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Outros elementos resultantes da observação directa do quotidiano da escola e do trabalho dos/as professores/as

Dos procedimentos metodológicos à interpretação dos dados

B) Outros elementos resultantes da observação directa do quotidiano da escola e do trabalho dos/as professores/as

A análise dos registos de observação directa revelou elementos que, grosso modo, convergem com as ideias explicitadas pelos docentes, nas entrevistas. Em relação às famílias, foi possível observar que a visão que os docentes têm dos pais e do seu comportamento, é globalmente negativa. Algumas docentes expressam mesmo a ideia de que “os pais não

merecem” todo o trabalho que tem sido desenvolvido na escola: fazemos pelos miúdos” (RE8

e RN6). Por outro lado, constatei também em algumas situações, que na resolução de problemas de comportamento dos alunos, o papel dos pais, é muitas vezes, “desvalorizado”

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preferindo a resolução desse problema directamente através do aluno, estabelecendo um compromisso com o próprio aluno ou definindo uma penalização (RE 2 e 6).

Ainda que, como atrás sustentei, cinco professores/as considerem que a escola tem uma relação positiva com os pais, pude constatar, através das observações realizadas, que não há, uma relação de grande confiança entre a escola e as famílias. Os/as docentes tentam “não

ceder” a algumas críticas dos pais para que possa prevalecer a orientação/encaminhamento de

uma qualquer situação dada pela escola (RE3). Concorre para esta visão o facto de ser proibida a entrada de pais na escola, fora do horário de atendimento e de este facto ser justificado como uma “forma de defesa dos professores”.Apesar destas regras, são frequentes as conversas informais no portão, e/ou no átrio de entrada, das/os docentes com pais, antes do início das aulas (às 8h ou às 13h).

O número de crianças de etnia cigana foi aumentando ao longo do ano lectivo96 e, apesar de não ter constatado qualquer conflito com a escola, foram frequentes e constantes as queixas em relação ao comportamento de alguns alunos, principalmente pela dificuldade que revelavam em cumprir as regras da escola ao nível da assiduidade e da pontualidade, assim como pelo desfasamento que apresentavam entre a idade e o ano de matrícula. Estas dificuldades são justificadas pelos docentes como resultantes dos hábitos de trabalho que trazem de casa ou das poucas exigências que lhes foram traçadas anteriormente em “outras

escolas” (REs e RN). Os/as docentes compreendem que o desencontro entre a cultura cigana e

a escolar é elevado, assim como as expectativas em relação à escola que, no entender dos/as professores/as, são baixas, considerando estes alunos como problemáticos (RE 9) e vendo-os como entraves para o desenvolvimento de um bom trabalho.

Nas reuniões, denota-se uma preocupação acentuada na gestão da sala de aula, sobretudo no que respeita ao cumprimento das regras estipuladas, e em manter o comportamento dos alunos controlados em todas as actividades e espaços escolares: actividades de enriquecimento curricular, intervalos, visitas de estudos, etc. Os docentes consideram-se responsáveis quase a tempo inteiro pelos alunos: quando estão nas Actividades de Enriquecimento Curricular - AEC (RE2), ou mesmo nas actividades desenvolvidas na escola durante as interrupções lectivas (RE3 e 4).

Um dos critérios fundamentais na constituição de grupos de trabalho (REs) ou mesmo na distribuição dos alunos pelas salas para a realização das provas de aferição (RN 6) é exactamente o comportamento dos alunos. Mesmo quando são projectadas alternativas para o encaminhamento futuro dos alunos, como é o caso do PA do 2º ciclo, alguns professores querem mantê-los “sob alçada da escola para que não se percam” (RE 7). Neste sentido,

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sobressai uma preocupação constante da escola em alargar a sua influência formativa para além do seu espaço físico.

Relativamente a outros parceiros, de um modo geral os/as professores/as revelam um espírito de abertura e são solícitos em relação à ajuda e ao apoio, por exemplo, de instituições de ensino superior para considerando que dele podem retirar sempre dividendos para a melhoria dos processos de ensino/aprendizagem, tal como pudemos constatar nas reuniões. Apesar de, por vezes, expressarem alguma insatisfação quando é necessário articular trabalho com elementos exteriores à escola (o autor da obra explorada pelo agrupamento, o estagiário de psicologia, a higienista oral...) acolhem-nos e disponibilizam-se a concretizar as actividades propostas, dado considerarem que a partir do momento em que trabalham na escola “estão no mesmo barco”. Neste sentido, revelam essencialmente um orgulho institucional considerando que isso “exige” a construção do melhor trabalho possível em conjunto, assim como o acolhimento de quem pertence à escola. Neste mesmo sentido, denota-se, no que respeita aos docentes das AECs, um clima de abertura em relação às suas propostas e constata-se que estes também dinamizam e participam nas actividades comemorativas da escola.

O orgulho institucional manifesta-se também na forma como se vangloriam do facto de outros parceiros sociais utilizarem as ideias e/ou sugestões da escola (RN2). Foi possível também observar, que de um modo geral, os/as docentes revelam um sentimento de defesa em relação às outras escolas do Agrupamento, procurando ter cuidado com o discurso utilizado e expressando no exterior a união do estabelecimento escolar (RN1). Este sentimento de defesa

do território e da instituição é notório, por exemplo, no facto de os/as professores/as não

aceitarem desempenhar funções noutros espaços do Agrupamento, preferindo a sua escola (RN5) e expressarem algum espírito de competição para com os outros estabelecimentos escolares, nomeadamente ao nível da produção de materiais (NT, RN 2).

IV.3.1.5 - Uma síntese dos dados relativos à dimensão ethos da escola

Da análise que fiz às diferentes categorias, definidoras do ethos da escola é possível construir a ideia síntese de que a escola EB1 apresenta um ethos colaborativo marcado pela

harmonia interpessoal, pela liderança partilhada, pelo corporativismo profissional, pelo orgulho institucional e por uma atitude disciplinadora e simultaneamente formativa perante a

comunidade educativa.

Ao nível do ambiente profissional prevalecem as relações de partilha e de solidariedade profissional apesar de se registarem alguns conflitos nas tomadas de decisão inerentes a relações de poder e a espaços de autonomia. As relações de tipo informal estão

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enraizadas nas interacções entre os docentes e revelam-se nos intervalos, nos convívios e nas conversas diárias, traduzindo-se em momentos terapêuticos e de descompressão e conferindo um sentido colegial às relações profissionais. A existência de um espaço onde todos os docentes se encontram no momento do intervalo para tomar chá, lanchar e conviver, assim como o facto de a sala de coordenação estar “culturalmente institucionalizada” como local de encontro das duas equipas à hora do almoço, fomenta o desenvolvimento destas relações de proximidade.

A harmonia interpessoal gera um bom ambiente de trabalho que favorece a necessidade de contacto entre os elementos, alimentando a construção da colaboração com base na amizade, na camaradagem e na partilha. No entanto, como a análise permitiu constatar esta harmonia interpessoal é em alguns momentos aparente, uma vez que os professores disputam diferentes interesses e posicionam-se de forma diferente quer em relação aos alunos, quer ao seu próprio trabalho. Outros factores justificam a ideia de estarmos perante ethos de escola de tipo colaborativo, como é o caso da existência há longa data de um trabalho em parceria e em equipa entre os professores e com outros parceiros da comunidade. A este nível, regista-se i) o trabalho conjunto desenvolvido no âmbito do TEIP1 que fomentou hábitos de trabalho e comunicação com outras escolas e parceiros sociais, assim como ii) a existência de um projecto colectivo na escola desde o ano 2006/2007 que institucionalizou o trabalho em equipa. Desta forma, acredito que o ethos que caracteriza hoje a escola resulta de toda uma história institucional que, como sustenta Carvalho (1997) foi apoiada em “modelos de trabalho estruturantes desencadeadores da criação de redes intra escolas que poderá gerar mentalidades diferentes” (idem: 457) e da criação de estruturas escolares que constituem factores de facilitação à própria colaboração.

Nesta linha, e como ficou também claro pela análise que realizei, está subjacente ao

ethos da escola uma filosofia que passa pela valorização do grupo de docentes e da sua união

assim como pela necessidade de acolher os elementos novos. Esta filosofia reflecte traços de um corporativismo profissional mas também de valorização das dimensões relacional e afectiva do exercício das profissionalidades docentes.

Em relação às lideranças, a análise dos dados permitiu associar à coordenadora de estabelecimento qualidades como a emotividade, a sedução e a provocação, identificando-a como uma líder com um forte orgulho institucional e defensora da escola e dos/as seus/suas docentes. Assim, praticando uma liderança directiva, desenvolve, contudo, uma forte relação emocional com os/as docentes, alimentando o senso de grupo e a solidariedade profissional. Apesar deste tipo de liderança, os discursos expressam também uma liderança partilhada, que se reflecte: i) no poder colectivo da equipa como motores das dinâmicas da escola; ii) na

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cultura da decisão construída colectivamente; iii) na definição conjunta de projectos e actividades; iv) na participação e capacidade dos/as docentes utilizarem os espaços de reunião para discutirem livremente os assuntos que os preocupam; vi) na construção de plataformas de entendimento, apesar da pluralidade dos pontos de vista v) e na liderança institucional sustentável que permitiu a substituição rápida e efectiva da coordenadora de estabelecimento.

Este sentido do ethos de escola que tenho vindo a designar de ethos colaborativo não se alarga à relação com as famílias uma vez que, como ressalta da análise, a escola não promove uma cultura de aproximação e de colaboração efectiva, mantendo uma relação somente no âmbito da esfera afectiva. Associa-se a esta ideia a visão negativa dos alunos e da comunidade que é caracterizada como revelando: i) fragilidade, instabilidade afectiva e atitudes pouco regradas dos discentes; e como sendo ii) uma comunidade culturalmente inferior e deficitária. Em minha perspectiva, estas representações e perspectivas dificultam o trabalho colectivo e reflectem-se numa lógica deficitária de adequação curricular que não potencia a construção de um projecto curricular ajustado às necessidades e interesses dos alunos e às próprias expectativas familiares.

Assim, se o envolvimento em projectos como o da Gestão Flexível do Currículo (1999-2001) potenciou o desenvolvimento da cultura organizacional da escola, proporcionando várias aprendizagens a este nível, a visão deficitária da comunidade contribuiu para que, efectivamente o discurso de “currículo contextualizado” cuja preocupação central é o aluno, se tenha traduzido na ideia de um currículo adaptado mas empobrecido. Note-se no entanto que, apesar destas incoerências, a cultura curricular da escola tem-se pautado por um forte envolvimento no desenvolvimento do currículo a partir dos interesses locais, mas ampliando-os, e têm sido tomadas decisões nesse âmbito, como é o caso da construção do Projecto-piloto, anteriormente analisado.

Realce-se, a este propósito, que a ideia de autonomia curricular se reflecte principalmente no grupo das entrevistadas com mais anos de serviço na escola, quando criticam a compartimentação curricular que resultou das dinâmicas do projecto, o que, em sua opinião, dificulta o desenvolvimento de processos interdisciplinares, reduzindo a autonomia docente.

Em síntese, poder-se-á concluir que o ethos da escola em estudo se caracteriza por um forte sentimento colectivo de inovar e pela vontade de construir projectos curriculares diferenciados e, portanto, contextualizados às situações reais. Sobressai, pois, um sentido de escola com capacidade para tomar decisões curriculares nomeadamente em aspectos que visam formar globalmente os alunos, numa perspectiva de participação cívica, criando hábitos de conduta social, dentro e fora da escola. Sobressai ainda a ideia de estarmos perante uma

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escola com uma forte missão social, empenhada não só na formação dos jovens mas também na mudança da comunidade do bairro.

IV.3.2 - Profissionalidades docentes

A análise da dimensão Profissionalidades docentes organizou-se a partir das seguintes categorias: processos de trabalho na sala de aula, trabalho conjunto com os pares e

satisfação profissional. A análise destas categorias assenta, na linha de análise que tenho

vindo a seguir, primeiro, no ponto de vista dos/as professores/as entrevistados/as e, a seguir, na análise que construí a partir das observações.

IV.3.2.1 - Processos de trabalho na sala de aula

Na análise dos dados relativos às profissionalidades docentes, recolher informações sobre os processo de trabalho na sala de aula foi entendido como fulcral uma vez que essas profissionalidades incorporam sempre elementos relativos ao contexto da sala de aula e aos modos de trabalho dos professores. No entanto, dado não ter recorrido à observação contextualizada desses processos de trabalho na sala de aula, a análise desta categoria teve somente como base o ponto de vista dos/as professores/as.