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A crise do progresso (de 1930 a aproximadamente 1980)

No documento Historia e Memoria Jacques Le Goff (páginas 141-151)

PROGRESSO/REAÇÃO

4. A crise do progresso (de 1930 a aproximadamente 1980)

Apesar dos assaltos da reação e das dúvidas, sobretudo a partir de 1890, sobre o valor da ideologia do progresso, apesar do choque da Guerra de 1914-18, o progresso é um valor largamente reconhecido em 1920 no Ocidente quando Bury publica o seu livro The Idea of Progress -An Inquiry into its Origin and Growth. Aí define a idéia de progresso como "o ídolo do século", a idéia que impera e regula a idéia de civilização ocidental; lembra que a expressão 'civilização e progresso' se tornou um lugar-comum e que se encontram a todo o momento os pares 'liberdade e progresso', 'democracia e progresso'. Sublinha o papel preponderante desempenhado pela França no desenvolvimento desta idéia. Lembra também oportunamente os principais componentes da ideologia do progresso. É, antes de mais nada, "uma teoria que engloba uma síntese do passado e uma profecia do futuro". É, em seguida, uma interpretação da história que considera que os homens avançam mais ou menos depressa, mas em geral bastante lentamente, numa direção definida e desejável (implica pois como finalidade a felicidade) e supõe a indefinida continuação desse progresso.

Esta evolução assim valorizada repousa na natureza psíquica e social do homem e não deve estar à mercê de uma vontade exterior, excluindo portanto a intervenção de uma providência divina.

Finalmente, esta idéia requer que o homem tenha muito tempo à sua frente, que o fim do mundo não esteja próximo. Ora, a astrofísica assegura ao nosso universo inúmeras miríades de anos.

Todavia, em 1920 a ideologia do progresso foi objeto de numerosas críticas e levantou muitas dúvidas: "A geração de 1890 não tinha o sentido do progresso técnico e industrial, nem o das possibilidades que se abriam ao homem graças a esse progresso. A sua concepção do mundo estava longe de ser otimista e, embora tendo um sentido agudo da miséria e da exploração, tinha muitas vezes a tentação de as tomar responsáveis pelas iniqüidades da ordem social e do desenvolvimento industrial" [Sternhell, 1972, p. 64].

Sem dúvida que esta crítica era muitas vezes ambígua e confusa. É o caso de Georges Sorel [1908] nas

Illusions dá progrès, que pertence a uma época em que é ainda marxista e cuja crítica parte de uma concepção

segundo a qual a ideologia do progresso é uma ideologia burguesa: "A teoria do progresso foi recebida como um dogma, na época em que a burguesia era a classe dominante; devemos, portanto, olhá-la como sendo uma doutrina da burguesia" (p. 6) Sorel entrega-se então a unia viva crítica das ideologias do progresso, nos séculos XVIII e XIX, em particular de Turgot, que tinha querido "substituir o dogma teocrático por uma teoria do progresso que estivesse em relação com as aspirações da burguesia esclarecida do seu tempo", Condorcet e, no século XIX, os seguidores de uma concepção ainda mais degenerada do progresso, a concepção organicista que conduz, por exemplo, "à necessidade da democracia no futuro" segundo um processo orgânico. Estranhamente – mas Le Play fez outro tanto – vê um partidário desta teoria organicista do progresso em Tocqueville que na Démocratie en Amérique [1835-40] escrevia que os homens deviam "reconhecer que o desenvolvimento gradual e progressivo da igualdade representa, ao mesmo tempo, o passado e o futuro da sua história" (p. 245)

Sorel é levado pela sua crítica da idéia de progresso ao elitismo e ao antiintelectualismo ("a experiência mostra que os filósofos, ao contrário de ultrapassarem as pessoas simples e lhes mostrarem o caminho, estão quase sempre atrasados em relação ao público" [1908, p. 202] e à crítica da democracia. Convertido ao irracionalismo, sob a

influência de Bergson, hesitará no fim da sua vida (morreu em 1922) entre Maurras, que lhe abre os braços, e Lenine, que o considera "trapalhão".

A crítica da idéia de progresso, como bem o mostrou Sternhell [1978], aproxima, depois de 1890, a extrema- direita "revolucionária" e a extrema-esquerda "antidemocrática". Este elemento é importante na preparação ideológica do fascismo.

No entanto, os defensores do progresso procuravam justificar a sua fé pelo recurso a novos métodos científicos e a moderá-la tendo em conta as críticas e as dúvidas que se manifestaram a seu respeito. Um caso típico é fornecido pela obra de um italiano, Alfredo Niceforo, que reuniu a competência de jurista, de estatístico e de antropólogo. Nos

Indices numériques de la civilisation et du progrès, de novo reunidos numa aproximação significativa, dá uma

acepção muito ampla à palavra 'civilização': "O conjunto dos fatos da vida material, intelectual e moral de um grupo de população e a sua organização política e social". Substitui assim "a idéia unilateral de otimismo de civilização... pela idéia de relatividade da civilização: cada grupo de população, ou cada época, tem a sua civilização" [1921, p. 31]. Niceforo tenta então medir a superioridade e o progresso de uma civilização apoiado em diversos sintomas: a criminalidade, a mortalidade, a difusão da cultura, o nível de vida intelectual, o grau de altruísmo. Supondo que se possa chegar a resultados satisfatórios, o que não é o caso, faltava um último critério muito importante, o sentimento de felicidade da sociedade. Ora, "quaisquer que sejam os inegáveis melhoramentos de que goza uma sociedade, os indivíduos não vêem nem se apercebem de forma alguma que tais melhoramentos sejam um motivo para se sentirem mais felizes" [ibid., p. 205].

A conclusão de Niceforo não é "muito otimista'j resigna-se "a declarar insolúvel uma grande parte dos problemas que examinamos, ou a tentar simplificá-los... é necessário contentar-se em "medir" o progresso material e o progresso intelectual nas suas formas mais simples, lembrando ao mesmo tempo que há muitas vezes oposição entre a melhoria e a superioridade das atuais condições de vida dos indivíduos e o destino da sociedade futura" [ibid., pp. 204- 5].

Assim, o problema de uma medição quantitativa parcial do progresso é pelo menos colocado em relação a segmentos de progresso, à falta de um movimento geral e contínuo de progresso.

A Primeira Guerra Mundial abalou a crença no progresso sem a fazer desaparecer, pois o mito da "última vez" restaurou um certo otimismo. Uma primeira série de fatos trouxe entre 1929 e 1939 novos golpes à ideologia do progresso. A crise de 1929 pôs fim em primeiro lugar ao mito da prosperidade atingindo sobretudo o país que estava transformando-se em modelo de progresso econômico, social e político: os Estados Unidos; seguida da evolução de dois modelos de sociedade: a sociedade soviética, as sociedades italiana e alemã. A Revolução Russa de 1917 apareceu a muitos como o relançar das esperanças que a Revolução Francesa de 1789 fizera nascer. Os testemunhos de viajantes regressados da União Soviética, como o Retour d URSS de Gide (1936), e os rumores sobre os processos estalinistas fizeram esmorecer os ânimos. À direita, a evolução do fascismo italiano e do nazismo alemão engendravam inquietações paralelas. Finalmente, a guerra da Etiópia, a guerra da Espanha, a guerra sino japonesa apareceram cada vez mais claramente como o prelúdio de uma nova conflagração mundial.

É necessário colocar aqui – sumariamente – o problema das relações entre fascismo e nazismo, de um lado, progresso e reação, do outro. Defendeu-se, por um lado, que estes regimes eram as formas mais acabadas da reação e, por outro, que eles constituíram o preço pago pela modernização da Itália e da Alemanha. Encontra-se certamente aqui em escala nacional as ambigüidades da crítica do progresso à qual se entregaram na França, por exemplo depois de 1890, a extrema-direita reacionária e a extrema-esquerda antidemocrática.

Efetivamente, desembaraçado do fino verniz modernista e do verbalismo pseudo-revolucionário, o fascismo aparece claramente como um "pensamento eminentemente reacionário" [Milza e Bernstein, 1980, p. 290]. Ninguém o exprimiu melhor que Malaparte na Técnica do golpe de Estado (1931): "A revolução fascista é um processo de revisão total dos valores civis, culturais, políticos e espirituais, uma crítica objetiva e radical da forma atual de vida

civil, e tudo o que é moderno. O objetivo final da revolução fascista é a restauração da nossa civilização natural e histórica, degradada pela subida triunfante da barbárie da vida moderna". E como o observam bem Milza e Bernstein, o título da revista fascista de Nino Maccari, publicada a partir de 1924, "Il Selvaggio", exprime perfeitamente "a sua recusa da sociedade industrial e de todos os modernismos ideológicos e culturais" [ibid., p. 241].

No que diz respeito à Alemanha nazi, na base dos primeiros resultados de um estudo quantitativo, Matzerath e Volkmann [19r771 esvaziaram a teoria da modernização: "No início, os Alemães viveram uma revolta dos valores tradicionais contra a modernidade; o programa nazi forneceu-lhes satisfações afetivas recusando toda a análise séria das causas da crise e transferindo-as para o plano pessoal e moral. Chegado ao poder, não podia efetuar nem uma política verdadeiramente moderna, nem uma política conservadora; foi-lhe necessário encontrar um terceiro tipo de legitimidade, que foi a fixação sobre adversários internos e externos Estes efeitos da modernização não foram senão indiretos e involuntários" [Aygoberry, 1979, p. 300].

Em 1936, Georges Friedmann, então marxista, publica La crise du progrès. Analisa em primeiro lugar a segunda revolução industrial, dominada pela energia elétrica. Lembra em seguida "algumas evidências do progresso", das quais as principais são os progressos técnicos e os progressos da biologia e da medicina. É também otimista quanto à "crença no progresso democrático", mas rejeitava as "dissonâncias" dos intelectuais que, a partir de 1890 aproximadamente, atacaram a ideologia do progresso, como Renan, que renega as idéias de juventude, e Renouvier, também com filiação no saint-simonismo,que declarava que a verdadeira bancarrota é a da doutrina do progresso, mas sobretudo como Bergson e Péguy, cujo prestígio literário mascarava a pobreza e os perigos da crítica da ciência e do antiintelectualismo. Friedmann volta em seguida a atenção para duas vertentes da sua época, antes e depois de 1929. Antes, analisava sem ternura as conseqüências das teorias e das práticas de "dois grandes doutrinários do progresso': os americanos Taylor e Ford. É uma "racionalização" da produção que deve salvaguardar o progresso industrial, "não o progresso social, que pelo contrário lhe é sacrificado. A racionalização deve permitir prolongar a hegemonia de uma classe prolonga contra as ameaças do socialismo" [1936, p. 128] Depois de 1929 vem o afundamento, o fim da prosperidade, e crise industrial segue depressa a crise financeira. Donde a manifestação de perigosas reações: a desvalorização da razão e da ciência, a ressurreição do espiritualismo, as utopias tecnológicas (prelúdio à tecnocracia), as utopias artesanais (prelúdio ao poujadismo e ao qualunquismo) o pessimismo antiprogressista dos biólogos como Charles Nicolle e Alexis Carrel. Para Nicolle, por exemplo, o progresso, aquilo a que chamamos progresso, é um rio que arrasta as suas margens: o homem não progride. Em conclusão, Friedmann, depois de ter repetido lucidamente que as idéias de progresso humano estão hoje "gravemente atingidas", acabou por ignorar a sua fé marxista, um pouco ingênua, na idéia de progresso. O pós-guerra de 1939-45 traria novos golpes à ideologia do progresso? Os progressos da informação irão pouco a pouco trazer informações desnorteantes sobres campos nazis; depois, mais tarde, sobre o

goulag soviético, a prática da tortura, não só pela polícia de numerosos países da Ásia, da África e da América Latina,

mas também pelo exército francês – com o aval de altas autoridades civis e militares – durante a guerra da Argélia. Como acreditar, depois disto, no progresso moral, nesse "progresso do altruísmo" de que falava Niceforo?

A guerra tinha legado ao mundo em paz uma novidade assustadora: a bomba atômica. Como confiar, nestas condições, nos astrofísicos? O que Deus nunca faria, o que a Natureza não faria, o homem tornava-se capaz de o fazer: pôr fim à humanidade, ou a sua maior parte nos países mais "civilizados". Contudo, notáveis progressos contrabalançavam estas inquietações)

O progresso econômico e tecnológico avançava extraordinariamente. Os progressos espetaculares da medicina, da higiene e, de uma forma mais geral, da saúde, nomeadamente da difusão do uso da vacina e dos antibióticos, reforçava uma expansão demográfica excepcional. Esse progresso material tinha o apoio das opiniões da esquerda e da direita liberal que eram os seus adeptos tradicionais. Mais curiosamente, como bem o escreveu Philippe Ariès, "essa disposição para acreditar nas virtudes do progresso, combinada com o naturalismo, dava vida a um novo tipo de direita... Chamar-lhe-ei o nacional progressismo. Os mais reacionários, os mais aparentemente tradicionalistas,

recomendavam uma industrialização rápida e maciça, "o imperativo industrial", como o único meio de que a França dispunha para compensar a perda da hegemonia colonial e evitar o socialismo [1980, p. 116].

O progresso técnico era considerado como a base de uma prosperidade excepcional, essencialmente econômica que arrastava o desenvolvimento do setor das atividades terciárias não produtivas. Foi esta a tese do inglês Colin Clark em The Conditions of Economic Progress (1940), do francês Jean Fourastié em Le Grand Espoir du XXe

siècle (1949), Machinisme et bienêtre (1950), e ainda muito recentemente em Les Trente Glorieuses (1979), onde

sublinha que os anos 1945-75 foram, sobretudo para a França, "um período durante o qual houve como que um crescimento quantitativo cuja taxa ultrapassa de longe o dos períodos precedentes". Fourastié entende, portanto, que a grande esperança do século XX se realizou e não prevê decadência fatal. Quando muito, julga que a taxa de crescimento de 1945-75 "vai ultrapassar todos os períodos futuros" e que "já não se pode, infelizmente, pensar em progressos tão rápidos como no passado", Permanece um firme partidário do progresso econômico que é um dado de fato. Numa entrevista publicada na "Histoire-Magazine", em maio de 1980, declara: "Estamos hoje um pouco desiludidos quanto ao progresso econômico, apenas considerando muitas vezes os seus limites: o frenesi, a mecanização, a poluição. É porque somos ricos que podemos levantar estas questões".

Raymond Aron é mais sutil. Em Les désillusions du progrès. Essai sur la dialectique de la modernité lembra em primeiro lugar que o progresso não se reduz ao progresso científico-tecnológico, mesmo que este tenha um vasto campo de aplicação: "O progresso científico-técnico interessa... a todas as características pelas quais, ao longo dos séculos, a humanidade do homem foi definida: palavra e comunicação, instrumentos e domínio do meio natural, conhecimento ou razão. Por isso, a história da humanidade não se reduz ao progresso da ciência" [1969, p. 282]. Crê também reconhecer as desilusões no plano de três valores imanentes à modernidade: a igualdade, a personalidade, a universalidade [Pergunta finalmente se o progresso científico e técnico não é ou não foi mais que um momento histórico: "Animal ético, religioso, artista, jogador, o homem social nunca teve, antes da nossa época, como objetivo consciente adquirir o domínio sobre o meio" e registra os primeiros sintomas de um retorno a Rousseau. Entre 1945 e 1975 é o progresso econômico que se torna a linha de força da ideologia do progresso, mas o termo 'progresso' cede muitas vezes lugar ao termo 'crescimento'. Certos economistas adquiriram uma noção estreita do progresso. Outros distinguiram o crescimento do desenvolvimento). J. D. Gould [1972], por exemplo, lembra que o crescimento é o aumento durável do rendimento real 'per capita', enquanto que desenvolvimento inclui a "diversificação da estrutura econômica que se afasta da atividade primária para os setores industrial e de serviços, talvez também por um processo de substituição de importações e de uma redução da dependência em relação ao comércio internacional" (pp. 1-4). Não há verdadeiro progresso – mesmo econômico – se não houver crescimento e desenvolvimento.

Depois de 1945, a grande novidade, na perspectiva do progresso, foi o despertar do Terceiro Mundo e o seu acesso progressivo à independência. Este fenômeno conduziu à desocidentalização da idéia de progresso e ao suscitar de esforços em favor do desenvolvimento [cf. Bairoch, 1963; Sachs, 1977].

Os economistas do Terceiro Mundo criticaram muitas vezes a concepção do subdesenvolvimento e do desenvolvimento que os ocidentais aplicam ou querem aplicar ao Terceiro Mundo e que permanece um modelo ocidental. Por exemplo, Samir Amin [1973] e Siné [1975] lembram que não há desenvolvimento sem transformação das relações sociais (o que coloca inevitavelmente um problema político), que nos países em vias de desenvolvimento o arranque econômico é muitas vezes inicialmente agrícola; e finalmente,L-que a oposição tradição/modernidade para

a qual são muitas vezes remetidos os países do Terceiro Mundo é uma falsa dialética, também ela tipicamente ocidental.

Para tomar um único exemplo no mundo islâmico revelarei algumas reflexões de Hichem Djaït em La

personnalité et le devenir arabo-islamiques [1974]. Djaït saúda as idéias de um economista como Gunnar Myrdal que,

em Challenge of World Poverty [1970], critica as teorias do desenvolvimento do pós-guerra, ligadas a uma idéia implícita de bem-estar que remete para a "antiga psicologia hedonista e para as concepções morais do utilitarismo".

Um sistema de valores de ideais revela-se necessário neste domínio e refere-se a um ideal de modernização definido pela racionalização, elevação do nível de vida, igualitarismo sócio-econômico, reforma das instituições e dos comportamentos, reforço da democracia do sentido da disciplina social. Mas esta atitude realista e generosa permanece, para Djaït, "aquém das nossas reivindicações e da nossa esperança, próxima da utopia" e não resolve nem ultrapassa "o problema da alternativa modernidade-tradição" [1974, pp. 232-33]. Lembra em seguida que é necessário "que o princípio motor da sociedade árabe seja construído com base na ciência e na cultura. Se não surge à luz do dia um renascimento cultural e científico ao mais alto nível, não há esperança para um desenvolvimento tecnológico" [ibid., p. 244].

Dá-se muitas vezes como exemplo do Terceiro Mundo o Japão, que a partir de 1867, na era de Meiji, cumpriu um enorme trabalho de modernização e conheceu de novo, depois de 1945, um progresso econômico excepcional [cf. Phan Van Thuan, 1970]. Mas Djaït sublinha que "o caso do Japão é a caricatura e o condensado da evolução ocidental" e que o seu modelo não se pode exportar, o que talvez seja preferível. Sublinha ainda a amplitude considerável do trabalho a cumprir: "A nacionalização dos meios de produção, a mutação da estrutura dos investimentos industriais, a proclamação explícita de um projeto de modernização e de justiça social não são suficientes para realizar um crescimento fulgurante e um máximo de igualdade social. A modernização é um projeto de civilização que ultrapassa qualquer projeto de reforma social" [ 1974, p. 257].

Depois de 1975 o maior ou menor fracasso, mais ou menos patente de todos os grandes sistemas sócio- econômicos e políticos do globo arrastou uma aceleração na crise do progresso. As nações ocidentais desenvolvidas revelaram-se incapazes de fazer face à crise da energia, à inflação e ao desemprego; os países ditos socialistas não conseguiram construir uma economia adequada às suas necessidades e infringiram, em maior ou menor grau, os direitos elementares da pessoa humana; a maioria dos países do Terceiro Mundo falharam nos planos econômico e político, vítimas de si mesmos e dos estrangeiros No caso do Camboja, do Vietnã e de Cuba, a situação é dramática. Para além disso, nos países ocidentais, o apelo à energia nuclear suscitou ou reforçou um forte movimento de crítica à ideologia do progresso.

O movimento ecológico que daí resultou é ambíguo e complexo. Apesar dos seus aspectos "progressistas" é, no seu conjunto, fundamentalmente "reacionário".

5. Conclusão

a) Constata-se em primeiro lugar que já quase não se fala de progresso em geral, mas de progressos setoriais./Desintegrada a noção de processo necessário não esquecer que cada tipo de progresso apela para outras formas complementares de progresso.

Por vezes, esses progressos são puramente científicos e disciplinares. Assim, em lingüística, por exemplo, no

Progress in Linguistics Bierwisch e Heidolph [1970, pp. 5-6] definem o "progresso da lingüística" de uma forma

totalmente técnica, desejando a integração desse progresso "numa teoria geral da linguagem" e uma aproximação interdisciplinar.

No domínio do progresso científico, Thomas Kuhn [1962] declara: "Se bem que o desenvolvimento científico não seja de natureza diferente dos outros domínios muito mais do que se tinha suposto, também difere de forma marcante. Pode não ser inteiramente falso dizer, por exemplo, que as ciências, pelo menos num certo estágio do seu desenvolvimento, progridem de uma forma diferente da dos outros domínios, seja qual for o progresso em si mesmo" [1962, pp. 245-46].

No domínio da psicologia individual, Jean Piaget interrogando-se sobre "uma história comparada da inteligência individual e do progresso científico" interessa-se pela ciência chinesa, "sendo o problema de saber se há só

uma linha possível de evolução no desenvolvimento do conhecimento ou se pode haver caminhos diferentes, que, bem entendido, atinjam mais cedo ou mais tarde pontos comuns..." [Bringuier, 1977, pp. 149-150].

Talvez seja mais importante ainda a necessidade de termos de reconhecer, hoje, não só uma diversidade de domínio de progresso, mas também uma diversidade de processos de progresso. O antropólogo Marc Augé indicou-o recentemente, a propósito de Claude Lévi-Strauss: "Com o desenvolvimento dos conhecimentos pré-históricos e

No documento Historia e Memoria Jacques Le Goff (páginas 141-151)

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