 90. No estudo de como se deu a implantação desses sistemas por

consultorias, o referido autor identificou no discurso dos consultores a tentativa de legitimar sua expertise, embora essas empresas de consultorias não tivessem experiência significativa

no contexto do setor público, agindo como se não houvesse diferenças entre o setor público e o setor privado.

Apesar de algumas similaridades, a consultoria no serviço público vai se diferenciar em alguns aspectos da consultoria nas empresas privadas. Ocorre, contudo, que muitas das empresas de consultoria não compreendem a realidade e especificidades do setor público, oferecendo soluções prontas e caras, com as quais as organizações públicas não podem arcar. Isso tem feito com que as organizações públicas se voltem para a consultoria interna como uma forma de contar com uma ajuda permanente no gerenciamento dos processos de mudança (HUFFINGTON; BRUNNING, 1994).

Huffington e Brunning (1994) lembram que o fato do setor público estar passando por profundas mudanças (tanto na sua estrutura como no seu modelo de gestão), afetando os métodos, instrumentos e processos tradicionais, assim como as relações de poder, não só torna este um ambiente rico (e desafiador) para a atividade de consultoria, como também torna o conhecimento local (interno) altamente valorizado, favorecendo o desenvolvimento do modelo de consultoria interna.

A partir dos resultados de sua pesquisa – estudos de casos que relatam nove experiências do governo britânico com consultoria interna - Huffington e Brunning (1994) inferem que o fato de o setor público encorajar e investir na consultoria interna mostra sua intenção de liderar o processo de mudança, ao invés de confiá-lo a externos. Para os autores a constatação de que a mudança é necessária e a iniciativa de tomar para si a responsabilidade de conduzi-la não só são características de uma organização ‘saudável’, como também contribuem para elevar a possibilidade de que a implementação da mudança seja bem- sucedida, além de implicar em um custo menor para os cofres públicos.

Esses autores acreditam que a consultoria interna é um caminho para a solução de muitos dos problemas enfrentados pelas organizações do setor público, considerando que esse modelo pode levar a soluções criativas e relevantes por aqueles que mais são afetados quando as coisas dão erradas: os servidores públicos. Outro argumento defendido por Huffington e Brunning (1994) é de que diante das dificuldades de recursos normalmente enfrentadas no serviço público, a consultoria interna vem permitir um uso criativo e eficaz dos mesmos.

Nos seus estudos Huffington e Brunning (1994) destacam como características importantes do consultor interno o seu maior conhecimento sobre o sistema e uma maior consciência das particularidades desse sistema. Ao compará-lo com o consultor externo Huffington e Brunning (1994, p. xv, inserção nossa) afirmam que este último “sabe tudo, menos sobre o contexto denso do sistema [público]”.

A consultoria interna oferece aos que trabalham na área a oportunidade de avaliar e refletir sobre os processos de mudança, assim como possibilita chegar a soluções locais e direcionadas aos problemas específicos que estão sendo tratados. Essas soluções partem do próprio setor (público), ao invés de virem em formato de recomendações impostas de fora do sistema. Huffington e Brunning (1994) acrescentam ainda que a consultoria interna é um veículo de empoderamento dos servidores na medida em que pode favorecer o seu maior envolvimento (nas questões que impactam nos resultados) e o sentimento de pertença (de fazer parte da organização).

Também a experiência relatada por Moore (1988), sobre um programa de consultoria interna implantado no governo do estado de Nova York, Estados Unidos, apresentou resultados interessantes. Nesse caso os servidores com vivência em cargos de gestão foram apresentados ao modelo de consultoria, como uma forma de gerenciar as pessoas mais pela influência do que pelo poder (posição hierárquica).

O objetivo do programa era desenvolver uma rede de relacionamentos de gestores, onde esses, com base na sua experiência e conhecimento de gestão aliado ao conhecimento adquirido sobre consultoria, pudessem ajudar outros gestores e servidores, com foco na resolução de problemas enfrentados no serviço público. A premissa que norteou o trabalho foi a de que “quando todos são tratados como um parceiro completo no esforço de promover a mudança ou de gerenciar problemas, as soluções serão melhores e mais duradouras” (MOORE, 1988, p. 44).

Nessa experiência observou-se que o fato dos gestores atuarem como consultores internos contribuiu para que eles vivenciassem novos comportamentos e novas idéias em um ambiente fora do seu local de trabalho habitual. Moore (1988, p. 45, inserção nossa) infere que “a consultoria interna proporciona um laboratório novo, e talvez seguro, onde [o consultor interno pode] experimentar”. Contribui também para que os servidores envolvidos nessa atividade tivessem uma compreensão maior de como funcionam as agências de governo e de que, apesar de negócios diferentes, os princípios que orientam os projetos, a resolução dos problemas e as mudanças são comuns entre elas.

Os benefícios relatados são: o desenvolvimento de uma rede de aprendizagem, onde os consultores internos trocavam não apenas experiências, mas também compartilhavam teorias, literatura e técnicas mais recentes; e a utilização dos recursos existentes e da expertise dos seus próprios servidores, fazendo que os problemas fossem resolvidos a um baixo custo, o que não aconteceria se fosse contratada uma consultoria externa (MOORE, 1988).

uma pesquisa feita com consultores internos que atuaram em duas intervenções realizadas pelo PROGESTÃO, Moura e Campello de Souza (2007) constataram que a atividade de consultoria interna tira o servidor da sua “zona de conforto” e o coloca diante de um ambiente rico em termos de experiências significativas e de mecanismos externos de mediação cognitiva que o incentiva a pensar, refletir e agir, contribuindo para que o mesmo se envolva de forma mais intensa em processos de aprendizagem, assim como tenha sua capacidade cognitiva ampliada. A consultoria interna parece contribuir não só para a formação de servidores altamente qualificados, mas também para que esses tenham uma maior compreensão da estrutura e funcionamento da máquina pública, aspectos fundamentais para uma gestão pública mais eficiente, eficaz e efetiva.

Diante dos resultados obtidos Moura e Campello de Souza (2007) concluem que as experiências vivenciadas durante as intervenções foram significativas, refletindo em aprendizagem para os consultores e contribuindo não só para uma melhor compreensão das intervenções estudadas, mas servindo também para ações futuras mais eficazes. Essas experiências também levaram os consultores internos a vivenciarem momentos de reflexão que resultaram em aprendizagens no âmbito profissional (não só voltadas para a melhoria da prática da consultoria, assim como das atividades desenvolvidas nos seus órgãos de origem) e no âmbito pessoal

Mesmo que ainda de forma ‘tímida’, o governo federal do Brasil vem também utilizando o modelo de consultoria interna no Programa Nacional da Gestão Pública e Desburocratização (GESPÚBLICA), criado em 2005. O GESPÚBLICA - fruto da fusão do Programa Nacional de Qualidade do Governo Federal com o Programa Nacional de Desburocratização - concede certificação a órgãos públicos federais que aderem ao Programa e passam a desenvolver práticas adequadas de gestão. Essas instituições são avaliadas pela efetividade das práticas, concorrendo ao Prêmio Nacional da Gestão Pública (PQGF) (PLANEJAMENTO, 2007).

Para operacionalizar o GESPÚBLICA foi criada a Rede Nacional de Gestão Pública, formada por consultores voluntários. Esses consultores voluntários podem ser servidores públicos ou qualquer cidadão interessado. O trabalho dos voluntários consiste na capacitação e formação de multiplicadores de novas práticas gerenciais nas instituições públicas federais, assim como na avaliação dos resultados apresentados pelas instituições que estão concorrendo ao PQGF (PLANEJAMENTO, 2007).

O PROGESTÃO inova e se diferencia do GESPÚBLICA não só por agregar voluntários apenas do quadro de pessoal do Estado, mas também por constituir uma ação de

intervenção e não apenas de capacitação e avaliação de resultados – o que caracteriza realmente a adoção do modelo de consultoria interna.

2.2

Compreendendo a resistência

Antes de se deter sobre como ocorre o processo de resistência à mudança, é importante esclarecer que o conflito na organização não se apresenta, necessariamente, como algo que trará prejuízos. Há o conflito funcional, que estimula a discussão de forma saudável e construtiva, e o conflito disfuncional, que dificulta a implementação e o desenvolvimento do trabalho que está sendo proposto (ROBBINS, 2005).

A resistência, portanto, pode ser um fenômeno saudável e positivo, na medida em que favorece a discussão dos benefícios que a mudança proposta trará e, como afirmam Kanter, Stein e Jick (1992), permite o surgimento de novas idéias e possibilidades.

Sobre essa questão Argyris (1970) defende que há pelo menos três razões para encorajar os participantes que se encontram resistentes, seja em relação ao interveniente, ou em relação ao projeto. Eles podem estar indicando as verdadeiras ameaças à saúde da organização; alertando para intervenções que ameacem a integridade do sistema; assim como, alertando para o fato de que o interveniente pode não atender à essência dos valores primários da organização. Piderit (2000) acrescenta que a resistência também pode estar motivada por princípios éticos individuais ou pelo desejo de proteger os interesses da organização.

Contudo, a resistência também pode se apresentar de forma perniciosa, seja por meios extremos como a sabotagem, ou como pretexto para a acomodação e a paralisação, impedindo a inovação e a transformação organizacional (JUDSON, 1980; ROBBINS, 2005; CARDOSO; CUNHA, 2005), ou ainda envolvendo apenas ambições pessoais e interesses mesquinhos, sem uma preocupação maior com a organização (KANTER; STEIN; JICK, 1992).

Por tudo isso, a resistência tem sido apontada como uma das principais barreiras à mudança bem-sucedida (BLOCK, 1991; KETS DE VRIES; BALAZS, 1999; WAGNER III; HOLLENBECK, 2004; CARDOSO; CUNHA, 2005), idéia também compartilhada por Nogueira (1991 apud MOURA, 2002, p. 19), que afirma que “reações favoráveis ou desfavoráveis aparecem como fator determinante do sucesso/insucesso da mudança”, e por Judson (1980, p. 94), que considera que a resistência à mudança “constitui muitas vezes, o único grande obstáculo ao sucesso de sua efetivação”.

de forma a minimizá-las ou até eliminá-las é fundamental para o consultor e conseqüentemente para o sucesso do seu trabalho.

2.2.1 Mudança, uma constante na vida dos indivíduos e das