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Os inícios da idéia de progresso na Antiguidade e na Idade Média

No documento Historia e Memoria Jacques Le Goff (páginas 126-131)

PROGRESSO/REAÇÃO

1. Os inícios da idéia de progresso na Antiguidade e na Idade Média

Na Antiguidade greco-romana a idéia de uma decadência posterior à Idade do Ouro inicial e do retorno cíclico impediam o desenvolvimento de uma verdadeira idéia de progresso. Os Gregos não possuíam palavra para progresso, e o termo latino progressus tinha um sentido mais material (avançar) que normativo. Para a grande maioria dos pensadores e dos chefes políticos o essencial era não mudar. A mudança significava corrupção e desordem. Esta concepção é levada ao extremo no modelo conservador espartano. O tempo é o inimigo do homem. O poeta Simônides aconselha: "Não sendo tu senão um homem, procura nunca dizer o que o amanhã te traz". Os homens têm o seu futuro bloqueado pela lembrança dos deuses e dos heróis. Mas, como também observa Bycy- no prefácio da sua grande obra The Idea of Progress [1920], por detrás das teorias dos sábios antigos aparecem as lutas dos oprimidos pela sua "felicidade", que sem dúvida não implicam a idéia de um progresso geral mas, pelo menos, a de um progresso possível da sua situação. E as idéias de revolta e de progresso há relações evidentes antes mesmo da noção universalista de revolução se encontrar de forma mais evidente com a de progresso.

Talvez seja oportuno atenuar um pouco, mesmo no plano das teorias dos sábios, esta apreciação negativa da idéia de progresso na Antiguidade, muito embora Ludwig Edelstein em The Idea of Progress in Classical Antiquity [1955-65] tenha exagerado muito o sentido contrário. O próprio Bury lembra que os epicuristas acreditavam ser a razão humana uma fonte de progresso desde a pretensa Idade do Ouro. E s Romanos, um Sêneca crê no progresso científico, em novas-descobertas [Naturales quaestiones, VII, 25 e 31; Ad Lucilium epistulae morales, 64], mas não que tal progresso traga felicidade à humanidade, destinada à decadência moral.

Retivemos em especial dois versos do poeta-filósofo jônico Xenófanes (século VI a.C.): "Os deuses não revelaram aos homens todos os seus segredos, mas, se procurarem, com o tempo acabam por encontrar o que é melhor" [Diehl, 1936-42, fr. 16]. O mito de Prometeu, símbolo das forças criativas do homem – interpretado assim pela primeira vez, pelo sofista Protágoras [485-411 a.C.) – parece também possuir tal sentido. Platão é paralisado pela sua crença numa constante regressão moral e, sob este aspecto, exercerá muita influência até os nossos dias. Aristóteles considera possível a realização de projetos perfeitos, como a Cidade Ideal, mas estava persuadido de que isso mais não seria que o acesso a uma forma, a um modelo preexistente. O progresso, se existisse, consistiria em atingir os arquétipos. Os estóicos ficaram prisioneiros da sua crença no retorno periódico de estados idênticos do mundo. Os epicuristas, quer seja o grego Demócrito (c. 460 -c. 370 a.C.), ou o latino Lucrécio (morto em 55 a.C.), eliminaram um obstáculo à idéia de progresso – a noção de providência divina –, mas também estão imbuídos de pessimismo moral.

Gregos e Romanos afirmaram face aos "bárbaros" o valor da civilização mais ou menos concebida um processo evolutivo e a "antropologia comparativa" colocou-os, por vezes, no limiar da idéia de progresso. Mas tudo por outras razões, os desvia de tal idéia. Por exemplo, o papel atribuído à deusa Fortuna, persistente na realização dos seus projetos mas volúvel nas suas intervenções, pronta a manifestar a instabilidade de todas as coisas- humanas. Quando o grego Políbio, o mais "racionalista" dos historiadores antigos, declara: "Reunirei para os leitores, num só quadro, todos os meios pelos quais a Fortuna executa as suas intenções" [Histórias, I, 4], introduz uma lógica bem caprichosa na ciência histórica.

Também Jacqueline de Romilly destacou uma idéia implícita de progresso, em certos períodos da história grega, mas considerou a sua influência limitada, contrariamente às perspectivas demasiado otimistas de Mondolfo [1955] e de Guthrie [1957]. É na Atenas do século V que aparece esse sentimento, que se baseia na idéia de civilização progressiva e do progresso idas invenções técnicas. Depois de Prometeu, um herói como Palamedes suscita admiração pelas suas invenções: os números e as letras, as medidas, a arte militar, os dados e o jogo do tric-trac. Os maiores trágicos, Esquilo, Sófocles, Eurípides, consagram-lhe peças e Górgias escreve uma defesa fictícia em seu favor. O coro da Antigona canta as invenções do homem: navegação, arado, caça, domesticação dos animais, palavra, inteligência, casa, medicina. "Talvez seja o ímpeto da vitória alcançada contra os medos e a alegria de uma cidade cujo poder atinge o auge Em todo o caso, a literatura ateniense do século V maravilha-se, de súbito, com as riquezas

esplendorosas da civilização humana" [Romilly, 1966, p. 144].

Romilly vê, numa seção da obra de Tucídides, a Archeologia, dedicada aos acontecimentos anteriores à guerra do Peloponeso, um testemunho dessa fé numa espécie de progresso, principalmente em dois domínios: a vida social e as invenções técnicas. Para ele trata-se, aliás, de uma lei da evolução humana, uma vez que os bárbaros do seu tempo estão no nível em que estavam os Gregos muito tempo antes: "Muitos outros fatos mostrariam que o mundo grego antigo vivia de forma análoga ao mundo bárbaro atual" [A Guerra do Peloponeso, 1, 6]. Mas os súbitos reveses de Atenas, depois dos seus sucessos, fazem Tucídides retomar o pessimismo. E a crise da idéia de progresso, o retorno à nostalgia da Idade do Ouro. Dodds [1951] pode mesmo falar de "reação" a este propósito.

Dodds sintetizou bem a posição dos Gregos e dos Romanos face à idéia de progresso: "Não é verdade que a idéia de progresso tenha sido inteiramente estranha à Antiguidade; mas só foi largamente aceita pelo público culto, durante um período \limitado do século V.

Depois do século V, a influência de todas as grandes escolas filosóficas foi em vários níveis hostil ou impôs limites a tal idéia.

"Em todos os períodos, as expressões mais claras dessa idéia referem-se ao progresso científico e emanam de sábios práticos ou de escritores científicos.

A tensão entre a crença no progresso científico ou tecnológico e na regressão moral encontra-se em numerosos escritores antigos – muito particularmente em Platão, Posidônio, Lucrécio e Sêneca.

"Há uma grande correlação entre a noção de progresso e a sua efetiva realização. Quando a cultura progride em várias frentes, como no século V a.C., a fé no progresso está muito difundida. Quando o progresso é sobretudo evidente em algumas ciências especializadas como no período helenístico, esta fé encontra-se essencialmente nos especialistas dessas ciências. Quando o progresso pára, como nos últimos séculos do Império Romano, a esperança num futuro progresso desaparece" [1973, pp. 2425].

Este texto não só é importante para a ideologia antiga como também define duas condições essenciais da história da idéia de progresso. A primeira é o papel desempenhado pelo progresso científico e tecnológico. Praticamente na origem de todas as acelerações da ideologia do progresso há um salto das ciências e das técnicas. Isto aconteceu no século XVII, no XVIII e no século XX. A segunda é a ligação entre o progresso material e a idéia de progresso. É a experiência do progresso que leva a acreditar ne e, a sua estagnação é em,geral seguida de uma crise de tal idéia. Acontecerá portanto que a aceleração do progresso material fará nascer, pelo contrário, um o do progresso. Será esse fenômeno que caracteriza o século.

O triunfo do cristianismo e o estabelecimento da feudalidade continuam, na Idade Média, a ser obstáculo à idéia de progresso, sobretudo sob dois pontos de vista. Se bem que o Cristianismo, dando um sentido à história, liquide o mito do eterno retorno e uma concepção cíclica da história, opera uma dicotomia maior ainda entre o progresso material, desprezado e negado (o ideal monástico do contemptus mundi, o desprezo do mundo, combina-se com a idéia de decadência: o mundo, entrado na última das idades da história, envelhece e o mito do Paraíso terrestre substitui o da Idade do Ouro), e o progresso moral é definido então como a procura de uma salvação eterna e colocado fora do mundo e do tempo. Por outro lado o sistema feudal tende apenas para a subsistência da humanidade, procura eliminar o crescimento e combina-se com a religião a fim de condenar toda a ambição terrestre, todo o esforço para mudar a ordem pretendida por Deusa Aliás, a influência da cultura antiga, que se mantém mais ou menos, vê desenvolver-se um avatar da noção antiga de fortuna: é o tema da Roda da Fortuna, tema "reacionário" que retoma, num plano mais modesto, a concepção cíclica do caminhar dos assuntos terrenos e mantém a idéia antiga da instabilidade das coisas daqui de baixo, como bem o mostrou Patch [1927].

Mas, tal como na Antiguidade em certos momentos da Idade Média e entre alguns intelectuais surgiu uma certa idéia de progresso, cujo conteúdo e limites é necessário analisar. Escolherei três exemplos: a escola de Chartres, em meados do século XII, o milenarismo de Joaquim da Fiore no virar do século XII para o XIII, e o de Roger Bacon

em meados do século XIII. Notar-se-á que estas obras se situam no momento culmina e do crescimento da cristandade ocidental: apogeu econômico e técnico que vê os indícios do maquinismo com a difusão do moinho d'água (e depois de vento) e das suas aplicações, das novas técnicas de tecelagem, a grande onda de construções românicas e góticas, o desenvolvimento das cidades, o nascimento das universidades e da escolástica as novas ordens mendicantes. Há aí qualquer coisa de comparável ao que Romilly e Dodds observaram na Grécia antiga do século V. As obras que evoco situam-se não só em tal corrente criadora, como também em oposição a ela (nomeadamente com Joaquim da Fiore). Por outro lado, tais obras apóiam-se em idéias científicas, o que é evidente em Bernardo Silvestre e Roger Bacon, mas não o é menos em Bernardo de Chartres e Joaquim da Fiore, pois a retórica e a teologia faziam então parte de um mesmo sistema de ciências.

No Metalogicon (c. 1159) Jean de Salisbury conta que Bernardo de Chartres, chanceler da Igreja de Chartres de 1119 a 1126, dizia: "Nós somos anões assentes nos ombros de gigantes, vemos mais e mais longe que eles, não por causa da acuidade da nossa vista ou da nossa grande altura, mas porque somos apoiados e erguidos pela sua estatura de gigantes" [III, IV]. Esta declaração foi por vezes interpretada "como uma profissão de fé no progresso das ciências e da cultura", mas os exegetas recentes destas palavras, como Hubert Silvestre [1965] e Edouard Jeauneau [1967], pensam que não se trata disso: "Não procuremos uma filosofia da história que não está certamente aí contida. Contentemo-nos em ver nela uma regra prática, enunciada por um mestre cuja única ambição parece ter sido a de ensinar a arte de bem ler e de bem escrever. Tal conclusão parece ser decepcionante. Gostaríamos de pensar que Bernardo de Chartres estava ao lado dos modernos, portanto do bom lado, que entreviu profeticamente aquilo a que chamamos o progresso da história. Tais perspectivas são sedutoras para nós, mas provavelmente surpreenderiam Bernardo e os seus discípulos. Mesmo erguidos aos ombros de gigantes, os mestres de Chartres não podiam ver tão longe" [Jeauneau, 1967, p. 99]. Creio que tal reação a uma interpretação "progressista" da frase de Bernardo de Chartres é provavelmente exagerada (Nesse tempo de respeito absoluto pelas "autoridades", a idéia de que se possa ver mais e mais longe do que os Antigos e os Padres, mesmo graças a eles e humilhando-se perante eles, pode ser considerada um ato de fé no progresso científico. (Isto é confirmado pelo comentário de Pedro de Blois, amigo de Jean de Salisbury, na frase de Bernardo de Chartres: "Vemos mais longe do que os antigos, porque "vivificamos" as formas esquecidas do seu pensamento, "desvitalizadas" pela velhice, dando uma certa novidade ao seu conteúdo"). É um ato de fé limitado, dado que combina o sentido do progresso com a idéia de uma diminuição da estatura dos sábios e com a necessidade de conhecer bem os antigos.

Entre 1114 e 1150 um outro mestre chartrense, Bernardo Silvestre, na sua Megacosmus et Microcosmus, tinha também evocado os progressos da ciência e da cultura.

Nesta obra, a deusa Natureza exprime o desejo de conduzir o universo do caos primitivo à civilização. O comparativo cultius [I, 1, v. 40] sugere a idéia de progresso. O homem aparece sucessivamente como dotado de uma habilidade técnica e de uma propensão para a cultura [II, 14, vv. 1-2]. Bernardo Silvestre coloca o progresso da civilização no quadro de uma história otimista da humanidade. Bernardo concebe o mundo como uma máquina governada pelos astros, que escapa ao determinismo mecanicista, não só graças ao livre-arbítrio mas também à idéia de progresso Consciente dos progressos científicos do seu tempo, Bernardo retira à Natureza uma parte dos seus poderes para os atribuir a Physis, que encarna a ciência. Mas Bernardo Silvestre continua prisioneiro das influências estóicas antigas e não pode conceber "senão imagens indefinidas do progresso cultural" [Stock, 1972, p. 118].

O cisterciense calabrês Joaquim da Fiore, fundador da congregação eremita de Fiore, aprovada pelo Papado em 1196 e que, apesar das dificuldades com a cúria romana, dirigiu até a morte, em 1202, é o grande teórico medieval de um milenarismo que parece veicular uma idéia de progresso e de progresso espiritual. Dividia a história da humanidade em três "estatutos" ou "idades". No seu tratado sobre a Concordia Novi ac Veteris Testatementi (c. 1190), distingue: "a primeira [idade], na qual estivemos sob a lei; a segunda, na qual estivemos sob a graça; a terceira, que esperamos como iminente e durante a qual gozaremos de uma graça mais perfeita. O seu vocabulário para

designar esta terceira idade tão próxima parece impregnado das idéias de novidade e de progresso: novus ordo 'a nova ordem', mutacio 'a mutação' e mesmo revolvere 'cumprir uma revolução'. Ernst Benz chegou a sublinhar que a visão da história de Da Fiore é "uma típica teologia da revolução" [1956, p. 318], e pode dizer-se que ele se situa num ponto semântico decisivo, uma vez que com ele dispomos de um modelo privilegiado no qual se efetua, pela apocalíptica, a passagem da idéia astronômica de "revolução" à concepção histórica do termo e onde, além disso, se anuncia estruturalmente o derrubar concreto das instâncias sociais e, conseqüentemente, a acepção política da palavra 'revolução'.

Finalmente, quando se observam as diversas formas pelas quais exprimiu a passagem da primeira idade para a segunda e da segunda para a terceira, reconhecemos nelas uma idéia implícita de progresso: "A primeira surgiu sob o signo da dependência servil, a segunda da dependência filial, a terceira da liberdade. O chicote para a primeira, a ação para a segunda, a contemplação para a terceira. Na primeira o temor, na segunda a fé, na terceira a caridade; como escravos na primeira, como livres na segunda, como amigos na terceira... Na primeira a luz das estrelas, na segunda a aurora, na terceira o pleno dia; o Inverno na primeira, a Primavera na segunda, o Verão na terceira; a primeira trouxe urtigas, a segunda trouxe rosas, a terceira trouxe lírios; na primeira veio a erva, na segunda veio a espiga, na terceira veio o trigo; a primeira trouxe a água, a segunda o vinho, a terceira o azeite; a septuagésima, a quadragésima, a festa pascal... [Concordia Novi ac Veteris Testamenti, V, 84].

Há um outro simbolismo, na mesma página, que merece atenção. A primeira, a segunda e a terceira "idades" são designadas respectivamente como estados "de velhos, de adultos e de crianças''. Este progresso é uma regressão. O joaquinismo é uma reação Contra a escolástica e todos os movimentos de caráter urbano; o modelo joaquinista permanece tipicamente "quietista", campesino, cisterciense e antiintelectual [cf. Mottu, 1977]. Apela para a realização de modelos do passado: imitação da Igreja primitiva, de Cristo, eremitismo pré-cristológico, tendo como modelo pessoal João Baptista, o precursor. Quanto ao verdadeiro conteúdo próprio da Terceira Idade, que deverá constituir o triunfo do monarquismo, que, renovado pela orientação de uma ordem providencialmente querida por Deus, teria edificado na Terra a Jerusalém celeste. Longe de ser progressista, o seu pensamento é – somos tentados a empregar a palavra, apesar do seu anacronismo – profundamente reacionário De fato, nem o próprio Da Fiore nem os seus discípulos medievais, apesar da tentação de transformar a escatologia joaquinista em ação política, conseguiram levar a teologia milenarista à revolução social. Como escreveu Karl Mannheim numa página célebre da Ideologia e utopia [1929] (cf. o artigo "Escatologia" neste volume), é necessário esperar pelos hussitas e depois por Thomas Münzer e os anabaptistas para que o milenarismo "se transforme num movimento ativo de certas camadas sociais específicas".

Reação de retomo ao primitivismo. Um outro tipo de reação\mais moderna, se assim se pode dizer, precursora do Syllabus de Pio IX (1864), aparece na segunda metade do século XIII. Depois de ter condenado em 1270 treze proposições que teriam sido ensinadas na Universidade de Paris e que trazem consigo a marca de influências árabes, o bispo de Paris, Étienne Tempier, em 1277 condena 219 proposições que formam um cento de teses verdadeira ou supostamente professadas, incluindo algumas teses tomistas. É acima de tudo a condenação de Aristóteles, que se tornou o filósofo por excelência de muitos escolásticos e que o bispo, apoiado pelo papa, relega para o estatuto de pagão a renegar. Van Steenberghen na Philosophie au XIII siècle [1966] vê a palavra 'reação' surgir espontaneamente sob a sua pena a este propósito. A grande condenação pronunciada por Étienne Tempier "rompeu... o equilíbrio de forças em favor da reação conservadora".

Antes destas condenações, que renovavam e alargavam de uma forma muito mais ampla e sistemática as interdições pontificiais do início do século XIII de explicação da obra de Aristóteles nas universidades, o franciscano Roger Bacon – que em Paris comentara Aristóteles, por volta de 1245, e que retornou a Oxford, na sua Inglaterra natal – escreveu, entre 1247 -1267, a sua principal, o Opus maius, onde expunha idéias geralmente consideradas importantes para o desenvolvimento da noção de progresso.

parisienses, o conjunto unificado das ciências, fundado sobre as matemáticas e progredindo com a ajuda da ciência experimental. Atribuía esta idéia ao ensino dos mestres oxonianos, em particular Robert Grossetesta e Pierre de Maricourt, inventor do ímã e, segundo Bacon, fundador da ciência experimental. Eis o que diz Roger Bacon dos seus mestres ingleses, descrevendo assim o seu próprio projeto: "Houve homens muito famosos, como o bispo Robert de Lincoln e o irmão Adam de Marsh e muitos outros que, graças ao poder da matemática, puderam explicar as causa de tudo e expor adequadamente tanto as coisas humanas como as divinas" [IV, d.I]. Estes são os intelectuais do seu tempo que Roger Bacon admira: "Com estes sentia-se a participar numa sociedade especial de homens que trabalhavam para a promoção do progresso efetivo, mesmo que ignorado, da comunidade dos crentes" [Alessio, 1957, p. 16].

Franco Alessio mostrou com clareza como as relações ambíguas de Roger Bacon com a história e, em particular, com as condições históricas do seu tempo deram à sua concepção de progresso uma nota de originalidade e também precisos limites: "Postulando como princípio uma perfeita equação entre sacralidade e "potestas" das ciências, e reconhecendo os movimentos pelos quais, em vertentes opostas, a experiência histórica desmente de fato tal postulado, Bacon chegava porém a reconhecer exatamente nestas contradições a mola do progresso científico, indissociavelmente conectado com uma renovação da vida religiosa. Tratava-se, na verdade, de negar as negações, surgidas historicamente e empiricamente localizáveis, da sacralidade, das ciências e da sua "potestas". Dado que estas negações residem e se radicam nas modalidades imperfeitas, obscurecidas por preconceitos, da execução da investigação científica e da vida religiosa, tratava-se de restaurar a pureza originária de uma e de outra, a fim de garantir a perfeita execução dos programas da vida religiosa e da investigação científica, reciprocamente condicionadas. Ora, é verdade que o progresso científico-religioso não pode ser considerado de modo algum por Bacon como um processo absoluto, mas antes como uma sucessão de atos através dos quais se afastam as simples aparências privadas de justificações e de causas objetivas: pelo que, mesmo no caso de um coroamento definitivo do progresso em direção à sapiência absoluta, tal coroamento coincidiria com o reconhecimento da não existência absoluta do progresso" [ibid, pp. 68-69]. A concepção histórica de Roger Bacon, ou antes, a concepção de uma ligação necessária (subalternatio) entre a ciência empírico-matemática e uma sageza hermético-religiosa, impediu, tanto no plano teórico como no prático, o desenvolvimento de uma verdadeira ideologia do progresso em Roger

No documento Historia e Memoria Jacques Le Goff (páginas 126-131)

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