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4.2 REDES SOCIAIS VIRTUAIS

4.2.2 Redes sociais virtuais

4.2.2.5 Sites voltados à formação de redes sociais virtuais

4.2.2.5.2 Comunidade e comunidade-cabide

De acordo com Bauman (2003, p. 7-8), a palavra comunidade guarda consigo a sensação que remete a um lugar cálido, confortável e aconchegante, um espaço onde todos os membros se entenderiam bem, as discussões, se houvessem, seriam sempre amigáveis e com o objetivo de melhorar a vida em comum, pois a comunidade seria o local para se contar com a boa vontade dos outros, sendo o único dever de seus participantes o de ajuda mútua. Assim, segundo o autor, a contemporaneidade de competição e desprezo pelos mais fracos, propiciados por uma sociedade que reza que cada um deve ser capaz de solucionar seus problemas por conta própria, torna a idéia de comunidade ainda mais atrativa.

No entanto, para Bauman (2003), a comunidade anteriormente descrita, a comunidade de nossos sonhos, é um mundo que não está ao alcance do indivíduo, mas no qual ele anseia por viver e possuir. O autor observa que tal comunidade de nossos sonhos não existe devido à diferença entre essa comunidade e a comunidade realmente existente, que seria a comunidade encarnada, um tipo de comunidade intermediária entre a sonhada e a real e marcada por uma coletividade que exige lealdade incondicional, tratando tudo o que não se comprometer com tal lealdade como uma traição imperdoável.

De acordo com Tönnies (1963)72 apud Bauman (2003, p. 15-17), a tradicional concepção de comunidade considera-a como baseada em um entendimento precedente, natural e tácito compartilhado por todos os seus membros, enquanto as comunidades contemporâneas, em sua maioria são construídas artificialmente. Para Bauman (2003, p. 36-39), a construção artificial do entendimento comum é marcada e resultante por duas tendências que acompanham o capitalismo contemporâneo durante toda sua história: a) o esforço consistente de substituir o entendimento natural da comunidade tradicional (ou de outrora) – consistente no ritmo, regulado pela natureza, da lavoura, e a rotina regulada pela tradução, da vida do artesão – por uma rotina artificialmente planejada, imposta e monitorada, cujo ponto alto é a idéia de organização científica do trabalho, proposta pelo engenheiro mecânico estadounidense Frederick Taylor; b) a tentativa, menos consistente, de ressuscitar o sentido de comunidade associando o sucesso industrial à idéia de sentir-se bem, criando uma atmosfera amigável entre os trabalhadores, iniciada na década de 1930 pelo sociólogo industrial australiano Elton Mayo.

Ao analisar a potencialização da artificialidade das comunidades contemporâneas, Bauman (2003) aponta um novo marco sem precedentes:

O golpe mortal na ‗naturalidade‘ do entendimento comunitário foi desferido, porém, pelo advento da informática: a emancipação do fluxo de informação proveniente do

transporte dos corpos. A partir do momento em que a informação passa a viajar independentemente de seus portadores, e numa velocidade muito além da capacidade dos meios mais avançados de transporte (como no tipo de sociedade que todos habitamos nos dias de hoje), a fronteira entre o ‗dentro‘ e o ‗fora‘ não pode mais ser estabelecida e muito menos mantida.

De agora em diante, toda homogeneidade deve ser ‗pinçada‘ de uma massa confusa e variada por via de seleção, separação e exclusão; toda unidade precisa ser construída; o acordo ‗artificialmente produzido‘ é a única forma disponível de unidade. O entendimento comum só pode ser uma realização alcançada (se for) ao fim de longa e tortuosa argumentação e persuasão, e em competição com um número indefinido de outras potencialidades (BAUMAN, 2003, p. 18-19).

O resultado dessa mudança, para Bauman (2003, p. 19), é que com a artificialidade do entendimento comum que cria as comunidades contemporâneas, mesmo que se alcance uma comunidade de entendimento comum, ela precisará ser constantemente vigiada, reforçada e defendida para manter tal entendimento comum.

Bauman (2003, p. 59) observa que na contemporaneidade, um mundo em que tudo pode ser feito e refeito, o mundo da elite global dos negócios e da indústria cultural, há pouco espaço para todos os indivíduos encontrarem motivos para se comprometer com a realização da comunidade dos sonhos e seu consequente compromisso de ajuda ao outro, pois em relação à elite há pouco que possam ganhar com a bem-tecida rede de obrigações comunitárias, e muito que perder se forem capturados por ela (BAUMAN, 2003, p. 56). O resultado é que os indivíduos, segundo o autor, são incentivados e/ou forçados a resolverem por contra própria seus conflitos, restando a eles apenas a comunidade realmente existente, que oferece algum tipo de conforto derivado do fato de ―saber que não estamos sós e que nossas aspirações pessoais são compartilhadas por outros‖ (BAUMAN, 2003, p. 60).

Com isso, em tempos tanto de desvalorização das opiniões locais quanto do lento desaparecimento dos líderes locais de opinião, Bauman (2003, p. 61) diz que se emergem duas autoridades: a autoridade dos experts em determinados assuntos, aqueles que sabem, resultando em um mercado natural para o aconselhamento; e a autoridade do número, a esperança de que quanto maior seja o número de participantes de uma comunidade menor seja a chance de que tal comunidade esteja errada. O autor ressalta que a comunidade contemporânea é similar à idéia de comunidade estética de Kant73, sendo que, tal comunidade

deve ser tão fácil de decompor como foi fácil de construir. Deve ser e permanecer flexível, nunca ultrapassando o nível ‗até nova ordem‘ e ‗enquanto for satisfatório‘. Sua criação e desmatelamento devem ser determinados pelas escolhas feitas pelo que as compõem – por suas decisões de firmar ou retirar seus compromissos. Em nenhum caso deve o compromisso, uma vez declarado, ser irrevogável: o vínculo constituído pelas escolhas jamais deve prejudicar, e muito menos impedir, escolhas adicionais e diferentes. O vínculo procurado não deve ser vinculante para seus fundadores (BAUMAN, 2003, p. 62).

73 Bauman (2003, p. 62) não referencia a obra precisa de Kant à qual se refere apenas cita ―Crítica do juízo: a

comunidade estética‖, entretanto, acredita-se tratar-se de alguma edição de KANT, Immanuel. Crítica do juízo. São Paulo: Abril Cultural, 1980.

Nesse contexto, Bauman (2003, p. 66-68) diz que dentre as várias modalidades de comunidades estéticas existem aquelas formadas em torno de problemas enfrentados pelos indivíduos em seu dia-a-dia e nas quais eles podem compartilhar tais problemas. Para o autor, essas comunidades são as comunidades-cabide, que: ganham vida pela duração dos encontros, se dissolvendo novamente ao assegurar ao indivíduo que enfrentar os problemas individuais individualmente é certo e possível; são formadas por laços descartáveis e poucos duradouros, laços experimentados no ato e não consumidos na rotina diária, pois podem ser desmanchados sem inconvenientes.

No entanto, o conforto proporcionado pelas comunidades-cabide – apesar de os indivíduos desejarem comunidades éticas de compromissos, laços e obrigações inabaláveis, e não comunidades estéticas como as comunidades-cabide – são a garantia de certeza, segurança e proteção, qualidades que mais lhes faltam e que não podem ser obtidas sem a coletividade, frisa Bauman (2003, p. 68). O autor conclui que as comunidades contemporâneas ganham força, pois os indivíduos precisam controlar as condições sob as quais enfrentam desafios, o que raramente pode ser obtido quando isolado.

Sobre as referidas comunidades-cabide, o autor observa que na atualidade a identidade é tida como a substituta da comunidade, pois busca-se singularidade, o que divide e separa as pessoas, mas a vulnerabilidade das identidades individuais somada à precariedade da construção solitária da identidade, leva os que buscam a construção da identidade a procurar espécies de cabides nos quais possam, coletivamente, pendurar medos e ansiedades e depois exorcizá-los ao compartilhá-los com outros indivíduos na mesma situação, as comunidades-cabide, ―um seguro coletivo contra incertezas individualmente enfrentadas; mas sem dúvida marcar ombro a ombro ao longo de uma ou duas ruas, montar barricadas na companhia de outros ou roçar os cotovelos em trincheiras lotadas, isso pode fornecer um momento de alívio da solidão‖ (BAUMAN, 2003, p. 21).