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4.3 COMPORTAMENTO INFORMACIONAL E CULTURA INFORMACIONAL

4.4.4 A crise do amor romântico

4.4.4.1 Amor líquido

comparative philosophy. Org. Joel Marks e Robert T. Ames, com uma discussão de Robert C. Solomon. Nova York: State University of New York Press, 1995.

Em entendimento similar ao de Costa (1997) sobre a crise do amor romântico em um tempo de sensações e não de sentimentos nos relacionamentos amorosos, Bauman (2004) discute o amor na atualidade, o que para ele seria o amor líquido. Para o autor, o amor líquido é aquele prevalecente na contemporaneidade, época na qual tudo é volátil e não tangível (líquido), quando o relacionamento amoroso ―é o assunto mais quente do momento‖, mas ao mesmo tempo os indivíduos não estão dispostos a investir em uma relação, caso não vejam nela benefícios e satisfações e/ou percebam que tais benefícios são custosos. Esse momento se dá, pois, atualmente, os indivíduos desejam ―desfrutar das doces delícias de um relacionamento evitando, simultaneamente, seus momentos mais amargos e penosos‖ (BAUMAN, 2004, p. 9).

O resultado dessa realidade, de acordo com Bauman, se dá nos dois principais aspectos da prática do amor líquido: a) distância entre o que se fala e o que se faz, pois os indivíduos fazem do amor um dos temas mais ambivalentes de seu dia-a-dia, por preocuparem-se com uma coisa e fazerem outra, deixando a dúvida de se ―estão mesmo procurando relacionamentos duradouros, como dizem, ou seu maior desejo é que eles sejam leves e frouxos?‖ (BAUMAN, 2004, p. 11); e b) compensação dos problemas advindos do relacionamento amoroso no aumento da busca pelas satisfações proporcionadas pelo amor, visto que sem encontrar apenas prazeres no amor – as qualidades – e não querendo lidar com os problemas naturais de um relacionamento, muito menos torná-lo eterno devido a tais problemas – os defeitos – os indivíduos reagem priorizando viver os prazeres do amor com vários parceiros, rompendo o relacionamento com tais parceiros sem culpa, assim que os problemas surgirem, pois ―quando se é traído pela qualidade, tende-se a buscar a desforra na quantidade‖ (BAUMAN, 2004, p. 13), levando as pessoas a crerem também que, mediante a súbita abundância e disponibilidade de experiências amorosas, a prática e a frequência nas relações as ensinariam a amar.

Bauman (2004) considera que a consciência contemporânea de que o amor não trará apenas felicidade e nem garantirá a satisfação de todos os desejos do homem fez com que as pessoas não vissem valor em esforçar-se tanto para que apenas alguns alcançassem o status daquele acontecimento único chamado amor

Afinal, a definição romântica do amor como ‗até que a morte nos separe‘ está decididamente fora de moda, tendo deixado para trás seu tempo de vida útil em função da radical alteração das estruturas de parentesco às quais costumava servir e de onde extraía seu vigor e sua valorização. Mas o desaparecimento dessa noção significa, inevitavelmente, a facilitação dos testes pelos quais uma experiência deve passar para ser chamada de ‗amor‘. Em vez de haver mais pessoas atingindo mais vezes os elevados padrões do amor, esses padrões foram baixados. Como resultado, o conjunto de experiências às quais nos referimos com a palavra amor expandiu-se muito. Noites avulsas de sexo são referidas pelo codinome de ‗fazer amor‘ (BAUMAN, 2004 , p. 19).

Outro ponto destacado pelo autor sobre a prática e discussão contemporâneas do amor é a confusão de que amar seria amar a si mesmo e não amar ao outro, no que Bauman (2004, p. 99) sintetiza: ―amar o próximo pode não ser um produto básico do instinto de sobrevivência – mas também não é o amor-próprio, tomado como modelo do amor ao próximo‖, e completa que para se ter amor-próprio é preciso ser amado, pois

a recusa do amor – a negação do status de objeto digno do amor – alimenta a auto- aversão. O amor-próprio é constituído a partir do amor que nos é oferecido por outros. Se na sua construção forem usados substitutos, eles devem parecer cópias, embora fraudulentas, desse amor. Outros devem nos amar primeiro para que comecemos a amar a nós mesmos (BAUMAN, 2004, p. 100).

Diante disso, Bauman (2004, p. 182) sintetiza a preocupação social contemporânea com o amor recorrendo a uma piada irlandesa segundo a qual quando ―um motorista pergunta ao transeunte ‗como se vai daqui para Dublin‘, este lhe responde: ‗Se eu quisesse ir para Dublin, não partiria daqui‘‖, sugerindo, de modo talvez pessimista, que assim pode ser o relacionamento atual das pessoas com o amor, se elas quisessem saber como amar de um modo diferente do que o líquido modo de amar contemporâneo, não estariam amando como estão.

4.4.4.2 Poliamor

De acordo com Lins (2007), o amor romântico é marcado pela impossibilidade de ser realizado e pela idealização do outro, sendo que apesar de a idéia de fusão pregada por tal amor ser vista por muitos como a cura para a natural sensação de desamparo do homem, o amor romântico, no início do século XXI começa a sair de cena, por chocar-se com as diversas opções de vida e com a vontade de liberdade dos indivíduos, por vezes mais importante a eles do que a idéia de estabilidade nas relações amorosas. Com isso vive-se, desde a primeira década do século XXI, um período de grandes transformações no mundo referentes ao amor, pois ―o dilema atual parece se situar entre o desejo de simbiose com o parceiro e o desejo de liberdade‖ (LINS, 2007, p. 389).

Abordando a busca atual por um amor mais libertário, sem ilusões, exclusividade e a idéia de que o parceiro deverá suprir todas as carências do indivíduo, a autora destaca a existência de um movimento recente, provavelmente organizado nos últimos 20 anos nos Estados Unidos, chamado poliamor e que defende a idéia de que ―uma pessoa pode amar seu parceiro fixo e amar também as pessoas com quem tem relacionamentos extraconjugais, ou até mesmo ter relacionamentos amorosos múltiplos em que há sentimento de amor recíproco entre todos os envolvidas [sic]‖ (LINS, 2007, p. 401). Assim, a

autora adverte que o poliamor é uma escolha assim como também é a monogamia, não sendo, portanto, uma solução a problemas de relacionamento, pois o poliamor traz tantos ou mais desafios do que o amor romântico.

Sintetizando a discussão do poliamor, Lins (2007) elenca as crenças gerais dos poliamoristas:

 Os poliamoristas dizem que sua filosofia nada mais é do que aceitação direta e a celebração da realidade da natureza humana.

 Os poliamoristas dizem que o sexo não é o inimigo, que o real inimigo é a quebra e a traição de confiança resultante da tentativa de reprimir nosso ser natural em um sistema social rígido e antinatural.

 Os poliamoristas dizem que o sexo é uma força positiva se aplicada com honestidade, responsabilidade e verdade.

 Os poliamoristas não têm de atender a todas as necessidades de cada parceiro; eles devem ajudar. Se sua esposa ama ópera e você não gosta, talvez algum de seus amantes apreciará levá-la à ópera. Se ele for também um mago da informática e ajudar a consertar seu computador quando ele não funciona direito, você é uma pessoa de sorte.

 Os poliamoristas dizem que o amor é um recurso infinito, e não finito. Ninguém duvida de que você possa amar mais de um filho. Isso também se aplica aos amigos – quando você encontra um novo amigo, não precisa se preocupar com quem terá de descartar para colocá-lo no lugar.

 Os poliamoristas dizem que o ciúme não é inato, inevitável e impossível de superar. Mas eles lidam com o ciúme usualmente de forma bem-sucedida. Há um novo termo para o oposto do ciúme: ‗compersion‘ (sem tradução para o português ainda, talvez possa ser traduzido como algo perto de ―comprazer‖). ―Compersion‖ é o sentimento de contentamento que advém do conhecimento de que uma pessoa que você ama é amada por mais alguém.

 Os poliamoristas dizem que o amor deve ser incondicional, no lugar da proposição monogâmica de que ‗Eu irei amar você sob a condição de que você não amará mais ninguém‘, ‗Desista de todos os outros‘, como usualmente é colocado. E, conforme demonstrado pela história, o casamento monogâmico não dá nenhuma garantia de que uma pessoa não amará mais ninguém ao longo da vida.

 Os poliamoristas acreditam em um investimento emocional de longo prazo em relacionamentos; assim como esse objetivo nem sempre é alcançado no poliamor, ele também nem sempre é alcançado na monogamia.

 Os poliamoristas acreditam que eles representam os verdadeiros ‗valores familiares‘. Eles têm a coragem de viver um estilo de vida alternativo que, embora condenado pela sociedade, é satisfatório e recompensador para eles (LINS, 2007, p. 407-408).

Com isso, a autora diz que o poliamor é uma das possibilidades de amor, pois ―cada pessoa deve ter o direito de escolher a que mais se adapta às suas necessidades e características de personalidade‖ (LINS, 2007, p. 411).

Compreendida a forma de amar do homem ocidental contemporâneo, o ideal do amor romântico, mas a prática do amor líquido, bem como o surgimento de novas formas de amar como o poliamor, faz-se importante entender como o amor, caracterizado como invenção cultural, é transportado para a cultura na atualidade.