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O triunfo do progresso e o nascimento da reação (1789-1930)

No documento Historia e Memoria Jacques Le Goff (páginas 135-141)

PROGRESSO/REAÇÃO

3. O triunfo do progresso e o nascimento da reação (1789-1930)

Paradoxalmente a Revolução Francesa, que aparece como o triunfo político e ideológico da idéia de progresso e marca uma data capital na história desta noção, raramente faz referência de forma explícita a este conceito.

Está sem dúvida mais ligada a certas formas particulares desse progresso, em especial às que figuram na divisa: liberdade, igualdade, fraternidade. Note-se que enquanto a noção de progresso implica uma continuidade, a Revolução Francesa se apresenta antes de mais nada como ruptura, começo absoluto. O membro da Convenção Gilbert Romme, ao apresentar o calendário republicano declara: "O tempo abre um novo livro à história; e na sua nova marcha, majestosa e simples como a igualdade, deve gravar com um novo buril os anais da França revolucionária" [citada em Baczko, 1978]. Deve ser esquecido tudo o que pertence aos "dezoito séculos" em que dominou, como único progresso, o "fanatismo" As duas únicas referências do calendário são, por um lado, a ordem natural – a proclamação da República, a 21 de setembro de 1792, "último dia da realeza e que deve ser o último da era vulgar", coincidiu com o equinócio do outono ("assim a igualdade dos dias e das noites estava marcada no céu no preciso momento em que a igualdade civil e moral era proclamada pelos representantes do povo francês como sendo o

fundamento sagrado do seu novo governo") – e, por outro lado, a própria revolução cujos estágios e jornadas mais gloriosas devem estar presentes e ser comemoradas no novo calendário. Esta ruptura do tempo revolucionário com o passado foi ressentida por outros revolucionários como um esquecimento, uma negação da idéia de progresso. Dois instituidores da Francíada (anteriormente a festa de São Dionísio), os cidadãos Blain e Bouchard, publicaram em 1794 um Almanach d'Aristote ou du vertueux républicain que "se inspira numa certa idéia da história-progresso" [ibid.]. O seu calendário pretende mostrar que a nova era, aberta pela Revolução, é também o finalizar da história que a precedeu, substituindo os santos por grandes homens do passado, benfeitores da humanidade. O seu calendário "faz da idéia de história-progresso um instrumento de assimilação do passado" [ibid.].

No entanto, a hostilidade nos confrontos da Revolução Francesa deu origem ao pensamento que iria ser denominado de "reacionário" e a movimentos de grupos ideológicos ou políticos que os seus adversários iriam englobar sob o rótulo pejorativo e desprezível de "reação" O adjetivo 'reacionário' aparece a partir de 1790 e o substantivo 'reação' no seu sentido político a partir de 1796 Littré no Dictionnaire, em 1869, define assim a palavra

réaction, no seu sétimo e último sentido: "Diz-se do conjunto de atos de um partido oprimido que se torna o mais

forte. Mais particularmente, do partido conservador como oponente à ação da Revolução. Depois da queda de Robespierre, a reação monárquica foi muito violenta no sul da França". Quanto ao adjetivo réactionnaire, é definido ainda como um "neologismo": "Quem coopera com a reação contra a ação da revolução. Poder reacionário", e, como substantivo, "os reacionários dos anos III devastaram o sul da França".

O refluxo da idéia de progresso típica da Idade das Luzes, na verdade, também se manifestou muito cedo fora de um contexto ideológico ou político preciso. No seu Essay on the Principle of Population (1798), Malthus punha as idéias otimistas sobre o progresso no mesmo plano das ilusões. Contestava o otimismo populacionista, expresso a partir do século XVI por Jean Bodin na frase: "Não há riqueza senão de homens" e denunciava a cegueira ou a hipocrisia dos fisiocratas, de Godwin e de Condorcet, que tinham fé no progresso econômico e social sem abrirem os olhos à superpopulação. Malthus condenava superpopulação porque esta engendrava, segundo ele, a miséria. Esta doutrina ambígua, que Marx iria atacar violentamente, inspirou também os conservadores que queriam manter o nível de vida dos privilegiados, dos rico assim como os partidários da evolução e do progresso, como, por exemplo, Darwin e Spencer.

A reação propriamente dita teve como principais teóricos o inglês Edmund Burke (1729-97), o francês Joseph de Maistre (1753-1821), Louis de Bonald (1754-1840) e Gobineau (1816-82).

Burke, nas suas Reflections on the Revolution in France (1790), reprova os revolucionários franceses de 1789, por exemplo um Sieyès, de seguir uma natureza abstrata e não a verdadeira natureza que é a história. Foi por querer fazer tábua rasa e desprezar os preconceitos, ou seja, as tradições, que, segundo ele, a Revolução Francesa era uma aberração antinatural. Burke acreditava no progresso, mas unicamente num progresso moral dirigido por Deus e pela Providência, um Deus muito ligado aos privilégios do passado Burke foi o mestre imediato de todos os "reacionários" e o seu pensamento, numa versão simplificada, inspirou as ideologias reaciónárias de finais do século XIX e início do século XX, um Taine ou um Barrès.

O saboiano Joseph de Maistre, exilado na Suíça, na Sardenha e em São Petersburgo, morto em Turim em 1821, tomou-se o crítico da "revolução satânica" e viu no catolicismo ultramontano "a única sociedade existente de que se poderá esperar um desenvolvimento fiel às profundidades divinas de origem constitucional" [Vallin, 1971, p. 341]. A sua reflexão "reacionária" apresenta duas originalidades: procura recuar às origens das idéias que ataca, tendo por exemplo, consagrado uma obra (póstuma) a Francis Bacon; espera também um novo mundo, mas na tradição escatológica dos milenarismos antigos e dos iluministas do século XVIII. Quanto ao destino da sua obra, é preciso notar que o seu irracionalismo atrairá a atenção de pensadores como Tocqueville, Proudhon e Max Weber.

O principal teórico dos reacionários mais ardentes da primeira metade do século XIX foi Bonald, cuja Théorie

Bíblia dos ultras da Restauração". Aí exalta a autoridade e a tradição. Deus governa o homem e a história por intermédio da sociedade e da linguagem.

A renovação religiosa, eminentemente católica, que reagia à Revolução, não conduzia fatalmente à negação da idéia de progresso. No desabrochar religioso do romantismo houve lugar para pensamentos que conciliavam a religião com o progresso Madame de Stãel em De Ia littérature (1800) encontrava na história um progresso ininterrupto e negava assim a existência de uma regressão na Idade Média. Esta reabilitação da Idade Média pelo romantismo explica-se não só pelo atrativo estético desta época redescoberta, mas também por uma crença difusa no progresso que não podia sofrer longos eclipses. É a primeira atitude de Michelet a respeito da Idade Média, entre 1833 e 1844, quando viu no Cristianismo uma força positiva. No mesmo período traduz a Scienza nuova de Vico onde descobre a idéia de progresso como espiral.

O caso mais notável de conciliação entre o catolicismo e a ideologia do progresso foi o de Ballanche (1776- 1847) Este mata-mouros de Rousseau e da Revolução, este cantor da Restauração, este fiel da Providência no Essai

sur les institutions (1818), no prefácio à edição das suas obras em 1830 e em La ville des expiations (1832), faz o

elogio da indústria, "poder recentíssimo dos tempos modernos, criada pela classe média, tornada pouco a pouco a própria sociedade" e que adota a lei cristã sancionando a abolição da escravatura. Deus quer a perfectibilidade contínua da humanidade através da provação, do insucesso, da expiação e reabilitação que geram o progresso". Ballanche professou a sim uma teoria otimista do pecado original e construiu uma "teologia do progresso" [cf. Bénichou, 1977, pp. 85-92].

Mas o século XIX foi o grande século da idéia de progresso, a linha dos dados adquiridos e das idéias da Revolução Francesa. Como sempre, o que mantém esta concepção e a faz desenvolver são os progressos científicos e técnicos, os sucessos da revolução industrial, a melhoria, pelo menos para as elites ocidentais, do conforto, do bem- estar e da segurança, mas também os progressos do liberalismo, da alfabetização, da instrução e da democracia. Na França da Segunda República e na Prússia do século XIX, por exemplo, as instituições difundem eficazmente a idéia de progresso.

A ideologia do progresso herdada das Luzes e da Revolução encontrava-se ainda na França do Consulado e do Império em ideólogos como Cabanis e Destutt de Tracy.

Mas houve sobretudo a procura de leis e, se possível, de uma lei do progresso Foi essa a preocupação dos pensadores burgueses e dos precursores do socialismo.

Guizot [1829], na primeira lição do Cours d'histoire moderne, assimila a noção de civilização à de progresso: "A idéia do progresso, do desenvolvimento, parece-me ser a idéia fundamental contida na palavra "civilização". Esta idéia é antes de mais nada de natureza econômica e social. O conteúdo do progresso é "por um lado uma produção crescente de meios de força e de bem-estar na sociedade e, por outro, uma distribuição mais eqüitativa entre os indivíduos da força e do bem-estar produzidos" [Guizot, 1829, p. 114] O progresso deve ser também intelectual e moral e "revela-se através de dois sintomas: o desenvolvimento da atividade social e o da atividade individual, o progresso da sociedade e o progresso da humanidade" [ibid., p. 116].

Nos "socialistas da utopia",' encontramos, segundo Maxime Leroy [1946], uma sucessão de palavras mágicas envolvidas no âmbito mais geral de duas outras: Progresso e Ciência, que lhe devem conferir "a plenitude de um significado real".

O inglês Robert Owen [1813-14] no tratado A New View of Society or Essays on the formation of the human

character preparatory in the development of a plan for gradually amealiorating the condition of mankind chama

formação de "um só sistema científico em todos os seus ramos para a produção, conservação, distribuição e consumo das riquezas, da forma mais vantajosa para cada um e para todos; para bem formar o caráter físico, intelectual, moral e prático, e para governar o todo, sem violência nem fraude, de forma a efetuar um progresso contínuo no aperfeiçoamento de todas as disposições sociais, em toda a espécie de conhecimento e no desfrutar de uma felicidade

crescente e inalterável". Ninguém mais que Owen atribuiu como objetivo do progresso aquela felicidade da humanidade, que o revolucionário Saint-Just chamava "uma idéia nova na Europa". Para apoiar as suas teorias, Owen fundou duas comunidades: New Lanark na Escócia e depois New Harmony nos Estados Unidos, que foram falanstérios do progresso.

O francês Henri de Saint-Simon (1760-1825) ocupa um lugar especial no socialismo utópico, sobretudo porque amuas idéias, para além de terem influenciado teóricos e economistas, foram também adotadas por numerosos industriais e homens políticos da França do século XIX. Ele abala de forma decisiva a perspectiva histórica do progresso, através da recusa de toda a nostalgia do retorno ao passado Está nos antípodas de um Rousseau que, apesar de Cassirer e apesar da sua influência nos revolucionários de 1789, pode ser considerado como o principal "reacionário" do século XVIII (o Rousseau que lamenta no Essai sur l'origine des langues (1761), "uma idade feliz em que nada marcava as horas") e descobre que "a Idade do Ouro do gênero humano não está para trás de nós, mas à frente, na perfeição da ordem social". Na sua célebre Parabole (1810) (que é conhecida como a primeira carta do

Organisateur) Saint-Simon [1819-29] afirma: "A prosperidade da França apenas pode ser assegurada pelos progressos

das ciências, das belas-artes e dos ofícios \ora, os príncipes, os grandes oficiais da coroa, os bispos, os mercadores da França, os prefeitos e os proprietários ociosos não trabalham diretamente para o progresso das ciências, das belas-artes e dos ofícios; longe de contribuir para isso, eles não podem senão estorvá-los, uma vez que se esforçam por prolongar a preponderância exercida até hoje pelas teorias conjecturais sobre as ciências positivas..."

No Catéchisme des industriels (1823-24), obra coletiva, entre cujos colaboradores se encontra Auguste Comte, Saint-Simon proclama que os industriais devem ser colocados à cabeça do governo, pois eles constituem os motores do progresso: "Se tudo é feito através da indústria, tudo deve ser feito para ela".

A ideologia do progresso encontra, sem dúvida, nesta fase a expressão mais acabada] desta ideologia na filosofia de Auguste Comte, tal como ele a exprimiu nomeadamente no Cours de philosopãe positive (1830-42). No

Discours préliminaire sur l'ensemble du positivisme [1848] declara: "Uma sistematização real de todos os

pensamentos humanos constitui portanto a nossa primeira necessidade social, igualmente relativa à ordem e ao progresso. O cumprimento gradual desta vasta elaboração filosófica fará surgir espontaneamente em todo o Ocidente uma nova autoridade moral, cujo inevitável prestígio lançará a base direta da reorganização final, ligando as diversas populações avançadas por uma mesma educação geral, que fornecerá em todo o lado, para a vida pública e para a vida privada, princípios fixos de juízo e de conduta. É assim que o movimento intelectual e a agitação social, cada vez mais solidários, conduzem apesar de tudo a elite da humanidade ao advento decisivo de um verdadeiro poder espiritual, ao mesmo tempo mais consistente e mais progressivo do que aquele de que a Idade Média tentou prematuramente fazer o admirável esboço".

Este texto demonstra que a ideologia do progresso não está inevitavelmente ligada ao espírito democrático. Auguste Comte, depois de uma surpreendente reabilitação da Idade Média, primeira idade de uma tentativa de "poder intelectual", ;firma o seu elitismo: é um aristocrata intelectual do progresso,Exata-mente na mesma data, em 1848 (embora o livro não tenha aparecido senão em 1890)„Ernest Renán dizia a mesma coisa no Avenir de la Science e nos

Dialogues et fragments philosophiques afirma especificamente: "A grande obra cumprir-se-á pela ciência, não pela

democracia. Nada se az sem grandes homens; deles virá a salvação" [1876, p. 103]

O período de 1840 a 1890 é o do triunfo da ideologia do progresso, simultaneamente com o grande "boom" econômico e industrial do Ocidente.

O saint-simoniano Buchez exprimiu a nuança progressista do socialismo cristão desde 1833, na sua

Introduction à la science de l'histoire; o socialista Louis Bianc funda, em 1839, a "Revue du progrès"; Javary publica

em 1850 De l'idée du progrès, na qual vê a idéia do século, ardentemente professada por alguns e vivamente combatida por outros; Proudhon junta-se ao coro na primeira carta da Philosophie du progrès (1851). Em 1852 Eugène Pelletan, na sua Profession de foi du XIX siècle faz do progresso a lei geral do universo. Em 1854 Bouillier, na

sua Histoire de la philosophie cartésienne, repõe o cristianismo na ascendência progressista. Em 1864 Vacherot escreve uma Doctrine du progrès.

Em contrapartida, a idéia do progresso não parece jogar um papel importante no pensamento de Marx. No

Capital [1867] lê-se, por exemplo: "A vida social, cuja base é formada pela produção material e pelas relações que ela

implica, não se separará do véu místico que lhe encobre o aspecto, senão no dia em que se manifestar como produto de homens livremente associados, agindo conscientemente segundo o seu próprio plano. Mas isso exige um fundamento material da sociedade, um conjunto de condições materiais de existência que são, por sua vez, o produto originário da história de um longo e doloroso desenvolvimento". "Um longo e doloroso desenvolvimento...", que melhor definição para progresso?

É necessário assinalar um acontecimento altamente significativo: a Exposição de Londres de 1851, hino ao progresso industrial e material. No discurso inaugural, o príncipe consorte Alberto declara: "Vivemos num período de transição perfeitamente maravilhoso, que está em via de atingir rapidamente esse grande objetivo para o qual tende toda a história: a unificação de toda a humanidade. A Exposição de 1851 deve fornecer-nos uma prova de verdade e um testemunho vivo do ponto de desenvolvimento ao qual o conjunto da humanidade chegou no cumprimento desse grande dever e um novo ponto de partida a partir do qual todas as nações possam dirigir os seus futuros esforços" [citado em Bury, 1920, p. 330].

Na segunda metade do século a ideologia do progresso deu novos passos adiante com as teorias científicas e filosóficas de Darwin e de Spencer.

O primeiro, em On the Origin of Species (1859), conduziu, segundo Bury [1920], à terceira etapa do desenvolvimento da idéia de progresso. Bury sublinha que, paradoxalmente, o reinado da idéia de progresso se estabelece sobre humilhações do homem. Na época de Copérnico e de Galileu a astronomia heliocêntrica destronou o homem da sua posição privilegiada no universo. Sofria uma nova degradação no seu próprio planeta perdendo a sua gloriosa veste de ser racional especialmente criado por Deus O transformismo de Darwin veio apoiar os primeiros trabalhos de Herbert Spencer (1820-1903) e nomeadamente a sua teoria geral da evolução exposta nos Principles of

Psychology (1855). Spencer expôs, desde abril de 1857, as suas idéias sobre o progresso num artigo da "Westminster

Review". Aplica em seguida a sua teoria evolucionista à biologia (Principles of Biology, 1864-67) e finalmente à sociologia (Principles of Sociology, 1877-96). A obra de Spencer marcou o coroamento da idéia "do progresso concebido como uma necessidade benfazeja" e a ideologia do progresso de uma Europa, a do século XIX, que confundia "a sua civilização com a civilização" [cf. Valade, 1973].

Todavia, a ideologia reacionária organizava-se e sobretudo na França, no país da Revolução de 1789, resultava em movimentos políticos.

Num estudo sobre La Droite en France de 1815 à nos jours [1968], René Rémond diagnosticou a partir de 1815 um "corte entre duas Franças que podem ser provisoriamente rotuladas de direita e esquerda", que "se definem pela relação com um passado recente e se conhecem na aceitação ou na rejeição da obra da Revolução". Rémond distingue em seguida, em toda a história política da França na transição do século XIX para o século XX, três variedades de direita. A primeira "toma dos ultras da Restauração a sua doutrina, a contra-revolução" Deriva o seu sistema de pensamento de uma frase de Joseph de Maistre, no capítulo IV das suas Considérations sur Ia France (1796): "O que distingue a Revolução Francesa e o que faz dela um acontecimento único na história é sua radical iniqüidade; nenhum elemento de bem faz aliviar a visão de quem a observe: representa o mais alto grau de corrupção conhecido, é a impureza em estado puro" [citado ibid., p. 406]. A segunda direita é "conservadora e liberal e herda a sua base ideológica do orleanismo". Quanto à terceira, é "uma amálgama de elementos heterogêneos sob o signo do nacionalismo de que o bonapartismo observa um precurso". A primeira direita é reacionária, a terceira é uma mistura de espírito reacionário e de um certo "progressismo", a segunda é, acima de tudo, conservadora, mas-4á entre as três tendências "trocas, interferências..., coligações',

Os ultras, os mais reacionários, foram realistas e católicos.

No fim do século XIX uma revista esforça-se por reunir a corrente ultra e a corrente nacionalista. É a "Action Française", cujo líder será quase logo Charles Maurras: O seu primeiro número, datado de 12 de agosto de 1899, abre

com um artigo-manifesto cujo título é Réaction d'abord.

Entretanto, o pensamento reacionário tingiu-se de anti-semitismo e de racismo. Contesta-se por vezes hoje que Gobineau tenha sido racista. É, de fato, verdade que o Essai sur l'inégalité des races humaines (1853-55) combateu a idéia de progresso em bases racistas, fundadas numa biologia pseudocientífica e numa interpretação delirante da história. Para Gobineau, todas as civilizações caminham para a decadência, cuja causa não é a corrupção dos costumes ou o castigo de Deus, mas a mistura de sangues. O caso dos Arianos é exemplar pois que, tendo-se mantido puros durante muito tempo, na Ásia, quando se cruzaram com outras raças, principalmente a amarela e a negra, entraram em declínio. Exigindo a evolução histórica um aumento de cruzamento, Gobineau mergulha num profundo pessimismo histórico.

Depois de 1871, com a Comuna, os ultras transformam-se em legitimistas e incluem no seu programa a palavra 'contra-revolução', de preferência a 'restauração'. René Rémond chama a atenção para o fato de a maioria dos

ultras não ter lido os teóricos da contra-revolução (Bonald, Maistre, a primeira fase de Lamennais) e do seu ideal –

vagamente teorizado – ser a sociedade rural, cujos ordenamentos e costumes se dissolvem mais lentamente que os da brilhante mas frágil civilização urbana. Segundo ele, "a melhor exposição do seu sistema de pensamento é talvez a que se encontra num documento de caráter religioso, o texto do Sillabus a cujos anátemas se associam voluntariamente" [1968].

Em 1864, o papa Pio IX publicou a encíclica Quanta cura, seguida de uma lista de oitenta proposições condenadas, o Syllabus. Este documento singular é uma excelente lista de todas as idéias "progressistas" relativas aos "reacionários" e condena explicitamente o progresso, o que é um fato insólito, pois que raramente os reacionários se reconhecem como antiprogressistas.

Na encíclica Quanta cura, o papa condenava os principais erros modernos: o racionalismo, que chega a negar

No documento Historia e Memoria Jacques Le Goff (páginas 135-141)

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