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2 Referencial teórico

2.1 Conhecendo a dinâmica da consultoria interna

2.2.4 Quando a resistência decorre da falta de legitimidade do consultor

Para o consultor, ser percebido como legítimo vai contribuir para que o processo de mudança caminhe e caminhe com a colaboração dos clientes, uma vez que para o sucesso do processo é imprescindível o comprometimento do cliente e o compartilhamento de informações fidedignas e significativas de sua área. Contudo, esse não tem sido um aspecto fácil na relação consultor-cliente.

O crescimento do negócio das consultorias não só aumentou sua visibilidade e ampliou suas áreas de atuação, como abordado na introdução deste estudo (Seção 1.1), mas também chamou a atenção para a eficácia dos consultores, surgindo questionamentos em relação às soluções propostas e à conduta ética dos mesmos (DONADONE, 2003). Casos concretos mostraram que o investimento de tempo, energia e milhões de dólares em projetos de consultoria gerenciados por reputadas empresas de consultoria resultaram em fracasso (VASSALO, 1998; DONADONE, 2003, 2005; WOOD JR; PAULA, 2004a, 2004b).

Tudo isso contribuiu para disseminar a idéia (ainda bastante presente nos dias de hoje) de consultor como alguém não confiável, um criador de demandas (modas e modismos gerenciais), que inventa problemas a serem solucionados nas organizações e que está voltado apenas para os seus próprios interesses (financeiro, status) (ANONYMOUS, 1996; WOOD JR., CALDAS, 2005), que não aplica em sua própria empresa os ‘conselhos’ que vende (CALDAS et al, 1999; WEISS, 2003) e que se utiliza da retórica e do gerenciamento de impressões (verdadeiras estratégias de legitimação) para gerar um impacto positivo nos

clientes e convencê-los do sucesso dos resultados alcançados e dos benefícios do seu serviço, criando uma imagem de agente de mudanças de sucesso (WRIGHT; KITAY, 2002; WOOD JR; PAULA, 2004a, 2004b).

Fincham (1999) e Wright e Kitay (2002) afirmam que, diante da natureza intangível do conhecimento dos consultores e da dificuldade de mensurar o impacto na organização dos processos de mudança implantados, bem como para combater as críticas crescentes ao trabalho de consultoria, os consultores projetam imagens de sua expertise (mesmo que esta seja mais aparente que real) para se legitimar junto aos clientes.

Fincham (1999), ao analisar a relação consultor-cliente sob uma perspectiva crítica, identificou que os consultores se utilizam de estratégias persuasivas com o propósito de convencer os clientes do valor do seu conhecimento (na busca de legitimação e influência sobre os mesmos). Através da retórica e do gerenciamento de impressões os consultores procuram controlar a imagem que os clientes recebem da sua expertise (profissionais possuidores das habilidades e conhecimentos necessários à resolução dos seus problemas) e da qualidade dos seus serviços.

Essas críticas, aliadas à concorrência no setor, exigiram das empresas de consultoria maior preocupação com a implementação das soluções propostas e não apenas a venda de análises e idéias de mudanças (uma busca por resultados e não apenas por conselhos) (DONADONE, 2003, 2005).

No caso da consultoria interna, aliado a essa imagem que está no imaginário das pessoas ao se falar em consultoria, bem como às crescentes críticas sobre a legitimidade e o desempenho dos consultores, o fato de o mesmo ser um ‘santo de casa’ pode interferir na confiança e no reconhecimento da sua competência, numa intensidade bem maior do que a que os consultores externos sofrem, fazendo com que os clientes demorem a confiar nele e a reconhecer sua capacidade (BLOCK, 1991).

Kenton, Moody e Taylor (2003) esclarecem que ao contrário do que ocorre na consultoria externa, os papéis já desempenhados na organização pelos consultores internos influenciam na sua credibilidade e no seu acesso a determinados trabalhos. Fazer parte da organização pode dificultar a percepção do consultor interno como um expert e um profissional independente (ainda mais quando esta não é sua única e principal ocupação, mas uma função adicional): “eles têm que mostrar que são capazes de oferecer conselhos realmente objetivos”, afirma Armstrong (1997 apud KENTON; MOODY; TAYLOR, 2003, p. 12).

Eltz e Veit (1999, p. 63) afirmam que “a atribuição de poder [de realização] à consultoria está relacionada com o seu reconhecimento como fator de contribuição”. Acrescentam ainda que a ausência dessa delegação de poder pode neutralizar os esforços do consultor interno de ajudar o cliente, provocando o descrédito do consultor e invalidando a sua ação. Esclarecem, ainda, que a filosofia do trabalho do consultor interno deve ser norteada pelo princípio da autoridade, a partir do reconhecimento do cliente do benefício que a especialização e a ação do consultor trarão à sua área, e não do autoritarismo, com a imposição de ações que devem ser aceitas e adotadas pelo cliente.

Esse reconhecimento é importante em qualquer ação de intervenção. Para coordenar algum processo de mudança ou atuar como facilitador é necessário que o indivíduo responsável por tal tarefa seja percebido como legítimo. A legitimidade da sua atuação como consultor vai interferir no envolvimento das pessoas no processo de mudança, comprometendo a execução das ações e, conseqüentemente, a concretização dos resultados desejados.

Lacey (1995) compartilha com esse entendimento, inferindo que a força da relação com o cliente, e a sua viabilidade, está apoiada sob dois pilares: a confiança e a credibilidade construídas pelo consultor interno e a crença do cliente de que as ações implementadas assegurarão o seu sucesso.

A construção da confiança na relação consultor/cliente é um processo em permanente negociação onde os indivíduos vão se tornando acessíveis ao outro, em termos de percepção das intenções de cada um. À medida que a relação evolui e se aprofunda diminuem as precauções entre as partes e a confiança vai sendo construída. Estudos sobre a confiança entre consultor e cliente apontam como elementos definidores de confiança a transparência, a maturidade e auto-responsabilidade (capacidade de assumir os insucessos), a coragem em abordar situações dilemáticas, a solidariedade e benevolência (inclusive em situações pessoais) e a coerência entre o falar e o agir (ALMEIDA, 2007; ALMEIDA; FEITOSA, 2007).

A confiança não só contribui para a continuidade da relação consultor/cliente, como também permite que o consultor se envolva em projetos mais desafiadores e de maior importância para a organização. A confiança resulta em informações fidedignas, maior colaboração e uma menor necessidade de se proteger do outro, o que garante um foco maior no estudo do problema (MAISTER; GREEN; GALFORD, 2000).

Para que o consultor interno possa atuar de forma efetiva, no que se refere ao relacionamento com o cliente, Kelley (1979) aponta três condições: respeito,

confidencialidade e neutralidade. O respeito pelo consultor interno, assim como sua aceitação ou rejeição, tem relação direta com a percepção dos clientes em relação à valorização dada pelos seus superiores ao trabalho do consultor. Se a direção da unidade onde está sendo desenvolvido o trabalho (ou a alta direção da organização) questiona a credibilidade do consultor interno este não terá êxito com os gerentes intermediários. O comprometimento da alta gerência, esclarece Barnato (1990, p. 24) “é vital para o sucesso continuado de uma unidade de consultoria interna”. Huffington e Brunning (1994) acrescentam que a identificação de quem o autorizou ou o convidou a intervir é importante para a legitimação do consultor interno.

Quanto à questão da confidencialidade, o fato de ser funcionário da organização pode colocar o consultor em situações onde este se verá divido entre a responsabilidade com a empresa e com o cliente. Para proteger a imagem do consultor na organização Kelley (1979) sugere que seja acordado antecipadamente com a direção a confidencialidade do que for dito pelo cliente (a exemplo do que ocorre na consultoria externa), ou, na impossibilidade, que o cliente seja informado com antecedência.

Outro aspecto a ser perseguido pelo consultor interno é a neutralidade. O cliente espera que o consultor seja “justo, imparcial e desprovido de lealdade ou subserviência política” (KELLEY, 1979, p. 117).

Vários autores (GREEN, 2002; KENTON; MOODY; TAYLOR, 2003; MANCIA, 2004) chamam a atenção, para a necessidade de se preparar e informar a organização sobre a importância da consultoria interna e os benefícios para os usuários desse serviço. Propõem um trabalho de marketing interno que prepare as pessoas e a organização para utilizar os serviços da consultoria interna. Para tanto, é importante que estejam claros e bem definidos o modelo de consultoria a ser adotado na organização, sua posição na estrutura organizacional, sua missão, os papéis a serem desenvolvidos pelo consultor interno e um plano de ação a ser seguido

Argyris (1970) destaca também a importância da qualidade da relação com o cliente. As relações que o consultor interno mantém com o cliente devem ser autênticas e não parte de um jogo diplomático. Deve-se construir uma relação de confiança com o cliente. Essa confiança é importante para que o cliente se sinta a vontade tanto em pedir a ajuda do consultor interno como em aceitá-la, uma vez que saberá que essa relação será construída com base em valores e ética.

Ter uma conduta diferente daquilo que professa, ou ainda apresentar um comportamento que varia de acordo com a audiência, são sinais de uma consultoria ineficaz e

pode passar para o cliente a imagem de que o interveniente é inapto e não tem confiança em si mesmo (ARGYRIS; SCHÖN, 1974; GEBELEIN, 1989).

Argyris e Schön (1974, p. 23) defendem a importância da coerência entre a teoria proclamada e a teoria praticada (congruência) para uma ação eficaz. Isso se traduz não só em um comportamento correspondente à teoria proclamada, mas também à “expressão de sentimentos internos em ações”. A congruência mostra uma integração entre o estado interno do sujeito com o externo ao sujeito, assim tanto quem o conhece como quem o observa percebe essa integração entre o que ele diz (ou crê) e o que faz.

Esses autores chamam a atenção, ainda, para a importância de o profissional assumir responsabilidade por aquilo que faz, o que vai permitir a ele ter um desempenho coerente com os seus escrúpulos, independente da aprovação de outros. Esta é uma situação enfrentada constantemente pelos profissionais (uma verdadeira endemia, afirmam os autores): o confronto entre os seus valores e as demandas dos clientes. Diante desses conflitos os profissionais devem estar, pelo menos, conscientes sobre as conseqüências dos compromissos que assumem ou deixam de assumir, das escolhas que fazem ou deixam de fazer.

Outro fator que desempenha um importante papel no fortalecimento da credibilidade da consultoria é o curriculum dos consultores (NETZ, 1996; ELTZ; VEIT, 1999; VASSALLO, 1998; ORLICKAS, 1999; KIPPING 2002 apud WOOD JR; PAULA, 2004b), ou seja, seus conhecimentos, competências e experiência.

O consultor, por definição, é aquele que dá conselhos, para tanto, está implícito que ele deve saber mais sobre o assunto ao qual está tratando, saber pesquisar e achar respostas para os problemas, saber pensar sobre o assunto, relacionando fatos, criando novas teses e desenvolvendo novas e melhores formas de se fazer as mesmas coisas que os outros fazem (BASTOS, 1999). “É o acesso à competência e ao notório saber a razão mais freqüente para a contratação de consultoria. Contratar um consultor é promover uma ampliação na capacidade da empresa e torná-la mais apta para o sucesso” (IBCO, 2007).

Eltz e Veit (1999, p. 67) inferem que “a expectativa mínima do consultando é de que o apoio de que necessita seja proveniente de profissional detentor de conhecimentos e habilidades relativas à situação que se apresenta e que possa provê-lo de autoridade e inspiração durante a busca de evolução”.

Contudo, afirmam Kenton, Moody e Taylor (2003) nem sempre o cliente percebe no consultor interno um profissional atualizado como normalmente são os consultores externos, gerando no cliente a falta de confiança e no consultor interno o sentimento de frustração, por não ser percebido como capaz de oferecer um trabalho tão bom, às vezes até melhor, que o do

consultor externo.

Quando está se falando de consultoria interna no setor público a questão da legitimação do consultor interno é também destacada como um fator que não pode ser ignorado para que a ação do consultor seja eficaz e efetiva. Os estudos de Huffington e Brunning (1994, p. 160) mostram a importância da legitimação do consultor interno, para que este não seja visto como “um par de mãos extra”, ou seja, como mais um membro do grupo, mas que esteja claro o seu papel diferenciado na organização.

Huffington e Brunning (1994, p. xiv) salientam que a autonomia e a neutralidade do consultor interno podem sim, ser negociadas, e que em relação ao poder limitado desse profissional, “aqueles que realmente compreendem as dinâmicas do sistema usam não o seu próprio poder, mas os campos de força do próprio sistema”.

Acrescentam ainda, que, por ser servidor público e, portanto, compreender os dilemas e especificidades desse setor, isso pode contribuir para gerar maior confiança e credibilidade perante os clientes.

Assim, para que o cliente atribua legitimidade ao consultor interno, este terá que atender às suas expectativas em relação à(o): respeito da alta direção, confidencialidade, neutralidade, expertise integridade, ética e competência. A legitimação do consultor integra, portanto, não só os aspectos objetivos dessa atividade (conhecimentos, estruturação da atividade na organização, etc.) como os aspectos subjetivos (maneira de ser do consultor, integridade, congruência, ética, etc.).

2.3 Síntese dos conceitos a serem utilizados na discussão