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2.1 A dimensão relacional e afectiva das profissionalidades docentes

Profissionalidades Docentes

III. 2.1 A dimensão relacional e afectiva das profissionalidades docentes

A profissionalidade docente, na acepção próxima do sentido de trabalho docente proposto por Tardif e Léssard (2005) pressupõe a existência de um “trabalho interactivo”. Este, por sua vez, “alimenta-se” das interacções humanas quotidianas e das “negociações

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diárias com outros agentes educativos” (idem:50), consideradas imprescindíveis e determinantes da qualidade dos processos de ensino/aprendizagem. Nesta lógica, as profissionalidades docentes alicerçam-se e consubstanciam-se nas relações humanas quotidianas estabelecidas com os/as colegas de trabalho, alunos e outros agentes educativos. Ao considerar, com Tardif e Lessard (2005), as “situações escolares quotidianas como sendo situações sociais caracterizadas por interacções elementares entre seres humanos” (idem:231) estou a realçar a dimensão relacional da docência, entendendo-a fundamentalmente como uma profissão de interacção. Esta minha posição encontra também apoio na visão de Damião (1992) que reconhece que a actividade do/a professor/a é “eminentemente de cariz relacional”64(idem:44), considerando-a uma das dimensões mais importantes das profissionalidades docentes.

É ainda nesta linha de pensamento que Tardif e Léssard (2005) sustentam que, apesar da diversidade de tarefas do trabalho docente,65 “a docência permanece essencialmente uma prática centrada nos alunos, em torno dos alunos, para os alunos”, (idem:141) colocando, deste modo, a componente relacional no centro do trabalho docente. É também nesta perspectiva que argumentam que “manter o interesse e (…) a atenção dos alunos é uma das tarefas centrais dos professores” (idem:217) para que os alunos aprendam. Nesse sentido, consideram ainda que o interesse e empenho, enquanto condições essenciais do processo de ensino/aprendizagem, e que traduzem o desejo dos alunos se envolverem e continuarem na tarefa dependem, essencialmente, do “trabalho emocional” do/a professor(a). O trabalho docente implica, assim, um conjunto de interacções personalizadas e afectivas com os alunos, de forma a conseguir obter a sua participação66 no processo de ensino/aprendizagem.

Nesta linha de pensamento, a personalidade do/a docente, as suas características pessoais como a empatia, o sentido de humor, a compreensão e a abertura são essenciais na interacção com o aluno. Dito de outro modo, “a pessoa que é o trabalhador constituiu o meio fundamental pelo qual se realiza o trabalho em si mesmo” (idem:268) assim como as tecnologias da interacção do trabalho docente são os mecanismos afectivos, nomeadamente a

autoridade e a persuasão.

64 Com base em Gonçalves & Cruz 65

Esta complexidade das tarefas docentes será referida no ponto III.6.

66 Para Tardif e Lessard (2005), ideia que perfilho, o acolhimento na sala de aula é fulcral como interacção personalizada com o aluno para

obter a sua participação no processo de ensino/aprendizagem. Ao enquadrar a situação escolar “dentro de um processo de interacção com os alunos, determinar os limites, as significações e as orientações da situação que o grupo de alunos se prepara para viver” (idem:177) “os seres humanos tornam-se realmente presentes uns aos outros, são co-presentes numa situação instaurada pelo seu encontro, portadores que são de expectativas, de perspectivas, de motivações, de interesses, que devem ser, de certo modo, agendados, negociados e precisados para produzir a possibilidade de uma acção em comum” (ibidem). Segundo os autores este acolhimento, para as crianças mais novas representa essencialmente uma tarefa de socialização às regras da instituição e da sala repetindo as regras que necessitam de interiorizar, alternando com um suporte afectivo, de forma a dar segurança à criança. Neste sentido, ao defenderem que “boa parte do trabalho não é empregado a tarefas de aprendizagem do conteúdo, mas antes a tarefas de enquadramento e de controlo das actividades dos alunos” (idem:181) parecem, mais uma vez valorizar as tarefas emotivas desenvolvidas pelo docente na relação com os alunos.

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No entender destes autores, a autoridade está associada à personalidade do docente, ao “carisma pessoal” e reside “no respeito que o professor é capaz de impor sem coerção aos alunos” (idem: 266). Neste sentido, o docente “pode impor-se a partir do que é enquanto pessoa, que os alunos respeitam e até apreciam ou amam” (ibidem). Já a persuasão, é vista como a “arte de convencer outrem a fazer alguma coisa ou acreditar em alguma coisa” (idem:267) e apoia-se em todos os recursos teóricos da linguagem falada.

A par destes mecanismos Tardif e Lessard (2005) realçam o recurso, por parte dos/as professores/as, à coerção considerando que ela reside em “condutas punitivas reais e simbólicas desenvolvidas pelos professores na interacção com os alunos em sala de aula”(idem:265), condutas estas estabelecidas pela instituição escolar mas também improvisadas pelos docentes. Neste estudo este é um mecanismo que também identifiquei nos discursos de alguns/mas professores/as e que é expresso em ideias como a reticência ou a

recusa em considerarem alguns alunos como capazes de aprender e/ou a vontade de excluir

alguns dos seus grupos de trabalho. Na perspectiva dos autores a que tenho recorrido nesta argumentação, a personalidade do docente, e as suas estratégias pessoais para conseguir o consentimento dos alunos, e, considero eu, também dos outros agentes educativos, estão presentes em todas as situações escolares quotidianas através dos processos interactivos.

Gauthier e Martineau (1999), na mesma linha de pensamento, associam ao trabalho docente um trabalho emocional que se apoia na individualidade de cada professor, sublinhando a sedução como estratégia pessoal.

Machado (2007), numa posição não dissonante com as anteriores associa a esta componente relacional e afectiva o sucesso e a satisfação profissional, enfatizando a importância de competências cognitivas/afectivas como a inteligência emocional no trabalho docente. A autora define inteligência emocional como a “capacidade de compreender os outros e de agir sensatamente nos relacionamentos humanos” (idem:217) considerando-a essencial numa profissão que “nos põe em contacto com outras pessoas, trabalham em equipa e exige empatia e compreensão de todos” (ibidem). Na sua perspectiva, estas competências cognitivas/afectivas constituem “elementos fundamentais para que os sujeitos possam formular juízos adequados e exequíveis, face à incerteza que caracteriza a complexidade do dia a dia, e se sintam realizados e com sucesso na profissão” (idem:216).

No entender de todos os autores até ao momento convocados é impossível dissociar a pessoa do profissional. Machado (2007) sintetiza esta ideia referindo que “o exercício da profissão docente está intimamente relacionado com a personalidade do professor e com as suas emoções” (idem:221). No entender desta autora, que partilho, o comportamento profissional do/a docente fundamenta-se no tipo de pessoa que é o/a profissional, “nas

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características pessoais, experiência vivida e sentida, no seu bem estar subjectivo, no modo como tem evoluído na profissão, na sua capacidade de aprendizagem continua” (idem:224).

Em síntese, este envolvimento pessoal vai implicar duplamente as profissionalidades docentes. Por um lado, o/a docente interioriza “subjectivamente as exigências objectivas da sua própria posição [ser mediador entre a organização e os estudantes] e vive-as como desafios e dilemas pessoais” (Tardif e Léssard, 2005:268), o que lhe provoca sofrimentos mas também alegrias67 dependendo dos (in)sucessos vividos. Por outro lado, e visto que “os professores têm que se sentir bem para que possam desenvolver o seu trabalho, dentro do potencial das suas capacidades” (idem: 224), o seu desempenho profissional vai resultar, em parte, da sua estabilidade e satisfação ao nível relacional e afectivo.

Em consonância com estas ideias Bolívar (2007) defende que se pretendemos a melhoria ao nível profissional é necessário valorizar a dimensão emocional do ofício de ensinar. Associa assim o bom ensino às emoções positivas na sala de aula e na escola. Neste encadeamento Fullan e Hargreaves (2000) referem que “os principais elementos motivadores para a maioria dos professores são: a qualidade do trabalho e o próprio ambiente profissional” (idem:38). É também nesta linha que Lopes (2002) fala de uma “profissionalidade nova configurada na lógica do amor” (idem:74) que reflicta um “novo clima relacional caracterizado pela festa e alegria mais do que burocracia” (ibidem). A este propósito, Hargreaves e Fink (2007) acrescentam ainda que “em condições de trabalho positivas e que disponibilizam apoio às pessoas, o trabalho emocional é um acto de amor, produtor de energia”(idem:267).

Em síntese, e no quadro das ideias até agora explicitadas, parece ser clara a necessidade de serem criadas e organizadas condições de trabalho para os/as professores/as que permitam fortalecer as relações interpessoais e “criar um campo intersubjectivo de cooperação, intimidade e autenticidade que possibilite a libertação de ansiedade e a manifestação da personalidade total” (Day, 2001:98) no sentido de potenciar a dimensão relacional e afectiva nas profissionalidades docentes.