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2 Referencial teórico

2.1 Conhecendo a dinâmica da consultoria interna

2.1.2 Caracterizando a consultoria interna

Com o propósito de salientar as características únicas ou próprias da consultoria interna, Lacey (1995) faz uma comparação entre a consultoria interna e a consultoria externa, destacando as diferenças existentes entre elas (Quadro 1). Essa comparação é feita a partir das fases que compõem uma intervenção voltada para uma mudança planejada: entrada,

contratação, diagnóstico, intervenção e avaliação. A essas fases acrescentou-se a saída, que caracteriza a conclusão do trabalho do consultor.

Quadro 1 (2) - Diferenças entre consultoria interna e consultoria externa

Fases Consultor externo Consultor interno

E N T R A D A

Procura por clientes Construção de relações

Aprendizagem do jargão da organização Os problemas apresentados (sintomas) representam um desafio

Demanda tempo Fase estressante

Seleciona projeto/cliente de acordo com critério próprio

Rendimentos imprevisíveis

Pronto acesso aos clientes Relações já existentes

Conhece o jargão da organização Compreende as causas do problema Exige menos tempo

Fase confortável

Obrigado a trabalhar com qualquer pessoa Pagamento assegurado C O N T R A T O Documentos formais

Pode terminar a relação quando desejar Precaução contra despesas não previstas Informações confidenciais

Possibilidade de perda de contrato Assume o papel de terceira parte

Acordos informais

Deve concluir os projetos acordados Não há preocupação com despesas extras Informações podem ou não ser confidenciais Risco de retaliação do cliente ou perda do emprego Atua como uma terceira parte, em nome do cliente, ou em conjunto com o cliente

D I A G N Ó S T I C O

Encontra a maioria dos membros da organização pela primeira vez

Prestígio por ser externo Constrói confiança rapidamente

Dados confidenciais podem aumentar as suscetibilidades políticas

Tem relações com muitos dos membros da organização

Prestígio em função do status do seu trabalho e do status do cliente

Mantém a reputação como confiável com o tempo Compartilhamento dos dados (depende da abertura com que a mudança é conduzida e da credibilidade do consultor interno) pode reduzir intrigas políticas I N T E R V E N Ç Ã O

Insiste em informação válida, escolha livre e informada, e comprometimento interno

Restringe as atividades aos limites da unidade-cliente

Insiste em informação válida e comprometimento interno; escolha livre e informada é um luxo

Intercede em defesa do projeto de mudança junto a stakeholders em busca de apoio

A V A L I A Ç Ã O

Tem como indicador de sucesso a repetição de negócios e a referência dos clientes

Raramente vê resultados de longo prazo

Tem como indicador de sucesso a repetição de negócios, aumento de salário e promoção

Pode ver a mudança tornar-se institucionalizada Tem pouco reconhecimento por um trabalho bem feito S A Í D A

Tem prazo determinado para concluir o contrato e custa caro

É visto como um expert

Por ser mais acessível e estar mais disponível corre o risco de ser visto como membro da equipe

Pode gerar dependência no cliente

Fonte: adaptado de Lacey (1995, p. 76)

Na fase de entrada, a consultoria externa passa por alguns níveis de dificuldades, que vai desde conseguir um cliente até tornar clara a questão a ser trabalhada, passando pela

necessidade de construir uma relação mais próxima com o cliente, adaptar-se ao jargão da organização e distinguir o que é sintoma e quais são as reais causas do problema. Essa fase, esclarece Lacey (1995), além de demandar tempo, demanda energia do consultor externo e pode ser motivo de stress.

Para o consultor interno essa fase é mais tranqüila e exige menos tempo, visto que o mesmo, por ser da organização, conhece as pessoas, a linguagem utilizada e os processos. Bianco (1985, p. 51) lembra que “o consultor interno normalmente tem maior conhecimento e maior acesso aos recursos internos, figuras de poder, história e dados”.

Uma questão a ser levantada, contudo, é que o projeto apresentado pelo gerente do consultor interno pode não ser de seu interesse e, nesse caso, ao contrário do consultor externo, ele se vê em dificuldades para recusar o trabalho. Lacey (1995, p. 77) esclarece que do consultor interno “é esperado que trabalhe – e trabalhe bem – com qualquer e todo funcionário na organização, independente de preferências ou estilo pessoais”.

Na contratação as diferenças se mantêm. Na consultoria externa é elaborado um contrato formal, onde ficam resguardados os direitos e os deveres do consultor e dos clientes, na consultoria interna muito do que é acordado fica apenas no campo verbal.

Lacey (1995, p. 77, inserção nossa) chama a atenção para essa informalidade, tão maior quanto maior é a familiaridade entre consultor e cliente, esclarecendo que é primordial que seja elaborado um contrato com o cliente que considere pelo menos quatro questões: “confidencialidade, a entrega de más notícias, o papel do consultor e a extensão do envolvimento pessoal do cliente com o processo de mudança”. Essas questões uma vez acordadas com o cliente contribuirão para “fortalecer a relação consultor-cliente; preparam o cliente psicologicamente para a possibilidade de ouvir mensagens duras, e permitem que os consultores [internos] dirijam-se a questões normalmente evitadas pelos outros [funcionários]”.

Se a informalidade pode dificultar a definição clara dos papéis e limites do consultor e do cliente, Huffington e Brunning (1994) inferem que essa é uma relação construída com base na confiança.

Ainda em relação à contratação, Block (1991) esclarece que a consultoria gera um tipo de contrato triangular (chefe do consultor-consultor-cliente) ou retangular (chefe do consultor-consultor-chefe do cliente-cliente). O primeiro requer um entendimento prévio entre o chefe do consultor e o consultor, no que se refere às expectativas do trabalho a ser realizado. No segundo tipo de contrato, o chefe do consultor e o chefe do cliente devem ter o mesmo entendimento do trabalho a ser realizado, e estes por sua vez o repassam a seus subordinados.

Assim, em ambos os casos é imprescindível que o consultor interno tenha claro quais são as expectativas de cada uma das partes.

Kenton, Moody e Taylor (2003) destacam que a fase de contratação é muito importante para a atividade de consultoria de uma forma geral, mais ainda quando se trata de consultoria interna, onde os limites na relação consultor/cliente podem não ser tão claros, bem como por envolver relações entre vários níveis de hierarquia, onde o surgimento de um problema pode gerar mal-entendidos, reações emocionais, intrigas políticas e jogos de poder.

É fundamental, também, a definição do limite de envolvimento das partes, de forma que o consultor não assuma responsabilidades não inerentes a sua função, comprometendo a autonomia do cliente, e o consultando tenha claro a sua responsabilidade pela execução do processo e pela garantia dos resultados (BARNATO, 1990; HUFFINGTON; BRUNNING, 1994; HIEBERT; OLTHUIS, 1995; ELTZ; VEIT, 1999; KENTON; MOODY; TAYLOR, 2003).

A fase de diagnóstico é normalmente a fase na qual o consultor externo entra em contato pela primeira vez com muitos membros da organização. Para garantir informações confiáveis nas entrevistas ou questionários – fator imprescindível para o sucesso do trabalho – é importante que o consultor externo, mesmo com o prestígio e status de um consultor pago, estabeleça um clima favorável à confiança e compreensão.

Esta fase também é importante para a consultoria interna. Lacey (1995) informa que são poucas as diferenças entre os consultores internos e externos na fase de diagnóstico. O

status do consultor interno reside na posição que o mesmo ocupa e nas relações (com pessoas-

chave) que desenvolve dentro da organização Isso interfere na disponibilidade dos respondentes em dizer a verdade durante a fase de coleta de dados.

Outro aspecto a ser considerado é o grau de abertura acordado no contrato. Quanto maior a credibilidade do consultor interno maior a possibilidade de conduzir o processo de mudança de forma mais aberta, sem a necessidade de se recorrer ao anonimato e à confidencialidade. Isso favorecerá tanto uma maior participação de todos na avaliação dos dados, como uma redução das intrigas políticas (LACEY, 1995).

A seção de feedback é um dos momentos desta fase e, em ambos os tipos de consultoria, é imprescindível que o cliente aproprie-se dos dados e os aceite como válidos. Nesta tarefa, infere Lacey (1995, p.79), “um consultor interno tem a vantagem de saber onde residem os hábitos, e a desvantagem de saber que uma confrontação pobre das questões pode não só resultar em um comprometimento fraco do cliente, mas no fracasso do projeto ou na possibilidade de rejeição”.

A intervenção propriamente dita normalmente só é iniciada pelo consultor externo se este identifica no cliente a possibilidade de informação válida, escolha livre e informada e comprometimento interno (ARGYRIS, 1970; LACEY, 1995).

No caso da consultoria interna, nesta fase os consultores intercedem em favor do projeto de mudança junto a pessoas-chave (seja de forma particular ou promovendo reuniões e palestras) em busca de apoio. Lacey (1995) alerta que apresentar o projeto sem que ele tenha sido discutido com pessoas-chave da organização pode comprometer o seu sucesso, além de criar suscetibilidades políticas.

O fato do consultor interno não se envolver com os problemas organizacionais de forma temporária, com data de início e término (sem falar de sua presença constante na empresa), aumenta sua responsabilidade e o nível do seu envolvimento nas propostas por ele apresentadas, podendo comprometer a autonomia do sistema se o consultor não estiver atento a essa questão. Quando o interveniente decide unilateralmente, sem envolver os gerentes da empresa, o projeto apresentado não é percebido como sendo do grupo, gerando, conseqüentemente, um nível baixo de comprometimento e a ausência do sentimento de co- responsabilidade.

Huffington e Brunning (1994) alertam que numa ação de consultoria os clientes não devem atuar como destinatários passíveis, mas assumir completa responsabilidade pelas decisões e sua implementação. Lacey (1995, p. 80) acrescenta que na consultoria interna escolha livre e informada “é um luxo nem sempre concedido aos membros da organização”. Escolha livre e informada pressupõe o direito das pessoas participarem ou não do processo de mudança, mas essa possibilidade nem sempre é colocada para os funcionários. Assim, no intuito de conseguir o comprometimento interno das pessoas procura-se envolvê-las desde o início do processo, mesmo que para isso seja necessário o emprego de meios de colaboração, cooptação ou obrigação. Em outras palavras, o consultor interno se vê utilizando meios de manipulação.

Sobre a manipulação Argyris (1970) destaca que os custos desta tendem a ser altos em comparação aos benefícios que podem gerar, pois o consultor tende a gastar energia em: planejar a manipulação, de forma que esta não seja percebida pelos clientes; vender a manipulação como algo bom; controlar e neutralizar as resistências do cliente; e em lidar com o sentimento de perda de autoconfiança. Outro aspecto negativo é que a manipulação gera o comprometimento externo, não mais em função da natureza intrínseca do trabalho, mas em função de recompensas e de punições.

Uma forma de diminuir os custos da manipulação é o interveniente procurar fazer com que as pessoas compreendam a importância de alinharem suas relações à natureza das relações interpessoais eficazes. Não tendo sucesso, o interveniente deve assumir e admitir a necessidade da manipulação, perguntando ao grupo se ele vê alternativas. Em permanecendo a manipulação, esta deve ser feita em atividades e relações rotineiras e por um curto período (ARGYRIS, 1970).

Nesse caso, Argyris (1970) infere que o interveniente tem a responsabilidade de diminuir a necessidade de manipulação, assim como, tem a responsabilidade de, enquanto estiver manipulando, ajudar aos que estão sendo manipulados a explorar as razões e os impactos da manipulação. As pessoas devem ter abertura para expressarem o seu descontentamento com essa situação e de ninguém poderá ser exigido que se goste da manipulação. As pessoas devem estar livres para questionarem a manipulação, tanto quanto a própria competência do interveniente.

A fase de avaliação ocorre durante toda a ação, de forma que correções sejam possíveis, e ao final do processo, para monitorar em que medida a mudança foi realizada. No caso da consultoria externa a avaliação das atividades que apóiam a mudança raramente ocorre, visto que essas normalmente são realizadas após a saída do consultor.

Ao contrário do que ocorre na consultoria externa, “o consultor interno tem a vantagem de assistir o projeto de mudança tornar-se institucionalizado e assumir o papel no monitoramento das atividades que apóiam e asseguram o sucesso do projeto de mudança” (LACEY, 1995, p. 81). Kenton, Moody e Taylor (2003) destacam que na consultoria interna há um forte investimento nos resultados, o que não se observa na consultoria externa.

Outra diferença identificada por Lacey (1995) refere-se à avaliação do sucesso do trabalho de consultoria, enquanto o consultor externo tem como indicador de sucesso do seu trabalho o fato de conseguir novos contratos e a referência do cliente, o consultor interno leva em conta as oportunidades de gratificação e de promoção, embora o que ocorra mais comumente seja apenas a expressão da satisfação do cliente (sobretudo no âmbito da administração pública, em que as promoções são concedidas por preceitos legais e temporais). Hiebert e Olthuis (1995) lembram que os consultores internos devem ampliar sua perspectiva de sucesso. Nesse novo papel o seu sucesso deixa de ser algo pessoal e passa a ser o sucesso dos outros (clientes).

Na última fase da intervenção - a saída - a consultoria interna também apresenta diferenças significativas da consultoria externa. Kenton, Moody e Taylor (2003) inferem que a fase de saída é um desafio para o consultor interno. Enquanto que na consultoria externa o

tempo é determinado e custa caro, na consultoria interna o tempo é livre e o consultor acessível e disponível. Como normalmente constrói laços mais fortes, os consultores internos podem ter dificuldade de dizer “não” aos seus clientes (mesmo quando não se trata de questões estratégicas ou prioritárias, mas apenas de problemas operacionais) correndo o risco de se envolverem no trabalho de tal forma que se tornem mais um membro do grupo, dificultando sua disponibilidade para assumir outros projetos e a clareza quanto ao papel da consultoria interna (além de não contribuir para a autonomia do cliente, criando dependência e o risco dos clientes se sentirem vulneráveis com a saída do consultor).

Nesse caso o consultor interno pode ter dificuldade de ser percebido pelo cliente como um expert que pode ajudá-lo – tornando-se mais um membro da organização – de modo que os projetos estratégicos e mais desafiadores são destinados aos consultores externos. Contudo, afirmam Huffington e Brunning (1994), se a consultoria for bem-sucedida, a equipe desenvolve a competência que lhes permitirá prosseguir com o trabalho sem a presença do consultor, o que não o impede de monitorar e avaliar as ações.